Imagem: TV Globo

Onde estavam os artistas enquanto limpávamos a corrupção petista?

Eu faço parte daquela família de classe média que mantém certos hábitos que julgo ser, no mínimo, de mau gosto. Por exemplo, meus familiares ainda assistem Faustão. Numa das minhas andanças pela sala de estar da minha casa, percebo que está ocorrendo um discurso politizado em alguma premiação sem importância real para mim; era Fernanda Montenegro, a qual reconheci apenas por sua atuação como Nossa Senhora em Auto da Compadecida — um cheiro no saudoso Ariano Suassuna. A global fazia uma apologia quase que socrática em favor da casta de artistas; será justamente essa apologia que analisaremos adiante.

Em sua fala, dizia a distinta senhora, que a classe artística não era corrupta ou responsável pelas burlas dos políticos; afirmava ainda que eles não eram responsáveis pela corrupção na Lei Rouanet — tudo isso sem dizer então quem eram os responsáveis.

Justo… não sou daqueles que colocam todos num mesmo trem e manda para a Sibéria; o poder de distinção é tudo quando a prudência é uma virtude cultuada. Acredito piamente que boa parte dos artistas — para não ser roussoniano e dizer “a maior parte” — é honesta, e que se tivessem a oportunidade de se corromperem com algum dinheiro sujo, se oporiam à degeneração ao invés de mancharem as suas carreiras com tais seduções. No entanto, cara Fernanda Montenegro, nem todos são assim, acredite; se a corrupção entrou até mesmo no Éden, o que faz a senhora pensar que não entraria em seu clubinho sacrossanto?

Primeiro: nem tudo que é legal é também moral. Num país que ainda padece a falta de alimentos nas escolas, vacinas nos postos de saúde e professores dignamente remunerados, destinar milhões para financiamentos de artistas e instituições ricas — que não precisariam dos meios públicos —, como o caso da Claudia Leitte que captou 1,2 milhões de reais da Lei Rouanet, e os 14,7 milhões que o Instituto Itaú Cultural conseguiu em 2015; no mínimo tudo isso fede à devassidão moral.

E vamos parar por aqui, pois julgo os dois casos citados acima indecentes demais para um país que ainda luta contra a fome de crianças nos sertões. Por isso sequer citarei os 1,5 milhões para o filme da vida de José Dirceu; os 516 mil para a gravação do DVD de MC Guimê; os 1,3 milhões para um blog de poesia de Maria Bethânia; ou os 1,7 milhões para o teatro infantil da Peppa Pig.

Gastar milhões em supostas “culturas” — quem aqui não se lembra do Queermuseu —, abstendo as responsabilidades monetárias do Estado frente as urgências nacionais, é tão escandaloso quanto vergonhoso para aqueles que se utilizam de tal meio. Nem todos que dizem “Santo, Santo, herdarão o Reino dos céus”; da mesma forma, nem todos que não entram no chiqueiro da corrupção deixam de feder a porcos.

Há muitas formas de ser corrupto, uma delas é dando suporte aos corruptos; se é verdade que nem todos os artistas são desonestos e que há dignidade em viver da arte, também é verdade que grande parte dessa distinta casta apoiou ladrões, justamente os que afundaram o Brasil no maior esquema de corrupção da história. Aqueles que aplaudem ladrões também guardam sua parcela de culpa e responsabilidade, Fernanda; e não, isso não é demonizar artistas, isso é expor fatos.

Não raro, as artes feitas por tais profissionais, dizem denunciar injustiças sociais e destinar uma parcela dos espólios — recebidos aos milhões — para o combate à fome e à desigualdade social; entretanto, não há virtude alguma em receber milhões para dar esmolas, não há caridade em doar farelos que caem da mesa dos aristocratas. Ajudar instituições de caridade após captar do Estado milhões que, num Brasil menos corrupto, já deveriam ir direto para tais fins caritativos, não é nenhum franciscanismo louvável ou alguma espécie de altruísmo.

Não é bonito receber milhões a fim de fazer teatros e blogs, quando o Estado está falido — e advinha quem é que paga as dívidas desse mesmo Estado, cara pálida. Num país de 64 mil assassinatos ao ano e 13 milhões de desempregados, o que estamos precisando é financiar trupe de artistas e filmes de guerrilheiros? Num país que hospitais não têm macas e nem seringas, são as dignidades dos artistas globais que estão em risco?

E calma, sabemos que o dinheiro da Lei Rouanet vem de incentivos fiscais, e não propriamente de arcabouços públicos — ainda que no fim eles signifiquem as mesmas coisas. No entanto, verdade é que poderiam ser direcionados a hospitais, escolas e creches, por exemplo. No fundo, não há desculpas, a Lei Rouanet é um dinheiro que poderia ser mil vezes melhor aproveitado não fosse a sede dos governos em bajular aqueles que os afagam.

Pois bem, Fernanda Montenegro, como bom tomista que tento ser, eu reconheço sim a dignidade dos artistas, e sei que eles guardam as suas parcelas de importância. Mas no momento temos outras prioridades, estamos tentando sobreviver à violência, à negligência na saúde, à educação pífia e à corrupção sistemática que ainda avança; as lágrimas que ontem a senhora gastou no Faustão, eu as guardo para quando precisar de alguma cirurgia no SUS — afinal, não tenho convênio.

No adágio: “quem poupa lobos, sacrifica cordeiros”, há uma verdade cortante em relação à omissão e ao dever pátrio de denunciar e se indignar com as devassidões de nossos valores; pergunto então: onde estava a indignação dos artistas quando o povo saía nas ruas para tentar sanar a sangria feita pela quadrilha petista? Quando estávamos consertando as vigas que sustentam essa nação, não encontramos quase nenhum artista para laborar conosco. A omissão é uma forma de se posicionar, Fernanda; e quando precisávamos de vocês, vocês não estavam aqui. Há várias maneiras de ser corrupto…

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As posições expressas em artigos por nossos colunistas, revelam, a priori, as suas próprias crenças e opiniões; e não necessariamente as opiniões e crenças do Burke Instituto Conservador. Para conhecer as nossas opiniões se atente aos editoriais e vídeos institucionais

Pedro Henrique Alves

Pedro Henrique Alves

Filósofo, colunista do Instituto Liberal, colaborador do Jornal Gazeta do Povo, ensaísta e editor chefe do acervo de artigos do Burke Instituto Conservador.

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