Um palhaço sem máscara

Prudência, sensatez ou bom senso, mesmo que possam apresentar diferenças filosóficas pertinentes, não guardam grandes distinções na linguagem popular. Para o senso comum, qualquer um daqueles termos têm o seu equivalente em certa ponderação de atitudes a serem tomadas diante de ações ou acontecimentos que se apresentam perante nossos olhos.

Na exemplificação mais comum, é prudente pegar seu filho pequeno no colo quando um Rottweiler cruza seu caminho em uma calçada. O mesmo não poderia ser dito caso um Yorkshire Terrier esteja ao seu lado, afinal, por mais que exista algum estranhamento entre os pequenos, provavelmente o pequeno humano seja infinitamente maior e muito capaz de suportar o “susto” provocado pelo cãozinho.

Reparem que a lição de prudência não apresenta uma fórmula mágica: ela depende dos agentes envolvidos e do contexto. E isso não é nenhuma novidade para a história da Filosofia, afinal, Aristóteles e Tomás de Aquino já ofertaram sábias lições em tempos bastante longínquos da nossa realidade.

Além disso, o excesso de prudência não é algo desejável, assim como a sua falta. No caso da situação descrita, arriscar a saúde física de seu filho pequeno não lhe ofertando proteção e distanciamento de um cão de grande porte e força, não é prova de bravura: é a mais simples idiotice, haja vista a “loteria” que pode ser antever um ataque de seres que tendem a agir em silêncio diante de possíveis ameaças a seus donos (na linguagem politicamente correta contemporânea, agora é “tutor”) ou ao seu território. Por outro lado, afastar a criança de um cão de raça dócil ou que tem baixa capacidade de dano pelo receio de algum arranhão ou porque o seu filho ainda não está acostumado com cachorros, significa imaginar uma existência física pasteurizada, algo que não contribui para um amadurecimento humano.

Essa ideia de uma ponderação sensata que possa avaliar possíveis consequências e que tem a capacidade de julgar qual atitude deve ser tomada, sem esquecer dos princípios civilizatórios básicos dos seres humanos, pode ser aplicada a inúmeros exemplos. Assim, age com bom senso aquele que dirige de forma tranquila nas ruas de uma cidade. Da mesma forma, é bastante sensato chamar a polícia quando se presencia um assalto. No entanto, se uma pessoa está infartando dentro de um veículo ou se uma pessoa absolutamente indefesa está encurralada por um criminoso, atitudes que possam resolver a situação, como dirigir de forma veloz para um hospital ou entrar em luta contra um delinquente, podem ser igualmente compreendidas como atos de bom senso.

Logo, não é um exagero afirmar que a prudência é a autocrítica que antevê as consequências. Nem constitui abuso dizer que a sensatez é a capacidade de racionalizar os impulsos (se isso for possível) ou que o bom senso é a avaliação das experiências humanas pelas próprias experiências. O ponto é que sem a possibilidade de racionalizarmos ações adequadas, dificilmente teremos ações exitosas. Mesmo que em frações de segundo, a tomada de decisão precisa de um processo mínimo de reflexão. Com tempo hábil, diante de um contexto, pode haver uma facilidade maior para que a decisão correta possa ser elaborada, o que não exclui a complexidade de tal empreitada.

Em tempos de pandemia, esse assunto surge com razoável proeminência. Um fato inegável é que o novo coronavírus é de fácil propagação. E neste ponto sequer será levantada a situação que envolve os grupos que possuem maior risco, taxa de mortalidade, possíveis sequelas, vacinas que foram “elaboradas” de última hora ou se este vírus merece todo o alarme que determinados governos fizeram. Se o conservadorismo deve ter prudência, este conceito deve ser para todos os momentos, desde que não cause imobilidade. O fato é que o vírus se espalha facilmente pela sociedade. Bem, diante disso, e na medida em que as reuniões de indivíduos em ambientes fechados apresentam as maiores probabilidades para que o vírus se difunda, é sensato fazer algum tipo de aglomeração? É sábio, prudente ou de bom senso não respeitar certo distanciamento social?

Aqueles que se incomodam com estas perguntas, ao ponto de proferirem alguns impropérios contra quem as levanta, não está apto para um debate de ideias. Muito menos para defender a prudência. E se, além disso, extrai consequências do tipo “então, este texto está defendendo o lockdown!”, comete dois erros: julga previamente o autor deste ensaio sem conhecer suas ideias e está com capacidade de intepretação similar a maioria dos brasileiros (e isso não é um elogio!), não sendo nem um pouco prudente.

