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Urge ter paciência

Uma observação rápida das reações às nomeações ministeriais do novo governo nos indica o tamanho do rombo entre as expectativas e a realidade. Na prática, isso indica expectativas represadas, mas não para aí. O problema disso serão as consequências.

Acho que entendo; não aceito lá muito bem, mas entendo: massacrados por décadas de governos mega-corruptos, com ministros ruins, incompetentes e nomeados por filiação partidária ou orientação globalista específica (leia-se, p. ex., Paulo Renato, nos dois governos FHC ou o horripilante Fernando Haddad no governo lula ou ainda, para não nos determos em detalhes, praticamente todo o ministério dos governos dilma), criaturas orientadas por critérios que não atendiam a interesses nacionais, mas ideológicos, ou simplesmente cúmplices da farra desenfreada, muita gente esperava do novo governo um quadro puro-sangue.

Sem entrar no mérito de qual nomeação estou falando (na verdade, quase todas), alguns nem pensaram nisso, outros nem sequer aceitam o fato, mas não se fazem transições secas nem se atinge um estágio mais evoluído como nação com imediatismo; é preciso tempo, paciência e cooperação. Tampouco se dão conta que é a orientação geral do governo que conta, acima da orientação do sujeito em questão.

Dos ofendidos com a escolha deste ou daquele aos que já proclamam que nunca confiaram neste ou naquele dos recém-nomeados, temos de tudo. Acusações de dirigismo de eminências pardas, de projetos de poder paralelos e até nomes aberta e historicamente identificados com o que podemos chamar de “direita” ou apenas “anti-esquerda” acusados de agentes esquerdistas infiltrados e teorias de conspiração (essas são lindas; estou esperando alguém dizer que Bolsonaro é reptiliano), abundam no maremoto de inconformismo. A impressão é que para esse pessoal, determinado ministro – ou mesmo o próprio governo – nunca vai ser conservador o suficiente. Contra Olavo de Carvalho alguns já declararam guerra. Ora, Olavo é o maior responsável pelo renascimento do pensamento conservador brasileiro, escreveu milhares de páginas e ministra cursos que por si sós provam isso, mas agora ele é o inimigo.

Sintomaticamente, comemoração por atos francamente positivos, como o de reduzir drasticamente o número de ministérios, de pela primeira vez nomear um ministro mais próximo da Escola Austríaca de Economia que todos os seus antecessores, em vez dos simplesmente keynesianos, de manifestar real interesse em limpar o sistema de ensino de crianças da nefasta “ideologia de gênero”, de mudar a embaixada em Israel para Jerusalém, de nos aproximar dos realmente importantes e nos afastar de ditaduras, de investir em segurança, de prestigiar as polícias e as Forças Armadas, de tomar a iniciativa para encerrar o programa “Mais Médicos”, entre tantas outras, nunca vi. Ainda que só isso já dê o tom do novo governo, parece ignorado por esses grupos radicais que vaticinam o fracasso antes mesmo de o novo governo existir. Oposição agressiva interna antes de o governo sequer começar, pelo menos a mim, parece no mínimo estranho, quando não suspeito. São os que torcem para o país dar errado para poderem provar que eles é que estavam certos. Não parecem tão bem-intencionados assim, parecem?

Queria só lembrar que:

1- Se os profetas do caos sabem quais são as pressões que sofre o Bolsonaro para esta ou aquela nomeação, eu não sei e imagino que a imensa maioria também não saiba. Muito menos quais seus objetivos com elas; apenas podemos conjecturar, coisa que não faz o menor sentido;

2- Mudanças radicais de um governo para outro, nós só vemos nas revoluções – em democracias isso não acontece. E vamos deixar claro que existem diferenças substanciais entre mudanças “radicais” e mudanças “drásticas” – é isso o que tudo indica que vamos experimentar;

3- O governo nem começou e já há uma saraivada de críticas: desse jeito não vai dar certo mesmo. Em vez de apoio, já temos uma oposição tão consistente que virou um bombardeio de fogo amigo. São poucos, mas para furar o casco de um navio, basta um só;

4- Quem está rindo disso é a esquerda. Certo?;

5- Mais fundo: a guerra contra o marxismo cultural está só começando; não podemos esperar uma mudança política sem embasamento cultural e temos que nos contentar com o que de melhor possa existir para lidar com o quadro tão lastimável que herdamos de seis governos socialistas (dois fofos e quatro trogloditas) enquanto se lançam as bases para essa elite, o que vai levar gerações (!), e ainda tendo que aturar a oposição mais irresponsável da história humana – porque ninguém precisa ser um gênio para prever que é isso que o pt vai fazer, e até o mais bobão dos comentaristas militantes da GoebbelsNews sabe disso. Uma pergunta: com esse festival de caneladas e gols contra, esse pessoal acha que está colaborando com o quê nessa reconstrução, exatamente?;

6- E o mais importante: não ceder à ideia infantilóide de pensar que um presidente e um quadro de ministros e governadores de estados importantes aliados resolverão o problema mastodôntico de décadas de aparelhamento ideológico do ensino, da mídia e das instituições públicas, com seu consequente abandono e depredação. Como já disse, isso será trabalho de gerações.

Em outras palavras: a cultura vem antes da política e até da economia. De minha parte, não aceito dirigismo de lado nenhum e considero pernicioso entrar em conflito por algo que ainda engatinha: eu não tenho certeza nenhuma, salvo a de que este governo vai ser muito diferente dos anteriores e só por isso já é melhor. Como conservador, entendo que perfeição não existe. Muito menos uma perfeição para cada grupo de eleitores. E antes de continuar, vale lembrar dos “Dez Princípios Conservadores” de Russell Kirk.

Como se isso não bastasse, por outro lado, há os festivos: comemoram tudo como atos de um ser endeusado, uma espécie de demiurgo, como cheerleaders. São os bolsominions do tempo das eleições, criaturas incrivelmente infantis cujo grande mérito foi ter aberto os olhos para o perigo que representava uma esquerda cada vez mais dominadora. Enquanto os primeiros preparam o “eu avisei”, esses serão os mais decepcionados com eventuais falhas.

Para todos, urge ter paciência!

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As posições expressas em artigos por nossos colunistas, revelam, a priori, as suas próprias crenças e opiniões; e não necessariamente as opiniões e crenças do Burke Instituto Conservador. Para conhecer as nossas opiniões se atente aos editoriais e vídeos institucionais

Márcio Scansani

Márcio Scansani

Nasceu em Santo André/SP, em 1960. É formado em Propaganda & Marketing pela Universidade Metodista de São Bernardo do Campo/SP, foi publicitário comercial por formação e é editor de livros por opção. Passou por Editora Globo, jornal O Estado de S. Paulo, revista IstoÉ, RBS – Rede Brasil Sul, Diário Popular e Gazeta Mercantil, antes de se dedicar aos livros, paixão de toda a vida. Depois de mudar os rumos de sua carreira, já como revisor, preparador de textos e editor, participou de mais de 100 livros. Atualmente é editor da Armada.

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