Imagem: Reprodução

“Um lugar Silencioso”: a importância da família na adversidade

O filme “Um lugar silencioso”, de Krasinski, diretor e ator nesse longa – e o mesmo que atuou em 13 hours (2016) -, foi lançado em 2018. Impressionou-me imediatamente pelo que entrega enquanto gênero e narrativa. Trata-se da história de uma família vivendo em uma era pós apocalíptica, em que aliens hostis, apesar de cegos, caçam e exterminam seres humanos por meio de sua audição extremamente aguçada, os quais pouco podem fazer para se defender.

A história do filme começa com essa família, composta pelo pai, Lee Abbot (John Krasinski), a mãe Evelyn Abbot (Emily Blunt), a filha Regan Abbot, (deficiente auditiva interpretada pela atriz Millicent Simmonds), Marcus Abbot, o segundo filho mais velho (Noah Jupe, que atuou em extraordinário) e Beau Abbot (Cade Woodward), o caçula, que pouco aparece, procurando por artigos de sobrevivência e o medicamento de Marcus na Farmácia em uma cidade fantasma. O suspense é sugerido logo nas cenas iniciais, quando mostra a região desabitada após algum tipo de ataque (ao expectador desavisado, parece até que assistimos a um filme do gênero “zumbi”, ao nos depararmos com uma cidade abandonada) e onde os poucos seres humanos dali buscam subsistir no que resta do lugar.

O trabalho sonoro do filme também ajuda a compor essa atmosfera silenciosa e mortal: os personagens não se comunicam por fala, mas gestos e boa parte do filme é mudo; Krasinski, Bryan Woods e Scott Beck (os co-roteiristas) trabalham destacando a paisagem musical de um mundo agora silenciado, como os passos descalços na farmácia e os sons daquilo tocado com extremo cuidado, explorando a construção de cada cena na inserção da trilha sonora e do som.

Vale a pena conferir no Youtube a construção dessa sonoridade, bem como a trilha sonora composta pelo renomado Marco Beltrami, disponível integralmente nessa plataforma, e reparar nas imagens feitas das árvores ao cicio leve do vento, do som dos objetos tocados, dos pés pisando o chão coberto por areia que abafe as pisadas, da natureza onde buscar-se-ia refúgio, mas que agora esconde perigos maiores que os já enfrentados pelos homens.

Além dos protagonistas buscando artigos abandonados em um dos locais da narrativa, apresenta-se também o vilão do filme, cuja aparição culmina no desfecho trágico da morte do mais frágil e inocente do grupo, o caçula, que não teria condições de se aperceber do perigo que corria (criança, brincava com um objeto barulhento) ou de se defender em um mundo onde os adultos pouco podiam fazer por se protegerem ou aos seus filhos. Novamente, destaque para a música em toda essa sequência, sobretudo a do fim dessa abertura, ao saírem da Farmácia para a luz da rua, quando o som de cordas ilumina a cena conduzindo-nos à calma; dessa, à apreensão; e, por fim, à angústia diante da trágica travessia da ponte.

Essa impossibilidade de sermos responsáveis pelos mais fracos inclusive é trabalhada não só pelo pai que não pôde resgatar a tempo o seu filho para proteção, mas expressa também pela forte personagem (conferir seu protagonismo na defesa da família ao desfecho) interpretada por Emily Blunt em atuação magistral e tão profunda ao transparecer a angústia e dor em seu rosto, a ponto do próprio expectador sentir o mesmo desespero: “quem somos nós, se não podemos defender nossos filhos?”. Sentimos essa dor junto dela. Queremos estar no filme para fazer algo contra esses inimigos.

Esse sentimento é corroborado por nos identificarmos e desejarmos a vida pacífica e boa feita pela família, apesar de cercados por um inimigo hostil, em cenas plenas de paz, cenas luminosas e de trilha sonora suave, usadas para retratar a oração de todos unidos antes das refeições, a divisão de tarefas no lar, o auxílio mútuo, a natureza exuberante, e ficarmos cada vez mais abismados com a destruição desse lar. Impossível não associar o que vemos à alegoria de uma família tradicional tentando sobreviver em um mundo hostil, em que forças sociais externas, foram corroendo-a e destruindo-a paulatinamente por meio das tentações do modernismo pós 1889.

No filme, difícil ainda é não perceber que a força e a coesão da unidade familiar são os elementos que fornecem a segurança necessária para a sobrevivência do indivíduo e, por extensão, da sociedade, diferente do que os engenheiros sociais pregam ultimamente. De fato, os Abbott são retratados como uma família ligada à sua terra, com bastante filhos para o padrão hoje, tradições passadas de pai a filho ligadas à sua subsistência e cultura, ligados pelo amor intenso um pelo outro (o clímax da narrativa é a declaração de amor silenciosa do pai para a filha Regan que se culpava pela morte do irmão). Esses são os elementos capazes de fortalece-los contra um inimigo que apresenta a sua extinção e o que nos aterroriza não são esses monstros, mas eles serem os vetores da aniquilação da sociedade representada nessa família, personagens que amamos e que afinal somos nós representados ali na tela.