Portanto, saber que existe uma guerra política por trás do coronavírus é tão sensato quanto abstrair-se dessa guerra. Buscar incoerências nos decretos municipais e estaduais que dilaceraram a economia, classificando alguns serviços como não essenciais, restringindo a livre circulação de pessoas e riquezas e perseguindo indivíduos pelo não uso das famigeradas máscaras, é algo válido e justo, por mais que o mainstream repita ad nauseam, do conforto de suas mansões, que o correto é paralisar a vida humana porque a “economia a gente vê depois”. Verificar que em uma cidade o distanciamento social para evitar a Covid-19 é de 1,5 metros e em outra é de 2 metros, só mostra como as falhas “científicas” são evidentes. Buscar analisar e questionar por que em uma localidade os ônibus podem funcionar com uma capacidade máxima de 75% e em outras de 50%, é algo prudente. Tanto quanto ter receios de que aglomerações podem infectar pessoas.

Na mesma medida, é imperioso questionar se as máscaras e álcool em gel funcionam para a proteção das pessoas. E isso não pode ter seu equivalente no destrutivo carimbo de “negacionista”. Aliás, não existe maior negacionismo do que negar as dúvidas da própria ciência. Ciência essa que tem suas bases filosóficas calcadas em incertezas para que em algum momento consiga produzir alguma certeza.

Desde o começo da pandemia descobri que odeio máscaras. Também não gosto de pessoas mascaradas. E isso faz com que alguns dissabores interpessoais sejam experimentados, afinal, boa parte dos indivíduos usam “máscaras sociais” como forma de vivenciar uma personagem que não corresponde a sua essência. Assim como jogadores de futebol “mascarados”, atletas que acham que são melhores do que suas pernas permitem ou são fingidos, não faltam seres humanos que incorporam esse conceito. Talvez essa seja uma razão pela qual o apelo à ideia de uma máscara para proteger alguém da Covid-19 tenha obtido tanto apelo popular. Ou seja, a máscara contra o coronavírus é mais uma forma de esconderijo individual que potencializa a máscara interior que boa parte das pessoas possui.

A adesão a este “adereço” contemporâneo não tem uma fonte exclusiva no medo. Essa atitude também está enquadrada na percepção moral que o sujeito tem de seu ser: com a máscara contra a Covid-19, tem-se mais uma forma de enclausuramento social que aumenta a invisibilidade das ações humanas.

Mas isso tudo não passa de uma grande especulação psicológica empírica sem base teórica alguma. O fato é que as máscaras me incomodam. Aliada a percepção de que o poder estatal não pode me obrigar a usar uma “proteção” que não apresenta consenso científico e que não garante resultado algum (lembrando que as vacinas, até o momento, apresentam a mesma lógica), máscaras soam como focinheiras. Sem falar que tal restrição bocal e nasal não deveria fazer parte de seres humanos…

Bem, sempre é bom observar essa realidade em minha cidade. Localizada no interior do Rio Grande do Sul, Bagé tem cerca de 120 mil habitantes. No centro da cidade, é possível afirmar que em uma rápida observação, 10 a cada 10 pessoas usam máscaras. Com aquela margem de erro típica de institutos de pesquisas sérios, vez que outra será visualizado algum “criminoso” desalmado sem o seu “escafandro”. E, em alguns momentos, tais indivíduos são representados por mim e pelo meu filho, Joaquim, que adora passeios em horários movimentados.

Com cerca de 2 anos e 5 meses de idade, as suas saídas guardam a inocência da idade. Apesar de observar pessoas com máscaras, ele sequer desconfia das razões que produzem tal atitude. Como sou adulto, um potencial propagador de vírus de toda espécie, carrego a máscara em um bolso caso resolva entrar em uma loja ou supermercado. Nestas duas situações, meu filho sempre foi bem recebido e nunca foi obrigado a usar máscara, com exceção de duas vezes.

Na primeira delas, fomos comprar um caminhão de brinquedo. Exposto na vitrine, o grande caminhão chamou a atenção de meu filho. Conversamos e tomamos o impulso de entrar na loja. Coloquei minha máscara e o funcionário questionou: “Qual a idade de seu filho?”. Respondi que tinha 2 anos e 2 meses, ao passo que obtive a seguinte resposta: “Ele já está na idade de colocar máscara. Para entrar na loja, somente de máscara”. Fiquei surpreso, afinal, em supermercados e outras infindáveis lojas isso nunca fora exigido ou sequer cogitado.

De imediato disse que ele não colocaria a máscara, mas que não deixaria de comprar o brinquedo. Ofereci meu cartão bancário para que este funcionário levasse até o caixa; disse que lhe daria a senha e apontei o caminhão que desejava. Ele se recusou a fazer a compra. Logo imaginei que esse sujeito era daqueles que “a economia a gente vê depois”. Falei algumas vezes, de maneira “prudente”, que aquela situação era uma palhaçada, haja vista a inexigência de máscaras para meu filho em quase todos os outros estabelecimentos comerciais de Bagé. Acabei solicitando a uma vendedora que procedesse a compra. Prontamente ela atendeu ao pedido e acabou permitindo o meu ingresso na loja (com meu filho), mencionando o quão difícil seria colocar máscaras em todas as crianças naquela idade.

