Cavalo de Troia da Esquerda

Os cavalos de Troia da esquerda

Todos conhecem a história do “cavalo de troia” e sua moral pode ser resumida da seguinte maneira: certas coisas parecem um presente inocente, mas na verdade, quando se vai além da superfície das aparências, descobre-se que alguma surpresa desagradável fazia parte do pacote. Muita gente, principalmente nos meios autointitulados inteligentes, a saber, a academia, o jornalismo, a classe artística – o que convencionou-se chamar na América de “beautiful people”, adere a posicionamentos de esquerda crendo piamente que estão a defender a liberdade, um mundo mais igualitário, o respeito às minorias (e seus direitos) e toda sorte de platitudes que compõem a batuta do progressista moderno.

Desnecessário dizer que a sabedoria popular já nos prevenira contra esse tipo de postura, nos informando que “de boas intenções o inferno está cheio”. Mas quero conceder aqui um ponto: por mais que seja cada dia mais raro, a posição de “companheiro de viagem” pode ser ocupada por inocência; pelo menos algumas gentes acreditam de fato que estão a pelejar por um mundo mais justo ao, por exemplo, se dizerem “a favor do socialismo”. Não é de todo culpa delas. As bandeiras da esquerda são travestidas dessa superioridade moral justamente para angariar alguns incautos, engambelando-os o máximo de tempo possível por meio da vendagem de certos cavalos de troia ideológicos.

Ninguém há de negar que todos nós, pessoas com as faculdades mentais nos eixos, somos contra a miséria, contra a agressão de pessoas, gostamos de liberdade etc. Nenhum de nós acorda pela manhã projetando como irá sabotar as refeições diárias dos outros, o direito de ir e vir dos outros e coisas do tipo. Mas não são as intenções que movem o mundo, não é mesmo? São as ações práticas, com dinheiro, com alianças com o poderio político que movem o mundo. Isso posto, quero expor aqui alguns casos emblemáticos de cavalos de troia ideológicos vendidos pela esquerda: possuem uma aparência boa, atrativo a pessoas até de várias outas partes do espectro ideológico, mas que uma vez postos em prática, revelam algum outro lado. Pensemos aqui nos seguintes exemplos: o aborto, a redução da maioridade penal, o aquecimento global, o desarmamento e a militância organizada em prol do casamento gay.

Vimos muito recentemente o reaparecimento do acalorado debate em torno do aborto graças a uma epidemia de zika vírus, supostamente causador do nascimento de bebês com microcefalia. Há ainda a velha cantilena da defesa do aborto com base nos casos de estupro, que são absolutamente minoritários. Quem se sente confortável dizendo o que uma mulher recém-estuprada deve ou não deve fazer? Sempre que pessoas pró-vida revelam sua posição, imediatamente são perguntadas: “mas e em caso de risco de vida para a mãe?”[1], “e em casos de estupro?” ou bombardeadas com o clássico “para diminuir precisa legalizar”[2]. Tudo parece bem-intencionado e parece mostrar uma pura e genuína preocupação com o bem-estar das mulheres. Mas será que se as pessoas soubessem o que está para além da casca da militância pró-aborto elas adeririam à causa? Como revelou o primeiro ministro Luís Roberto Barroso, toda a argumentação por exemplo, em defesa do aborto de anecéfalos ou bebês com microcefalia se aplica ao aborto em qualquer ocasião[3]. As pessoas defendem uma coisa, mas na verdade tudo funciona como uma venda casada, você “contrata” um serviço e, “de brinde”, ganha um pacote completo de coisas pelas quais não pediu[4], não sabia que viriam e que certamente não são do seu agrado.

O mesmo padrão pode ser observado no debate acerca da redução da maioridade penal. Os proponentes da manutenção desta em 18 anos alegam defender os interesses dos jovenzinhos de 16 anos, contudo, a argumentação que usam: “cadeia não reeduca”, “as cadeias brasileiras estão cheias”, “punir não resolve” etc. se aplica a criminosos encarcerados de qualquer idade. A verdade é que a ideologia que faz a cabeça da maioria esmagadora das vozes estridentes contra uma eventual redução da maioridade penal é o chamado “abolicionismo penal”[5], uma doutrina que simplesmente exorta que o código penal inteiro seja abolido. Mesmo pessoas que por quaisquer razões sejam contra a redução, quando reforçam o coro dos militantes histéricos, sabem que estão jogando gasolina na brasa de uma marginalíssima e radicalíssima ideologia de extrema esquerda?

Já o aquecimento global é um dos meus exemplos favoritos. Pelos idos de 2008, quando cumpria meu último ano de ensino médio, a histeria em torno dele era gigantesca, o “documentário” de Al Gore estava a todo vapor e a iminência do tema compor questões e redações de vestibulares era grande. Hoje vemos que os vaticínios catastrofistas de Al Gore – que não deixavam para trás as profecias de certas seitas – falharam. Entretanto, as recentes atitudes do presidente da América Donald Trump ao sair do “Acordo de Paris” reacenderam com força total a discussão em suas bases mais histéricas e apocalípticas (o físico Stephen Hawking alegou que graças à atitude de Trump a Terra será tão quente quanto Vênus dentro de 30 anos[6]). Talvez esse exemplo seja o mais emblemático, pois é patente sua natureza político-econômica. O acordo reza que os EUA gastem bilhões ao longo de 100 anos financiando “energia verde” ao redor do globo, inclusive em economias concorrentes e altamente poluidoras como a Índia e a China (ao passo que estas nada gastam) sob a promessa de reduzir a temperatura global em 0,2ºC dentro desse prazo, isso caso todos os signatários (cerca de 200 países) cumpram espontaneamente suas partes no acordo. O rescaldo dessa loucura é uma fé imensa num acordo político que não irá cumprir o que promete à custa de muitas indústrias e, por consequência, de muitos empregos. Será isso que as pessoas comuns que se preocupam com o meio ambiente querem?

