Máfia com diploma

Mafiosos ou universitários?

O ambiente acadêmico é uma máfia. Tem métodos, estrutura e cadeia hierárquica própria. No caso brasileiro, a melhor aproximação que deveria ser feita é com as famosas máfias familiares italianas. Tudo isso em um sentido figurado, obviamente. Não esperem que rolem cabeças, literalmente, caso algo não seja feito de acordo com os líderes máximos ou que “taxas” devam ser pagas para a manutenção da estrutura. Nem imaginem métodos ortodoxos de manutenção do poder como torturas físicas. No máximo as psicológicas. Mas isso nem se compara a ilegalidade das máfias tradicionais. A única equiparação é no quesito da imoralidade.

Aos mafiosos, peço desculpas pela analogia. E aos cada vez mais raros docentes e discentes que não comungam desta descrição, saibam que exceções servem para confirmar a regra geral. Caso existam ofendidos com a verdade, tenham plena consciência de que sua afetação sensível “negacionista” só comprova uma triste realidade do ensino superior. Para os que duvidam, um pequeno tour acadêmico seria mais que elucidativo para demonstrar o que foi dito.

No Brasil, o que não faltam são organizações criminosas do intelecto em programas de mestrado e doutorado. E isso também atinge os círculos da graduação. Afinal, para que um novo membro possa fazer parte de uma das famílias que se estruturam dentro dos recintos de pós-graduação, é bom que sua fidelidade seja construída e “testada” desde o início de sua presença nos bancos universitários. Boa parte do que presenciei e dos relatos que ouvi estão vinculados aos cursos de Ciência Política, Direito, Filosofia e Sociologia. Não é algo que ocorre em uma universidade em específico, uma particularidade que atinge somente estes cursos ou que está atrelada a instituições públicas ou privadas. Mesmo com variáveis, é uma característica onipresente em nosso sistema de ensino.

Sem dúvidas é possível afirmar que um dos momentos mais emblemáticos da academia é quando chega um “iniciado” a um programa de pós-graduação. Sem pudores ou regras explícitas, é sabido que esse calouro de mestrado ou doutorado tem que passar por alguns rituais de iniciação básicos para que tenha sua “vida acadêmica” sacramentada. É algo como pingar gotas de sangue em uma imagem religiosa para que ganhe adesão à “família”. Um exemplo? A famosa prática de escrever um artigo em “coautoria” com o orientador de dissertação ou tese para que ele seja publicado em alguma revista de boa qualificação acadêmica. Na prática isso equivale ao seguinte: o orientando escreve todo o artigo e enxerta o nome do orientador sem que o “líder” tenha escrito uma linha ou colocado uma única vírgula. E, se colocou uma vírgula, foi para que o texto ficasse mais adequado as regras gramaticais brasileiras.

Por isso, o exemplo da descoberta de um plágio acadêmico do ex-ministro da Justiça e ex-juiz federal Sérgio Moro não deveria causar espanto. Ao comentar o caso, Moro declarou que o artigo foi escrito em coautoria com Beathrys Ricci Emerich, “sendo a redação toda da orientanda”, declarando que é um trabalho “de uma aluna de pós-graduação que cometeu um erro e já o corrigiu, o que é louvável”. Ora, o que talvez não seja nem um pouco louvável é exatamente o fato de Moro ter assinado um artigo como autor no qual sequer escreveu uma única palavra. Isso para não mencionar o fato de ter se esquivado de qualquer responsabilidade, mesmo que tenha assinado o artigo. Mas esse caso só ganhou repercussão porque envolvia Moro. Na fábrica de produção em massa presente no ambiente acadêmico, sabe-se que situações desse tipo não são nem um pouco incomuns. Que atire a primeira pedra aquele ingênuo que nunca viu ou ouviu falar de uma situação de escrita em coautoria sem que um outro autor sequer tenha contribuído com algo.

Como o exemplo vem de cima, é muito corriqueiro que os “iniciados” de uma mesma “família” intelectual troquem favores mútuos para o engrandecimento quantitativo de seus currículos. Assim, alguém escreve um texto e coloca o nome de seu amigo sem que este tenha a menor ideia do que foi escrito; o amigo, por seu turno, retribui o favor; dessa forma, ambos têm duas publicações acadêmicas, ao invés de uma. E é muito interessante como isso se multiplica com um silêncio abissal dos orientadores e do ambiente universitário. Aliás, é como se não existisse.

