Em meio a dores de parto

É com pesar que estas páginas escrevo. Não por mim, mas pelos indefesos que foram usados como termômetro e afronta pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro. Os sexagenários do STF acreditam que a legitimidade de seus próprios mandatos legitimam suas atitudes ilegítimas. Enquanto o pó se acumula entre os projetos de interesse populares engavetados, os ministros com toda sua formalidade límpida, no silêncio quase uterino da madrugada – perdoe-me o trocadilho – decidem tentar legalizar, e assim sujar as mãos com sangue de bebês indefesos, ao tratar da descriminalização do assassinato de nascituros com microcefalia no Brasil.

Após acompanhar a votação com dores de parto, a angústia foi-se embora, pois a vida venceu. Mas, ainda assim, a inquietação em relação ao STF persiste. Impelido de tal sentimento, percebi que o mesmo funda-se em motivos concretos, o que aconteceu foi uma amostra de algo que foi pensado, desenvolvido. Como se cada um dos ministros equivalesse a um mês de gestação, uma teoria embrionária se desenvolveu e formou completamente. Cresceu e se encontra em um estágio de maturidade e concretude que nos deveria despertar um genuíno sentimento de urgência.

Não concedemos a atenção devida para o que estava ocorrendo e por isso corremos um grande risco. Formou-se algo capaz de anular todas as vitórias que o povo brasileiro conquistou democraticamente nos últimos anos, ou seja, um sistema capaz de anular todas as derrotas da esquerda.

Num complexo sistema de poder que não requer organizações em massa, o protagonismo é substituído por onze pessoas: os juízes do Supremo Tribunal Federal, ou com uma melhor nomenclatura, o Tribunal da Suprema Sacanagem. Todavia, como toda ação política existente, o que a precede é uma articulação intelectual, podendo esta ser individual ou coletiva. Sendo assim, qual o lugar de apoio dos onze ministros? Onze não, vinte e dois, coloquemos na equação também a arrogância deles, capaz de preencher mais cadeiras no tribunal.

O responsável por desenvolver a concepção de justiça vigente no Brasil hoje – e também em outros países latino-americanos como México, Argentina e Colômbia – foi o norte americano Ronald Dworkin. Visivelmente possuído pelo narcisismo, Dworkin contaminou seu trabalho intelectual com seu egocentrismo. A teoria do ativismo jurídico desenvolvida por ele é exercida no Brasil; Ronald foi um fraco, e para compensar isto, desenvolveu um trabalho intelectual capaz de suprir a fraqueza. Os nossos ministros não se diferem deste caráter: Dizei-me quem imitas e te direi quem és.

Em sua obra Religion without god, Ronald deixa explicita sua falta de crença em um Deus pessoal, e concomitante a isto, expõe acreditar em uma força superior; crendo numa religiosidade ateística, o autor afirma que existem valores absolutos acima das religiões.

Na visão moderna, a função do juiz não é essencialmente a aplicação da lei, mas sim sua interpretação. No conflito interno que uma lei estabelece por sua autocontradição, o que sobressai como solução é unicamente a vontade pessoal do magistrado – encontramos nesta última frase o ponto fulcral do sistema judiciário brasileiro: a vontade dos juízes sobrepondo o resto.

Reduzindo a lei a um mero conjunto de palavras, reduzindo o direito natural, postulam que acima da lei existem somente princípios. Tudo é feito para legitimar o ativismo jurídico – uma escola de interpretação do direito.

O ativismo jurídico ocorre quando o poder judiciário assume o protagonismo, sobrepondo os demais poderes. Encarando a lei como um objeto sempre passivo de interpretação e quase nunca de aplicação efetiva, os princípios se sobrepõem a objetividade, e quem são os definidores dos princípios que serão exercidos? Os juízes do Supremo Tribunal Federal. Os princípios são: abortismo, feminismo, progressismo etc.

Concretiza-se uma ditadura jurídica emoldurada pela estética imunda do progressismo essencialmente revolucionário internacional contemporâneo.  “Onde faltava uma norma, mas havia um direito fundamental a ser tutelado, eu acho que o Judiciário deve atuar”, assim diz o ministro Barroso. A tutela é feita por eles, pelos seus princípios que são aplicados de acordo com um interesse específico.

Mas o privilégio de tal acontecimento não é apenas verde e amarelo. A Colômbia foi dominada pelo poder judiciário, e para atestar isto, basta ler o livro Cortes y cambio social : cómo la Corte Constitucional transformó el desplazamiento forzado en Colombia, escrito  por César Rodríguez Garavito e Diana Rodríguez Franco, que expõe as máculas deixadas pela absorção dos demais poderes em um único: o poder judiciário.

 A situação no Brasil ainda não está tão drástica como a colombiana, mas assim como o que nos separa dos hermanos colombianos é apenas uma fronteira, o que nos separa em grau de igualdade política é a resistência popular. O que aconteceu em relação à pauta do assassinato de bebês – o aborto – é uma prova disso.

O poder judiciário deveria ser provocado por uma demanda exterior, e exercendo sua função, limitar-se-ia a agir conforme os seus limites. Entretanto, na prática, o que ocorre é a extrapolação, o que forma o ativismo político. A ideia de que a lei se subordinará aos princípios, o direito natural não importa, e os ministros tornam-se deuses na terra – os únicos capazes de julgar. 

A questão do aborto não concede espaço para controvérsias, o povo brasileiro é categoricamente contra o assassinato de inocentes em qualquer hipótese. Mesmo assim o STF insiste em tentar legaliza-lo.

Por mais que dessa vez a vida tenha vencido, é errôneo pensar que o Supremo é a favor da vida. O fato de o tema ser posto em pauta já é uma afronta à vontade popular, o resultado só não foi o pior possível. Entendo que a ação feita foi um mero medidor de temperatura e, vendo que o posso não se esfriará nunca em relação a este tema, retrocederão e agiram com mais cautela. Mas isso não significa que pararão de agir ignorando a vontade popular. O aborto pode ser a última matéria ser aprovada, mas, se o andar da carruagem continuar prosseguindo, mais cedo ou mais tarde acontecerá. Não nos perguntaremos mais “Como será?”, mas sim “Quando será?”. É mais uma vez a elite tentando decidir quem deve nascer e quem merece morrer; a história se repete.

Reescrevo aqui duas perguntas feitas por César Rodríguez Garavito e Diana Rodríguez Franco na obra já citada: em última análise, para que servem os falsos tribunais? Quanto tempo pode uma corte ativista, como a colombiana, sustentar um processo que possui claros cursos institucionais e políticos? A oportunidade da resposta, deixo ao leitor.

 A cada novo julgamento no STF sofreremos com dores de parto, agonizando pela vida? Ou exigiremos a partilha correta dos poderes? O preço da nossa omissão pode ser o valor de uma vida inocente. Podemos lavar as mãos sobre o tema, mas não limparemos facilmente nossa consciência ao saber que nascituros estão morrendo. E disse Chesterton: “O diabo não chega com capa vermelha, chifre e tridente, geralmente ele chega defendendo o aborto”. O diabo não chega de capa vermelha, no país do pau oco, chega usando uma capa preta e ainda faz parte da Corte.

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Yuri Ruiz

Yuri Ruiz

Um jovem conservador, antifeminista, antimarxista e cristão.

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