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Ser conservador não é ser bolsonarista… pronto falei

Falar sobre o que é ser politicamente um conservador é algo um tanto quanto desconcertante para os próprios conservadores, já que o conservador não aceita planilhas de ações e nem manifestos definidores. Claro que podemos colocar as características de maneira mais generalizadas, como feito por mim ao Burke Instituto Conservador. Talvez a saída mais sensata seja nos espelharmos, sem idolatrarmos, homens que viveram os princípios conservadores de maneira mais adequada e encontrarmos nessas biografias os sulcos daquilo que investigamos, isto é: as silhuetas gerais do ser conservador.

Edmund Burke, considerado pelos grandes pensadores modernos o pai do conservadorismo político, tinha em sua vida de estadista a LIBERDADE como norte seguro de ação, e a INDEPENDÊNCIA como condição para ser um pensador político sem amarras. Ainda que quase análogas, a liberdade é um princípio que arregimenta os atos dos capazes, enquanto que a independência é a condição para que alguém pense de maneira autônoma — o modo mais seguro de se buscar a verdade. Enquanto o primeiro é condição para atuação, o segundo é requisito para pensar; Burke equilibrou de maneira magistral a sua atuação política com os seus princípios políticos, o mesmo podemos dizer de sua atuação civil com os seus valores pessoais.

Burke foi verdadeiramente um liberal-conservative — para aqueles que duvidam desse conceito —, um sujeitinho assanhado que não agradou whigs e nem torys, e, por vezes, agradava-os simultaneamente por sua maestria e perspicácia filosófica; em alguns momentos foi considerado um “liberal”, noutros um ferrenho “conservador”, sem nunca, todavia, se preocupar com tais placas políticas.

O mesmo homem que defendeu a dignidade dos irlandeses católicos e dos indianos marginalizados diante das atitudes predatórias dos ingleses, o mesmo que recebeu refugiados franceses em sua própria casa em Beconsfield após a revolta jacobina da Revolução francesa e serviu humildemente numa escola de bairro após a aposentadoria; foi o mesmíssimo homem que defendeu a transcendentalidade da sociedade como a chave mestra de compreensão do reto Contrato Social, o mesmo que defendeu que há sim senhor uma moralidade universal, o mesmo homem que de maneira contundente afirmava que a guerra aberta contra a França jacobina era o único remédio possível contra a devassidão civilizacional que significava aquela revolução.

No entanto, uma pergunta mais ousada surge ao pensarmos em Edmund Burke: o que fez Burke voltar ao debate político moderno, principalmente em meados da década de 1960 nos EUA?

Óbvio que o momento bélico da década de 1960 pedia um pensador menos fresco, mais contundente e capaz de dizer o óbvio ao invés de ficar preso a divagações abstratas, relativismos impraticáveis e teorias românticas piegas. Tudo isso propiciou o ressurgimento de Burke na modernidade americana e europeia; mas eu sinceramente creio que os seus trejeitos políticos desajustados diante das ideologias modernas tão calorosamente amadas, assim como o apreço pela autonomia de suas opiniões, foram as grandes causas de sua volta necromante à sociedade dos pensadores vivos. Os sábios sempre buscaram uma forma de voltar para consertar as cagadas da modernidade, foi a isso que Chesterton chamou, aliás, de “democracia dos mortos”.

Obviamente que ele recebeu os espólios de sua conduta desapaixonada e insubmissa, recusou cargos, perdeu outros, fora abandonado por outros mais; mas a honra — acredite, houve uma época em que isso importava — manteve-se intacta. No fim da trajetória, não precisou olhar de soslaio para os seus inimigos, encarava-os com os olhos erguidos, espinha ereta e brio cru.

Na época de Burke, ser conservador não era uma característica política, mas sim uma postura de vida, algo que transpunha a mera camada política e nascia da própria condição de existência do homem. Um conservador era aquele que prezava pela liberdade, por uma educação clássica de virtudes, pela beleza recebida das grandes mentes artísticas, em suma, era aquele que se preocupava com o resguardo das bonanças da civilização em todas as áreas, e não somente na política. O conservadorismo se tornou uma denominação política na França, após a queda de Napoleão Bonaparte, ou seja, após 1821; “conservador” passou a designar aqueles que viam na velha ordem social algumas instituições e valores necessários de serem preservados, no entanto, entendiam também que avançar era uma questão irrefreável e de certa maneira indispensável. Tudo isso, advogavam esses conservadores, sem o radicalismo acéfalo do jacobinismo; ou seja, os conservadores eram aqueles que, não sendo nem reacionário e nem progressistas, eram os naturalmente prudentes. Não à toa Russell Kirk chamou tal disposição conservadora de “arte da prudência”.

O que eu quero afirmar, após esta mini-explanação (não confunda com mensplaining) é o seguinte: tanto a disposição conservadora, quanto a disposição política de conservadorismo, nascem de uma noção basilar de independência de opinião e liberdade expressão; e justamente porque a disposição conservadora (fonte primária do conservadorismo político) não nasce e nem depende de aglomerados políticos, é o que faz dela um arranjo livre de amarras ideológicas. Ser conservador está mais ligado ao ato de preservar uma tradição familiar, do que seguir atas oficiais de estadistas; está mais ligado à moralidade de seus avós, do que às abstrações românticas dos amantes da humanidade — que rapidamente se tornam assassinos de indivíduos.

