Imagem: Reprodução

Por que precisamos de Jordan Peterson?

Tive o privilegio de conhecer o psicólogo canadense Jordan Peterson pouco antes de ele se tornar mundialmente conhecido (escrevi meu primeiro post sobre ele em meu blog pessoal em fevereiro de 2017). Foi antes da controvérsia em torno do projeto de lei C-16 se tornar fato notório, mas já após o posicionamento corajoso de Peterson com relação à lei, que pretende não punir quem usar linguagem “imprópria” (o que já seria bastante discutível), mas aqueles que se negarem a usar pronomes inventados (ou uso alternativo dos já existentes) para se referir a pessoas de gêneros diversos (“zir”, “zur”, “them” etc.), fazendo uma demanda positiva pelo uso de uma linguagem “correta”. Assisti a todos os seus vídeos com debates, entrevistas e palestras disponíveis até então. Chamei-o, imediatamente, de herói da liberdade de expressão. Confesso que pensei que a coisa pararia por aí, que Peterson seria mais um “polemista” das redes sociais (ala Milo Yiannopoulos), indispensáveis nos tempos de hoje para defender a liberdade de expressão, mas não muito mais que isso. Ledo engano.

Não farei aqui um resumo do pensamento de Peterson (sugiro, para esta finalidade, o texto Quem é Jordan B. Peterson), mas uma exposição de algumas razões pelas quais devemos prestar atenção nele, sermos entusiastas de seu trabalho e por que precisamos de alguém exatamente como ele para o exato momento em que vivemos.

 

1 – Peterson tem uma profundidade científica notável

Ao contrário do que gostariam de dizer seus detratores, Peterson tem um currículo exemplar. Tem mais de 100 artigos acadêmicos publicados como autor ou coautor em periódicos científicos de prestigio (artigos revisados por pares), que somam mais de 10.000 citações, números que o colocam entre os 100 cientistas sociais mais influentes do mundo. Foi professor assistente e associado de Harvard e é professor titular da Universidade de Toronto, cujo departamento de psicologia está entre os cinco mais importantes do mundo; também tem décadas de experiência clinica.

Que seus detratores exijam excelência acadêmica é um mistério, pois são os mesmos que propõem o relativismo cognitivo radical, o multiculturalismo galopante e que usualmente defendem a “vivência” como critério epistêmico superior – coisas para as quais um currículo amplo está mais para signo de opressão, academicismo e cientificismo que mérito.

Tudo não passa de burla e destaco por que isso é particularmente importante para conservadores brasileiros e leitores e alunos do professor Olavo de Carvalho. Há décadas o professor fala sobre o famigerado “marxismo cultural” (confiram dois exemplos práticos não tão evidentes do fenômeno) e sobre uma simbiose satânica entre marxistas e pós-modernos como paladinos da revolução por meio da corrosão da civilização ocidental (tema novamente em alta graças à nomeação de Ernesto Araújo para o Ministério das Relações Exteriores). E que as academias de humanas, progenitoras das classes falantes, estão tomadas pelo imbecil coletivo, ou seja, por esses tipos. Essa é, basicamente, também uma das mensagens que Peterson tem tão eloquentemente defendido publicamente. A credencial acadêmica ou a ausência dela é mero pretexto para detratar o falante, em clara ad hominem, e não preocupação em estabelecer a verdade.

Os detratores do professor Olavo devem arrancar os cabelos ao ouvir Peterson. Construíram por anos uma narrativa para deslegitimá-lo com base no fato de não ter se submetido às sandices acadêmicas. Agora, desde 2017, veem um acadêmico renomado, provavelmente com mais credenciais que todos os seus professores queridos juntos, dizendo tudo o que ele nos diz há bons pares de anos.

 

2 – Autoajuda com porrada

Peterson classifica seu livro mais recente, 12 Regras para a vida: um antídoto para o caos, como um livro de autoajuda. Porém, quem está habituado a leituras do gênero, sabe que o livro se desvia muito do lugar comum do gênero tanto pela variedade de temas como pela dureza da mensagem: não é possível ser feliz o tempo todo e talvez isso sequer seja desejável, a vida inclui uma larga margem de caos e dureza e não é possível se desvencilhar disso o tempo todo, apenas lidar melhor com as situações caso a caso.

