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Acreditar em conspirações é fichinha, há quem acredite na Folha

Introdução:

Maurício Meireles assina, para a Folha de São Paulo, uma reportagem intitulada: “Bolsonarismo importa dos EUA teoria conspiratória sobre marxismo cultural”, onde ridiculariza — ou tenta ridicularizar — a existência do “Marxismo Cultural” como uma realidade sócio-política tipicamente discursada pelo conservadorismo. Ou seja, o Marxismo Cultural se trata da ideia de que o socialismo possui mais do que a frente econômica e jacobina de ação, mas também a frente cultural e moral.

 

Conspiração e conspiradores:

Tal reportagem traz dados interessantíssimos, principalmente se você é daqueles que apontam como ridículo a vestimenta de seu amigo enquanto corre pelado por ai. É no mínimo paradoxal, a meu ver, que a esquerda venha ridicularizar uma ideia como sendo “teoria da conspiração” sem antes vigiar as próprias vergonhas. Os herdeiros dos soviéticos, aqueles que matavam o próprio povo pelo mais leve desconfiar paranoico de um complô contra o governo; são esses que agora querem se erguer das cadeiras para adjetivar “teorias da conspiração” como sendo ridículas, para proclamar que acreditar nelas é sinônimo de atraso? A é mesmo, caro comunista; não eram vocês que acreditavam que o juiz Sérgio Moro era um agente do FBI, e que a facada em Bolsonaro era mentira? Aqueles que chamam de fascista a tia Antônia da sorveteria, por ela ser entusiasta de Bolsonaro? Bom, julgo que esses não deveriam falar com tanta isenção e peito inflado sobre conspirações e conspiradores.

Porém, primeiramente, antes de adentrarmos ao debate sobre o “Marxismo Cultural”, temos que fazer uma real mea culpa conservadora; há muitos conservadores que realmente perdem o prumo na busca de uma crítica política coesa. Pessoas que veem num simples gesto de apontar à esquerda um ato de rebeldia socialista ou de tendência política. Lembro-me de que certa vez comprei o volume primeiro de O Capital, de Karl Marx, e, por pura convenção moderna que diz que tenho que expor meus atos particulares ao público alheio, me entreguei aos trejeitos da massa e postei no Facebook uma foto do famigerado fascículo. Pois bem, sem demora um paladino dos bons costumes ocidentais comentou que sabia, desde sempre, que cedo ou tarde eu cederia ao discurso comunista, que eu era, na verdade, um infiltrado no movimento conservador. O bom e velho sovietismo à direita.

Tirando toda a mente doentia do meu algoz delator, com certeza seus talentos imaginativos seriam de bom proveito em roteiros e tramas conspiratórias como o de Dan Brown. Conspiracionistas são iguais a mercenários do mercado de armas, vendem para terroristas e mocinhos; é uma praga que cresce em qualquer campo sem fazer distinções ideológicas. No entanto, analisemos o que denominamos como “Marxismo Cultural”.

 

Desenhando o desenho:

O Marxismo Cultural, em linhas gerais (dado que explicar com profundidade isso num artigo de cinco páginas seria presunção demais) é a percepção de que o pensamento socialista organizado migrou competentemente de seus intentos econômicos e ditatoriais, para a via cultural. Em Ideologia Alemã e Teses sobre Feuerbach, além de Origem da Família, da propriedade privada e do Estado, há uma sutil mudança de discurso de Marx, ao invés de reafirmar as teses panfletária sobre a insurreição despótica dos proletários — a famosa “revolução operária” — Marx parece compreender que há um sistema cultural e moral na sociedade que impede que tal revolta de fato aconteça.

A esse impedimento Marx denominou de “supraestrutura” e “ideologia”, ou seja, distrações morais, religiosas e culturais que se sobrepõem à realidade crua, impedindo que os oprimidos percebam que estão sendo oprimidos e utilizados para fins políticos ou, naquele caso, econômicos. E se eles não percebem, ou não possuem impulso suficiente para se revoltarem, logo não haverá revolução dos proletários e a tese marxista falha miseravelmente.