Outra prática bastante habitual é a da prostituição intelectual. Por mais que o mestrando ou doutorando não compartilhe da mesma visão teórica e prática de seu orientador, ao ter conhecimento da possibilidade de ingresso ou de manutenção nos círculos de “sabedoria” acadêmica, não são poucos os que passam a pesquisar e endossar teses que anteriormente rejeitavam com veemência. Claro que nem todos vendem a instrumentalidade de seus intelectos da mesma forma. Assim como algumas garotas de programa não praticam sexo anal, alguns universitários se adaptam de acordo com suas capacidades de “alargamento” cerebral. Existem aqueles que possuem boa capacidade reflexiva e adequada racionalidade, mas em nome do status social dos títulos acadêmicos, vendem-se sem pudores; outros, com baixa capacidade no uso de suas faculdades mentais, funcionam como bobos úteis para repetir o que seus orientadores desejam, sem que saibam o quão errada são as teorias defendidas; e, ainda, é possível encontrar aqueles que são verdadeiros camaleões acadêmicos: com razoável competência intelectual e ótima sensibilidade psicológica, adaptam-se a qualquer ambiente de reflexão, adotando o posicionamento teórico conforme a necessidade do momento.

Tudo isso sem contar a relação espúria que estas áreas do conhecimento possuem com inclinações políticas e de como suas pesquisas são submissas a anseios ideológicos. Reparem como é praticamente impossível pesquisar sobre “grupos vulneráveis” (idosos, mulheres, indígenas, gays, negros, crianças e adolescentes) sem ser um adepto do esquerdismo. Ou de como é uma heresia apontar as falácias de determinadas “vacas sagradas” em dissertações e teses, tais como a legalização do aborto ou do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Nunca é demais mencionar como proliferam trabalhos acadêmicos que criticam o papel da religiosidade na participação política em um Estado laico, ao mesmo tempo em que são invisíveis pesquisas que mostrem o contrário. Ou será que a moralidade cristã não tem nada a contribuir para a formação da racionalidade pública? No fundo, a academia que se vende como um lócus que está aberto para debater com a sociedade civil, acaba realizando fartas produções intelectuais, de cunho progressista, ceifando (direta ou indiretamente) as que possuem um viés conservador: exatamente o oposto do senso comum (bom senso) da população brasileira.

Já assisti de camarote, sem beber “gela”, muito menos Cîroc, a reprovação de candidatos em processo seletivo para ingresso em um programa de pós-graduação de Ciência Política de uma universidade do Rio Grande do Sul, sob a alegação de que moravam a cerca de 400 km de distância da cidade em que deveriam cursar as aulas. Mesmo que estes candidatos tivessem bons currículos, bons projetos, boas notas e disponibilidade para deslocamento, foram descartados. Mas, uma famosa deputada federal gaúcha, com limitadíssimo currículo acadêmico e baixíssima possibilidade de deslocamento (e tempo?) para assistir as aulas (nem se fala na distância), foi aprovada. Nem é necessário dizer o famoso partido a qual ela pertence, sendo um quadro histórico (e histérico) daquela legenda. Os trabalhadores (alguma dúvida sobre qual é o partido?) brasileiros ficariam indignados com essa história ao descobrirem como seus impostos servem para financiar o status acadêmico de uma renomada política. Como diria Wesley Safadão, “quer saber? Palmas pra você! Você merece o título de pior mulher do mundo”.

Na ânsia de um reconhecimento nobiliárquico que lhe confira prestígio social, o “iniciado” faz qualquer coisa. Ri das piadas sem graça de seu orientador, se oferece para organizar eventos ou encontros virtuais, adiciona ou passa a seguir a liderança intelectual máxima em redes sociais, comenta seus “posts” com amor e paixão e tenta estabelecer círculos de convivência com os colegas em que possa se vangloriar das relações “familiares” com o professor-orientador. Ou seja, usa e abusa da retórica para mostrar o quanto é próximo do “mestre” intelectual, o que por si só tem dupla função: afastar possíveis interessados em estar sob a tutela de seu “guardião”, o que dividiria os afagos acadêmicos, e reafirmar sua posição na cadeia de prestígio, o que lhe confere, mesmo que de forma ilusória, “pontos” em possíveis seleções discentes e docentes.

