Aristóteles seria a favor do armamento

Tentando traduzir a discussão sobre armamento em termos da famosíssima teoria aristotélica das quatro causas, a coisa fica mais ou menos assim, creio:

Desarmamentistas não estão de todo incorretos quando querem dizer que “armas matam”. Caso tentemos “ler” o ato de assassinar com arma de fogo a partir da teoria das quatro causas, observaremos que a “causa material” de uma morte por arma de fogo é a arma de fogo (o “meio” material para o ato é a arma). Contudo, e aí entra o argumento inescapável e, creio eu, evidentemente insuperável, dos armamentistas: caso eu mate alguém a cadeiradas, a culpa é minha, da cadeira ou do marceneiro que fez a cadeira?

Ainda poderiam objetar que a “causa final” de uma arma de fogo é a morte, ao passo que a “causa final” da cadeira é o sentar-se. Contudo, além disso não ser exatamente verdadeiro, pois posso usar a arma para intimidar um agressor, para me defender de forma não-letal (como é recomendado que se faça à luz de cada situação), a arma jamais encontra sua “causa final” por si só, mas apenas com um agente que possa atualizá-la. Também, embora a causa final de uma faca seja, por exemplo, cortar alimentos e a de um carro, deslocar-se mais rápido e com mais conforto, nada impede que eu desvirtue esse dado de sua natureza e use esses objetos para matar (no caso de uma faca fica difícil falar em desvirtuamento de sua causa final se você a usa para “cortar uma pessoa”). Suponhamos, ainda, que eu crie um objeto totalmente novo, cuja causa final seja apenas matar. Só que eu nem ninguém nunca matou ninguém com esse objeto (nunca houve causa eficiente). Qual a diferença ontológica dele para uma faca, martelo, machado, automóvel ou um copo de ácido que eu use para matar 1 ou mais pessoas? Apesar de longo processo de desarmamento no Reino Unido, a partir de 1998, sua capital, a cidade de Londres, vive epidemia de ataques com faca e alguns com ácido. Ou seja, gente com instinto assassino subverteu a causa final de outros objetos e se tornaram causas eficientes de assassinatos a partir do emprego de objetos que não tinham “matar” como causa final.

Portanto, argumentar que a “causa final” de uma arma de fogo é o assassinato não é um bom argumento contra sua posse, porte ou uso, pois como mostramos, outros objetos com outras causas finais podem ser utilizados para o fim de matar.

Eis então que, a “causa eficiente” de uma morte por arma de fogo é o sujeito “agressor”, só é possível assassinar com arma de fogo com uma causa eficiente que torne possível o ato de assassinar. Sem causa eficiente não há causa final, então é nesta primeira que jaz a culpa.

Logo, como mais uma vez fica evidente, aqueles genuinamente preocupados com a violência devem combater a causa material, a causa final ou a causa eficiente, sabendo que sem causa eficiente não há atualização que realize a causa final?

Até Aristóteles concordaria que armas não matam e seria capaz de oferecer uma justificativa ontológica para o direito ao porte.

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André Assi Barreto

André Assi Barreto

Bacharel, licenciado e mestre em filosofia pela Universidade de São Paulo. Licenciado em História. Professor de Filosofia e História das redes pública e privada da cidade de São Paulo. Pesquisador da área de Filosofia (Filosofia Moderna - Dercartes, Hume e Kant - e Filosofia Contemporânea - Eric Voegelin e Hannah Arendt) e aluno do professor Olavo de Carvalho. Trabalha, ainda, com a revisão de textos, assessoria editorial, tradução e palestras. Coautor de “Saul Alinsky e a anatomia do mal” (ed. Armada, 2018).

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