Ou seja, Marx aparenta ter percebido que, além dos problemas materiais imediatos, ele teria de enfrentar um problema cultural que se interpunha ao problema econômico, uma cultura arraigada que prende o “povão” numa estrutura moral não-revolucionária.

 

Conspiração à vista ou cegueira consentida?

Após a morte de Marx, vários grupos surgiram para estudar o comunismo marxista, assim como desenvolvê-lo em um grau academicamente mais profundo. Max Horkheimer, um dos fundadores da Escola de Frankfurt, em um ensaio denominado Autoridad Y Familia, identifica que a sociedade socialista possui três grandes barreiras que impedem o seu fluxo completo: família, escola e Igreja. Todas elas são construtoras e/ou mantenedoras da cultura moral conservadora da sociedade ocidental; ou como Edmund Burke denominava tal cultura moral: “valores consagrados pelo o uso”.

Não sem demora, as ideias e ações socialistas que vieram desse mote intelectual mais desenvolvido do socialismo marxiano, começaram a se envolver diretamente nesse tripé; por estratégia ou por consequência natural de atuação militante, não cabe agora investigarmos, mas fato é que as atuações diretas ocorreram. E para tal visão não é sequer necessário citações ou teses, basta o mais leve observar histórico das movimentações socialistas na sociedade no século XX — em especial.

O feminismo radical de Simone de Beauvoir, Kate Millet e Shulamith Firestone, a luta pelo sexo livre de Wilhelm Reich e toda cultura de “Planejamento familiar” — sinônimo americano de “aborto livre” — atuou diretamente no seio cultural e moral da família. A teologia da libertação e correntes análogas, com Leonardo Boff e cia, na Igreja predominante mais poderosa daquele momento, a Igreja Católica. E, por fim, as teorias pedagógicas construtivistas e o freirismo tupiniquim, atuaram diretamente nas escolas, relativizando valores e suspendendo conceitos morais.

Antonio Gramsci, com os seus Cadernos de cárcere, mostra que o socialismo deveria ser o próprio modus operandi da sociedade, a fim de que o pensamento socialista se tornasse perene e não dependesse tanto de levantes revolucionários e guerras civis que poderiam ou não ocorrer. Gramsci simplesmente traduziu em linguagem mais pragmática aquilo que o marxismo — de maneira estratégica ou natural — já percebia como via principal desde os últimos dias de Marx.

 

Até cego vê:

O importante, neste momento, não é descobrir se há uma mente gerente desta realidade cultural à esquerda, ou se ela é global, nacional ou ou partidário; mas sim perceber que esta própria realidade de dominância cultural esquerdista existe. Se o Marxismo Cultural existe sob os formatos que o Olavo de Carvalho explicou, ou sob os moldes revelados por Willian S. Lind, isto tudo não importa, por hora. O que devemos observar é se há de fato uma infestação dos pressupostos marxistas na sociedade; e mais, se esses pressupostos atuaram de maneira a homogeneizar as atuações e, por consequência, o modo de pensar política, cultura e moral da comunidade. Coloco em relevo, pois, três pressupostos marxistas que eu enxergo como evidentes no Brasil e em grande parte do mundo:

1- luta de classes: praticamente toda análise jornalística, artística, e tudo que circunda o mundo das humanidades, pressupõe que há um constante entrevero de castas sociais; uma eterna batalha do rico contra o pobre, do patrão contra o empregado, do gay contra o hétero, do homem contra a mulher, etc. E o pior, pressupõe-se que tal entrevero é o próprio “motor da história”; gerando assim um clima bélico na sociedade e a necessidade constate de revoluções e embates. E veja, o próprio fato de que você não percebe tal pressuposto em suas análises — apesar de ser evidente após uma investigação pessoal sincera — significa que tal implementação de princípios ideológicos ocorreu com sucesso.