Casos mais graves de situações desse tipo ocorrem com membros veteranos. Como já ganharam a confiança do Capo (mais conhecido com Don) orientador, há uma relação comensal mais apurada. Assim, caso seu mentor intelectual escreva habitualmente para sites jurídicos especializados, por exemplo, acaba-se descobrindo rapidamente que na maior parte dos casos não é ele que escreve os textos que assina, mas sim o seu conjunto de orientandos que tanto o rodeiam como pintinhos na volta de uma galinha gorda. E o que eles fazem? Colocam o nome de seu “líder” como retribuição pela possibilidade de estar em sua companhia em eventos e cafés. Claro que também vislumbram a possibilidade de uma carreira acadêmica-burocrática que oferte algum prestígio em instituições que endeusam aquelas “mentes brilhantes”. O curioso nisso tudo é que poucas pessoas se questionam como é possível que um professor com inúmeras responsabilidades acadêmicas e profissionais possa manter um volume de produção absurdo e com certo requinte intelectual. Aos que se indagam a respeito e ainda têm dúvidas, a resposta é óbvia: não é ele que escreve seus artigos.

Também existe o caso da professora feminista de filosofia que ofertou ascensão acadêmica em troca de sexo casual com um aluno. Empoderada, sempre vinculada a causas progressistas, articulada em manifestações e representações sindicais de docentes, ela “objetificou” um corpo masculino para satisfação de sua libido em troca de status acadêmico. Em seu perfil em uma rede social, a professora ostenta uma foto que registra sua participação em uma passeata feminista, portando o seguinte cartaz: “Minha b***** é laica” (no cartaz não constam asteriscos…). Se é laica ou não, tenho dúvidas. Nem me interessa. O fato é que serviu como moeda de troca acadêmica. Uma relação de poder típica do patriarcado? A máfia intelectual não tem pudores sexuais.

Mesmo que este último ritual não seja frequente, ou pelo menos tão conhecido, ele é uma boa representação de como não existem limites para auxílios de toda ordem em ambientes que deveriam prezar pela excelência intelectual e moral. As práticas expostas inundam a academia. Não à toa, há uma produção massificada nas áreas apontadas, mas com baixíssima relevância social e cultural. Revistas acadêmicas brasileiras, com grandes selos de qualidade, só servem para professores burocratas manterem seus financiamentos de pesquisas (cada vez mais escassos) e o título de “pesquisadores”. Seus artigos, mantidos por mestrandos e doutorandos sedentos por ocuparem um lugar idêntico ao de seus orientadores, são volumes e mais volumes de inutilidades acadêmicas que são bajuladas por círculos que retroalimentam uma falsificada excelência para manterem uma suposta casta de estudiosos.

Além disso, reforça-se que nenhuma atividade de pesquisa empreendida pode contrariar alguma “tese” do orientador. Esse movimento de reprodução sistêmica e produzida em larga escala, que se chama produção acadêmica, nada mais faz do que manter a “produção” do orientador em dia (lembrando que seu nome é sempre incluído, independentemente de ter escrito algo), ao mesmo tempo em que lhe confere status diante dos pares e instituições para que possa manter seu emprego no caso de universidades privadas. Ao mesmo tempo, a migalha que sobra para o orientando é aquela que mostra sua presteza, servidão e valentia ao assumir ideias que não são suas como se fossem suas para que ele esgrime e esparrame o nome de seu tutor mental no mercado intelectual que está igualmente abarrotado de outros exemplos semelhantes.

Saber de tudo isso cobra um preço. Vivenciar de maneira contrariada também. Não participar desse ciclo vicioso é assassinar a esperança de mudança na academia e assinar seu termo de desfiliação daquela organização que não permite desfiliação. É a aniquilação de uma vida que poderia ter seu rumo dentro de instituições sólidas por fora e carcomidas por dentro. Na maior parte dos casos qualquer generalização beira a estupidez, mas esconder a generalidade dos casos em nome da preservação das exceções e das aparências é a manutenção da falsidade, algo pelo qual as universidades não foram criadas. Ou tudo isso que foi descrito pode ser fruto de uma mente literária em flagrante estado de insanidade (ou brilhantismo, dependendo da ótica), ou corresponde a mais pura realidade.

Em artigo intitulado “Is your journey really necessary, professor?”, de 1991, o célebre escritor e jornalista Paul Johnson, um verdadeiro intelectual, decretou: “É um mito que as universidades são os berçários da razão. Elas são abrigos para todo tipo de extremismo, irracionalidade, intolerância e preconceito, onde o esnobismo intelectual e social é quase propositadamente incutido e onde professores tentam passar aos seus estudantes os seus próprios pecados de orgulho”. Existiria um relato mais preciso da realidade?

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João L. Roschildt

João L. Roschildt

Professor do curso de Direito do Centro Universitário da Região da Campanha (Urcamp). Além de articulista e ensaísta, é autor de “A grama era verde”. Site: www.joaoroschildt.com.br

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