Muitos acusam Peterson de ter uma plateia exclusivamente formada por “homens brancos e irritados”, normalmente entre os 20-30 anos. O próprio Peterson sugere que seu público hoje é formado aproximadamente por 65% de homens e 35% de mulheres (estimativas que mostram um 60/40 são razoáveis), embora no Youtube, uma rede social proeminentemente masculina, o sucesso, por corolário, seja maior com homens. A acusação, evidentemente, pretende sugerir que Peterson é proponente de um etnoestado branco e adepto da alt-right, hipótese já desbancada.

O que quero destacar aqui é que a atratividade da mensagem de Peterson para homens em geral está diretamente atrelada ao fato de ele também desmascarar com maestria uma das tantas teorias da conspiração feministas, de que o Ocidente foi e é formado por um patriarcado tirânico (por consequência, com todas suas instituições sendo dominadas por homens autoritários).

Para Peterson, a natureza é hierárquica e também as sociedades. Há gentes que gostam de incluir a “crença em hierarquias naturais” como traço distintivo do pensamento conservador e/ou de direita (assunto para outro texto). Fato é que, esse dado da realidade, quanto transportado para a convivência social, é interpretado pela mitologia marxista como evidência de opressão, pois a condição desejável da vida humana em sociedade, supostamente, é o igualitarismo absoluto (télos do comunismo). Contudo, como mostra Peterson, e não a partir da extrapolação impossível de um experimento mental como o “bom selvagem” de Rousseau, mas das evidências oriundas da história evolutiva das espécies e da psicologia evolutiva do homem, as hierarquias não são resultado da opressão, mas da competência. Lagostas dominantes não se tornam dominantes porque oprimem as fraquinhas, mas porque conquistam sua posição.

Estamos tão envenenados pela teoria do patriarcado tirânico que já por duas ou três gerações meninos têm sido ensinados que demonstrar qualquer signo do que tradicionalmente se considerou “masculinidade” é motivo de vergonha e confirmação dessa teoria. Instintivamente cientes da absurdidade disso, muitos garotos, rapazes e homens de meia idade encontraram em Peterson o fundamento que precisavam para concluir que vêm sendo enganados.

 

3 – Crise da masculinidade

Na esteira do ponto anterior, é fato notório que a masculinidade está em crise. Com a ascensão do feminismo tóxico, o discurso oficial dos detentores da narrativa pública julga qualquer demonstração do que tradicionalmente se considerou um dia virtudes masculinas como demonstração de opressão. Meninos são inculcados desde tenra idade a crer que demonstrações públicas de masculinidade são pecados civis mortais, tendo isso ensinado desde a escola. Um panorama desse problema foi delineado pelo âncora Tucker Carlson em seu programa, com participação de Peterson.

Mais uma vez Peterson traz o debate tópico que o prof. Olavo de Carvalho já alertava há pelo menos uma década: homens vêm sendo recorrentemente ensinados a ser fracos, tímidos e efeminados. Não surpreende que meninos venham apresentando resultados escolares cada vez piores e que, também para contrariar a narrativa conspiratória do patriarcado tirânico dominador, homens estejam com performances cada vez piores nas universidades.

Mas o diferencial de Peterson não está no diagnóstico, já feito também pela feminista da segunda onda Christina Hoff Summers em The War Against Boys: How Misguided Feminism is Harming Our Young Men há alguns anos. O ponto, digno de nota e louvor, é que Peterson está oferecendo uma mensagem, ainda que genérica, positiva e de aplicabilidade instantânea, para jovens rapazes em tempos de guerra total, aberta e frontal contra a masculinidade (que podem ser estendidas e tomadas por mulheres também), o que fez com que o próprio Ocidente enquanto civilização perdesse sua “fé” na masculinidade.