Desta forma, uma das coisas naturalmente abomináveis ao conservador é a idolatria do homem ou da humanidade, abstrações que não têm espinhas, carnes e nem almas; outra coisa impensável aos que apreciam a disposição de conservar, é o ato de se apoiar unilateralmente em pessoas ou partidos, os conservadores não têm manuais, não possuem diretores e nem deuses. Era simplesmente inimaginável a homens como Edmund Burke, Samuel Johnson, Alexis de Tocqueville, Russell Kirk, Roger Scruton, e tantos outros, terem políticos de estimação.

A mente conservadora se pauta basicamente em três hastes, a Lei Natural, aquela que impele à verdade de que, em linhas gerais, todos os seres humanos estão sob a égide de uma mesma norma moral geral e perceptível independente de raça, credo ou cultura. Costumes, a ideia de que há uma sabedoria na história, sabedoria que é feita através da evolução gradual dos erros e acertos humanos, gerando assim uma tradição moral lapidada pela experiência histórica. E, por último, uma Reação ao utopismo, ou seja, a ideia de que não vale tudo por uma ideia abstrata de evolução pautada tão somente em teorias e vontades de intelectuais, a evolução deve vir através de uma reforma prudente.

Nenhum desses três pilares filosóficos são dependentes de partidos, grupos ou de homens determinados; ainda que, é claro, todos possam efetivamente agregar e se tornarem notáveis nesse caminho; todavia, ainda assim, não são eles os objetos primários de consulta e sabedoria dos conservadores. Deste modo, um conservador ser bolsonaristas (um seguidor fiel e cego de Jair Bolsonaro), por exemplo, é impossível em seu sentido mais nevrálgico, já que o conservador não depende do Bolsonaro e nem deposita nele nenhum tipo de culto ou necessidade geral; muito menos o conservador faz de suas pautas uma eterna adequação retórica aos acertos e tropeços de um Presidente.

Um conservador atua sempre com independência, tanto para criticar, quanto para elogiar. Que elogiemos com efusão e verdadeiro empenho quando acertarem; que critiquemos com severidade e têmpora quando necessário for. Mas quando a balança pesa ad aeternum somente para um lado, abandonando-se a prudência em troca de um ataque desmedido, ou se entregando a um eterno bajular cego, neste instante deve-se fazer uma sincera autocrítica e considerar a possibilidade de que o seu suposto apreço ao pensamento conservador tenha se tornado um culto personalista.

Durante a história moderna, os conservadores se tornaram os melhores opinadores e analistas justamente por suas emancipações ideológicas, quem já leu Gustavo Corção, Paulo Francis, Nelson Rodrigues, entre outros, percebe-se neles não só as maestrias de escrita, mas também o compromisso com a liberdade de pensamento e crítica. Hoje muitos conservadores resolveram se esconder sob as asas de Bolsonaro, seus filhos e equipe, fazendo de suas línguas e dedos os instrumentos exclusivos de defesa do Presidente e agregados; torcem argumentos, recortam retóricas e esticam moralidades até que caibam todos os cacos dos compreensíveis tropeços do novo governo, blindando-os das críticas a fim não macularem seus deuses políticos. Se tornam os petistas à direita.

Outros, ainda, os criticam somente para receber a estrelinha dos isentões, escondem atrás do quadro de uma falsa independência e liberdade, seus ascos pessoais às opiniões de Bolsonaro e cia; montam os seus discursos não em verdades ou em mentiras, mas em pressupostos raivosos.

Que Deus me permita, assim como permitiu a Burke, sobreviver diante desta sociedade que, diuturnamente, encontram bezerros de ouro para os seus cultos personalistas bizarros; ou pior ainda, que Deus me permita sobreviver diante de uma sociedade que constrói bodes expiatórios para derramar seus venenos e frustrações subconscientes. Um conservador não é bolsonarista e nem anti-Bolsonaro, um conservador é apenas um indivíduo independente que pauta seus pensamentos pela verdade e pela realidade observada; as suas análises têm seus valores e a experiências como padrões, e não nenhum apreço massificado e pré-formatado por políticos e famosos.

Entre jacobinos egocentristas e reacionários idólatras, eu prefiro ser o comum leitor gordo, sentado na varanda de uma casinha qualquer em São Bento do Sapucaí, vislumbrando seus míseros três alqueires de terra e uma vaca; o típico homem comum de Chesterton, o mais natural dos conservadores.

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As posições expressas em artigos por nossos colunistas, revelam, a priori, as suas próprias crenças e opiniões; e não necessariamente as opiniões e crenças do Burke Instituto Conservador. Para conhecer as nossas opiniões se atente aos editoriais e vídeos institucionais

Pedro Henrique Alves

Pedro Henrique Alves

Filósofo, colunista do Instituto Liberal, colaborador do Jornal Gazeta do Povo, ensaísta e editor chefe do acervo de artigos do Burke Instituto Conservador.

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