2- progressismo: a ideia de que o progresso deve ser buscado a todo custo, e que progredir é o mesmo que abdicar das convenções e moralidades passadas em busca de uma moral assentada na vontade e na utopia de grupos ou iluminados. O jacobinismo requentado sob vestes ideológicas modernas.

3- discurso dialético: a ideia de que as palavras significam algo somente no momento, não havendo de fato uma substância no discurso, apenas um desconstrucionismo eternamente dialético; disso advém o ato de não reconhecer as substâncias das coisas e, per se, a verdade como um fato concreto a ser buscado e identificado. Se não há verdade, então tudo é retórica, e deste fato surge o famigerado “politicamente correto”, onde não importa o que você defenda, mas a que grupo você está servindo ao defender algo. Não é a qualidade que importa, a verdade, mas a quem servirá a defesa do discurso.

Estes pressupostos são ideias desenvolvidas a partir da raiz marxista e que se tornaram terreno comum a várias teorias que vingam quase que incontestes em muitos países e universidades. Nas universidades brasileiras, ao menos, são três hastes muito bem fincadas e que raramente são abaladas ou sequer contestadas.

Vamos lá, sejamos sinceros:

Seria muita desonestidade e infantilidade intelectual achar que existe uma espécie de comando central cultural, onde sob o comando de intelectuais arrebatados por um alistamento dos camaradas, estão agora programando a tomada do poder mundial. No entanto, negar que há uma hegemonia esquerdista, e que esta hegemonia está criando um sistema cíclico de novas hegemonias à esquerda, isto é tolice.

Ora, será que Eduardo Wolf e Maurício Meireles avisaram ao Karl Marx e a Escola de Frankfurt que a busca de uma hegemonia cultural — centro nevrálgico do Marxismo Cultural — é teoria da conspiração? Pois ao que parece, a hegemonia — tanto política quanto cultural — fora exaustivamente tentado a olho nu por grupos, teóricos e governos socialistas. Seria a senhora das inocências achar que uma ideologia política deixaria de buscar o controle cultural da sociedade; sendo que, por definição, um dos propósitos mais basilares de qualquer ideologia é sim senhor(a) a hegemonia de suas ideias no campo social. Ora, era o que tentava Marx na Alemanha e na Inglaterra, é o que tenta o PT e PSOL hoje no Brasil, é o que o bolivarianismo busca na América Latina e Central; é, por fim, o que o sistema à esquerda gera — consciente disso ou não.

 

Coerência para quem precisa, coerência para quem precisa de coerência:

Agora, a esquerda vir falar de conspirações chega a ser uma piada pronta. A mesma esquerda que “comprou” a teoria de gênero, sem nenhuma base científica que lhe dê credibilidade para além da histeria de seus adeptos, rechaçada e fulminada pela American College of Pediatricians (ACPeds), ideia que vê na errônea percepção sexual, num transtorno de identificação pessoal (disforia de gênero), uma bonança social e motivo de lacração política; a mesma esquerda que via na tia do “zap zap” a propagadora do golpe de Estado e panfletária do fascismo; a esquerda que via no seu Nelson, barbeiro, o sinal visível da insurreição nazista, somente porque ele não votaria em Haddad; a esquerda que viu numa acusação sem o mínimo de comprovação, a verdade inconteste do caixa dois de Bolsonaro.

Se a hegemonia cultural à esquerda é teoria da conspiração, o Brasil estar sendo invadido por uma tomada política fascista e nazista é o quê? Verdade suprema? Enfim, acreditar em teoria da conspiração é fichinha, há quem acredite até na Folha.

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As posições expressas em artigos por nossos colunistas, revelam, a priori, as suas próprias crenças e opiniões; e não necessariamente as opiniões e crenças do Burke Instituto Conservador. Para conhecer as nossas opiniões se atente aos editoriais e vídeos institucionais

Pedro Henrique Alves

Pedro Henrique Alves

Filósofo, colunista do Instituto Liberal, colaborador do Jornal Gazeta do Povo, ensaísta e editor chefe do acervo de artigos do Burke Instituto Conservador.

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