Homens não são tiranos belicistas proto-estupradores desde o nascimento, homens são seres de responsabilidade, coragem, ação e força e, segundo Peterson, podem e devem agir como tal sem embaraço público por isso. A mensagem de Peterson para homens, particularmente rapazes – que se tudo der certo levarão essa mensagem adiante pelo resto de suas vidas e transmitirão às suas próximas gerações é: assumam o fardo do mundo com responsabilidade (e conquistem o respeito merecido por isso!), com o peito para frente e os ombros para trás. Não deveria ser motivo de espanto seu sucesso numa era em que os homens foram ensinados a se comportar como coelhos encurralados num buraco que devem oferecer a jugular para seu algoz.

 

4 – Peterson não é conservador

Isso pode assustar os desavisados, mas é verdade. Peterson pode ser considerado um conservador apenas na mesma medida em que qualquer outro biólogo ou psicólogo evolutivo é conservador por afirmar que existe um lastro biológico no gênero de seres humanos. E eu, enquanto conservador, não vejo problema algum nisso.

Como tenho afirmado recorrentemente nas minhas redes sociais, o debate se tornou obtuso num nível tão colossal que não se trata mais de disputa ideológica entre conservadorismo versus progressismo, esquerda versus direita ou capitalismo versus socialismo, mas simplesmente de bom senso e realidade versus fantasia histérica. Os adeptos das teorias conspiratórias sobre patriarcado ou gênero estão simplesmente jogando o bom senso no colo dos conservadores, daí que todos que defendam o bom senso sejam conservadores é um salto grande demais para ser dado de uma só vez.

Peterson já se definiu como liberal clássico (como muitos da “Intellectual Dark Web”, movimento variado de intelectuais americanos e europeus que desertaram da classe falante e que inclui figuras de matizes ideológicas variadas como Ben Shapiro, Dave Rubin, Sam Harris, Bret Weinstein, Joe Rogan e outros). Se, como efeito colateral político, as ideias de Peterson jogam água no moinho de conservadores e areia no moinho de progressistas, isso é uma outra questão e o próprio Peterson já se mostrou desconfortável com o fato de que, em entrevistas, as discussões que trava sempre serem conduzidas ao debate político.

Guardadas todas as devidas ressalvas sobre o tema se o conservadorismo deve ser considerado uma “ideologia” (no sentido kirkeano de uma cosmovisão que tem um plano de mundo perfeito completo a oferecer) ou não, Peterson está longe de poder ser considerado um “ideólogo conservador”, como certamente seus detratores querem caracterizá-lo. Peterson é um intelectual cujas ideias estão atinadas com a ciência contemporânea de sua área de atuação e não é “ideólogo” do conservadorismo na mesma medida que filósofos como Hannah Arendt ou Eric Voegelin não o são, a despeito de suas ideias estarem mais em harmonia com o conservadorismo que com o “progressismo”.

Tudo isso precisa ser esclarecido nos tempos atuais e os tempos atuais precisam de Jordan Peterson. Deixo aqui uma excelente entrevista, dada recentemente por Peterson (onde também é bombardeado com as mesmas perguntas de sempre – sobre sua plateia ser excessivamente masculina etc.), mas também onde o psicólogo canadense fica nitidamente emocionado ao relatar o feedback que tem recebido de milhares de pessoas sobre a ajuda que tem dado a elas por dizer o que está dizendo nesses tempos tão sombrios:

 

E também um vídeo onde ele, classicamente, deixa uma feminista em maus lençóis por sequer ser capaz de definir “masculinidade tóxica” e vai às lágrimas por relatar o mesmo feedback positivo:

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André Assi Barreto

André Assi Barreto

Bacharel, licenciado e mestre em filosofia pela Universidade de São Paulo. Licenciado em História. Professor de Filosofia e História das redes pública e privada da cidade de São Paulo. Pesquisador da área de Filosofia (Filosofia Moderna - Dercartes, Hume e Kant - e Filosofia Contemporânea - Eric Voegelin e Hannah Arendt) e aluno do professor Olavo de Carvalho. Trabalha, ainda, com a revisão de textos, assessoria editorial, tradução e palestras. Coautor de “Saul Alinsky e a anatomia do mal” (ed. Armada, 2018).

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