No que diz respeito ao desarmamento, o mesmo padrão é observado. Na frente o que vemos são ONGs alegando defender a paz (quem em sã consciência é contra a paz?), por trás o que temos é, além da mesma ideologia do abolicionismo penal (prender não resolve, usar armas também não), o desejo de cercear ainda mais as liberdades civis (as armas devem, portanto, na cabeça dessa gente, pertencer a alguma elite iluminada por sabedoria inacessível aos mortais), o apelo à desmilitarização da polícia e, muitas vezes, o desejo despudorado que apenas bandidos possuam armas (visto que estes jamais cumprirão qualquer lei desarmamentista, por mais rigorosa que seja). As pessoas pensam que estão comprando a paz, mas quando abrem o pacote encontram uma política de “segurança” da esquerda progressista.

E por fim, o santo graal da militância de esquerda contemporânea: o casamento gay. As pessoas julgam estar a defender os direitos individuais e civis das pessoas. Ledo engano, pelo menos se observarmos quem são os paladinos da defesa do casamento gay. Para estes a questão passa muito longe do respeito aos direitos individuais, mas se trata sim, da supressão de liberdades. O exemplo americano é, mais uma vez, útil ao esclarecimento: regularmente donos de docerias na América são processados, acusados de homofóbicos e possuem suas reputações assassinadas por se recusarem a fazer bolos para celebrações homossexuais. Qual seria a reação do indivíduo preocupado com direitos individuais diante da ocasião? Respeitar o direito individual de simplesmente não prestar serviço e procurar quem queira. Contudo, além dos assassinatos de reputação, os militantes desejam fazer uso do monopólio de força do Estado para obrigar tais pessoas a executar trabalho a contragosto. Boa parte das pessoas quer respeito aos direitos individuais, quase ninguém quer fazê-lo contando com o braço armado do Estado (não dá pra forçar as pessoas a serem livres). Eis mais um cavalo de troia ideológico que enfrentamos e precisamos desmascarar no debate público.

Outros exemplos poderiam ser dados: o feminismo, onde as mulheres são impelidas a comprar direitos iguais, mas acabam levando junto a misandria ou na sutil mudança de status da pedofilia de doença psicológica para (sic) “comportamento sexual”. O que precisa ser ressaltado é que as bandeiras aqui mencionadas funcionam como cavalos de troia e como navio quebra-gelo[7]; é pintar tudo de rosa, é o velho lobo na pele de cordeiro. Eles introduzem a questão com uma roupagem e, uma vez dentro, a aberrante nudez das verdadeiras intenções é exposta. Disso segue que é urgente, no mínimo, alertar a todos que desejam aderir a certas posições para frequentarem os círculos falantes que estão comprando gato por lebre e, nesse caso, depois não será mais possível dizer que nada sabiam.

Referências:

[1] O que nos últimos tempos, de forma sub-reptícia, virou “risco à saúde da mulher”.

[2] O aborto na Suécia – esse laboratório-paraíso do progressismo – foi legalizado em 1939 (439 abortos) e desde o ano de 1974 o número de abortos no país está estacionado na casa dos 30.000 e em 2015 beirou os 40.000: http://www.johnstonsarchive.net/policy/abortion/ab-sweden.html.

[3] https://oglobo.globo.com/brasil/e-preciso-uma-revolucao-no-modo-como-supremo-atua-diz-ministro-luis-roberto-barroso-10669190

[4] A coisa pode chegar até o nível do “aborto pós-parto”: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/pratica-do-aborto-pos-nascimento-ganha-defensores-no-meio-academico-egsrbjqxywkrxj05zgb7aiy4u

[5] http://justificando.cartacapital.com.br/2017/01/19/precisamos-conversar-sobre-abolicionismo-penal/

[6] https://actualidad.rt.com/actualidad/244015-stephen-hawking-criticas-tierra-venus

[7] Um outro excelente exemplo disso é como a esquerda americana tomou para si a palavra “liberal”. O comunismo e o socialismo nunca foram peixes na mesa do americano comum. Apresentados com essa nomenclatura jamais fariam negócio pelos lados da América. O que fizeram? Transformaram os socialistas e comunistas em “liberais”.

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As posições expressas em artigos por nossos colunistas, revelam, a priori, as suas próprias crenças e opiniões; e não necessariamente as opiniões e crenças do Burke Instituto Conservador. Para conhecer as nossas opiniões se atente aos editoriais e vídeos institucionais

André Assi Barreto

André Assi Barreto

Bacharel, licenciado e mestre em filosofia pela Universidade de São Paulo. Licenciado em História. Professor de Filosofia e História das redes pública e privada da cidade de São Paulo. Pesquisador da área de Filosofia (Filosofia Moderna - Dercartes, Hume e Kant - e Filosofia Contemporânea - Eric Voegelin e Hannah Arendt) e aluno do professor Olavo de Carvalho. Trabalha, ainda, com a revisão de textos, assessoria editorial, tradução e palestras. Coautor de “Saul Alinsky e a anatomia do mal” (ed. Armada, 2018).

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