Em outro momento, minha esposa foi a um Centro de Formação de Condutores (CFC) resolver algumas situações burocráticas. Um senhor na porta permitiu seu ingresso, mas no exato momento em que fui passar com o meu filho, ele disse: “Seu filho tem quantos anos?”. Respondi que tinha 2 anos e 5 meses. Mais uma vez ouvi a frase fatídica: “Ele está em idade de usar máscara”. Poderia ter retrucado que aquele senhor estava em idade de ficar contando carneirinhos diante de uma lareira ou de calar a boca, mas optei pelo silêncio. Ele acrescentou: “E, também, não é permitida a entrada de acompanhantes”. Bom, se é essa a regra, por qual razão o primeiro questionamento? Seria uma lição moral para um pai irresponsável? Será que ele estava ameaçando chamar o Conselho Tutelar?

Refleti rapidamente sobre os serviços prestados pelo CFC. O principal deles envolve a instrução prática no trânsito da cidade. Em todas as ocasiões que vi alunos dirigindo os carros ao lado de instrutores, por qual razão não foi exigido distanciamento social? E a substituição de alunos e instrutores em um mesmo veículo, permite uma higienização que elimina 100% a possibilidade de vírus no interior do carro para os próximos ocupantes? O carro, com os vidros fechados e com ar-condicionado ligado (ou em um dia de chuva), é um ambiente “aberto” que evita a disseminação do vírus? Ao invés de questionar tudo isso, preferi repetir algumas vezes que isso era uma palhaçada e que o serviço de aulas práticas deles não guardava distanciamento social algum. O senhor nada disse e só ficou me observando. Optei por dar uma volta na quadra com meu filho, ambos sem máscara.

Quando passei novamente em frente ao CFC, minha esposa se encontrava dentro do estabelecimento, mas na porta havia uma funcionária que estava substituindo aquele senhor. Extremamente gentil e alegre, disse para meu filho que a sua mãe já iria sair. Pelo visto, ela havia presenciado a situação anteriormente descrita. Entre algumas conversas sobre exageros de conduta na pandemia, ela perguntou ao Joaquim se ele desejava ir ver sua mãe. Ele prontamente disse que sim e ela permitiu sua passagem. Meu filho foi, abraçou minha esposa e voltou para meus braços.

Dois homens, duas idiotices. Duas mulheres, dois atos de bom senso. No dia 14/05/2021, o jornal inglês The Telegraph noticiou que cientistas pertencentes a um grupo responsável pelo assessoramento governamental do Reino Unido, admitiram que usar o medo para controlar o comportamento das pessoas foi absolutamente “totalitário”. Gavin Morgan, um psicólogo da equipe, disse claramente que “usar o medo como meio de controle não é ético. Usar o medo cheira como totalitarismo. Não é uma postura ética para nenhum governo moderno”. Outro membro declarou que essa estratégia do medo acabou realizando um “controle mental” nas pessoas e que “foi um experimento estranho”. Mas quem vai acessar o site do The Telegraph para ler essa notícia? E a grande mídia brasileira, não teria obrigação de noticiar essa informação relevante?

Por prudência evito aglomerações. Por sensatez, só me aproximo sem restrições da minha esposa e de meu filho. Por bom senso, compreendo que algumas reuniões sociais podem esperar um pouco para acontecerem.

Todavia, de forma razoável, não uso máscaras em locais abertos. De forma moderada, até compreendo que o medo é parte integrante de mentalidades que vivem vidas acovardadas. De forma racional, até entendo a idolatria por governos totalitários que prometem salvar vidas com “escafandros” e líquidos pastosos denominados de álcool em gel. De forma absolutamente serena, compreendo que para as pessoas presentes no grande circo pós-moderno a falta de máscara é o que diferencia o palhaço do respeitável público.

Gostou desse artigo? Apoie o trabalho do Burke Instituto Conservador virando um assinante da nossa plataforma de cursos online.

As posições expressas em artigos por nossos colunistas, revelam, a priori, as suas próprias crenças e opiniões; e não necessariamente as opiniões e crenças do Burke Instituto Conservador. Para conhecer as nossas opiniões se atente aos editoriais e vídeos institucionais

João L. Roschildt

João L. Roschildt

Professor do curso de Direito do Centro Universitário da Região da Campanha (Urcamp). Além de articulista e ensaísta, é autor de “A grama era verde”. Site: www.joaoroschildt.com.br

Compartilhe

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp
Compartilhar no email
Email

Comentários

Relacionados