Despertado pela presença hostil dos vilões, estabelece-se, portanto, para além do suspense, o tom do sofrimento pelo qual passará a família enlutada com a morte do caçula, a relação turbulenta entre a filha Regan (que se carrega de remorso, apesar de a confortarem-na) e seu pai, a angústia e desalento das pessoas em enfrentar esse novo inimigo, sem chance aparente de vitória, o preparar-se nessas condições para a vinda de mais uma criança ao mundo, o educar os filhos para o porvir no cuidado de si e dos pais, o medo de Marcus em crescer e ter de enfrentar tais monstros, Regan buscando redenção, tentando proteger seu irmão da necessária caminhada de aprendizado e crescimento na floresta habitada pelos monstros.

Todos esses fatos engrandecem a construção da narrativa. Não se trata apenas de um filme de Aliens, mas um filme sobre a família. Se não o fosse, o filme seria pobre: são monstros frágeis ao final de tudo e temos atualmente a construção de armas sonoras que atacariam um aparelho auditivo tão sensível, armas convencionais silenciosas, lasers que os cortariam, sem falar que armas convencionais, aliadas a táticas de combate poderiam enganar tais adversários em armadilhas onde simples disparos os matariam – como ocorre no final do filme – ou seja, teríamos um filme que retrataria uma batalha já lutada milhares de vezes nas telas, e um paralelo comum a nossa História, criarmos armas e táticas contra inimigos mais poderosos que nós.

A arte, porém, transcende o dia a dia, ainda que parta de tudo o que houver nele e história vai além dessa trama empolgante e todo o filme se compões sobre o que é família no cuidado de para com o outro, sem que o sacrifício seja negativo, mas algo que amamos, que nos faz bem e que nem deveria ser questionado, não importa a adversidade que se enfrente. Acostumados a filmes que pregam a emancipação de tudo e a tudo relativizam, da vida humana à sanidade mental, o tema vem de encontro com a essa sociedade hedônica, narcisista, cujos indivíduos fingem se redimir de pensarem em si mesmos a todo instante com culpas abstratas e perdidas (dívida história, machismo internalizado, perpetuação da desigualdade em tudo que se faz, culto aos animais, são alguns exemplos).

Conforme entrevista ao The Hollywood Reporter pelo diretor Krasinski, acompanhado de sua esposa Blunt, ao ser questionado sobre sua obra tão conservadora e tão pró-vida – Evelyn, após um ano dos acontecimentos narrados no início, está em condições de dar à luz e, em nenhum momento a vinda da criança é questionada, ao contrário, a preparação amorosa de sua vinda indica-a como uma benção – afirmou o seguinte:

“Este é um filme sobre família. É uma metáfora sobre o que é família e até onde você vai como pai para proteger seus filhos”.

A família e sua dificuldade em criar filhos nessas condições tão adversas e educá-los para o mundo tenebroso que, adultos indefesos, herdarão, tema da obra, é capaz de entregar uma história que ao mesmo tempo promove algumas reflexões tão interessantes que nos prendem a atenção, bem como cenas de suspense que nos surpreendem a cada desfecho inesperado, sob um tema próximo ao expectador que lhe cria identidade com o que acompanha.

Gostaria de destacar algumas dessas reflexões:

1) a perseguição e extermínio de alguma pessoa se ela ousar (ou cometer a loucura de) se expressar naturalmente, fazendo uma analogia aos tempos modernos em que vivemos, com várias redes sociais apagando discursos contrários ao que se determinou padrão e silenciando os seus autores virtualmente, bem como os linchamentos virtuais e ostracismos acadêmicos que produziram uma intelligentsia que se surpreende quando o povo não lhe segue as boas venturanças impostas, vide as eleições dos EUA e Brasil, Brexit, ou manifestações recentes na França;

2) o peso deles viverem sob esse jugo (os que não aguentam esse estado de espírito não falam, mas gritam desistindo da vida, chamando a morte certa);

3) a luta do casal principal em manterem-se na terra que habitam, com os valores herdados, necessários a sua sobrevivência, tomando as refeições todos juntos, lutando para sobreviver, ensinando aos filhos como se cuidarem ali, dividindo papeis para a vida possível;

4) a escolha pró-vida dos pais pela criança, pois, sem que haja condições ideais para sua vinda, e contra todas as expectativas e argumentos lógicos utilizados hoje em dia, em nenhum momento consideraram a ideia de abortá-la, mas tentou-se criar (e esse tipo de acontecimento exigiu esforço, tempo e preparação de todos para isso) todo o conforto e segurança para seu nascimento. Inclusive, a cena desse fato lembra a de Moisés solto no Nilo, preso em um cesto – que no filme lembrava um caixão – nas águas, próximo ao inimigo cruel pronto a destruí-lo ao menor som, acompanhado pela mãe impotente.

5) O sacrifício paternal feito no penúltimo momento por Lee para que seus filhos vivam (junto a sua belíssima declaração de amor a sua filha) e que nós cristãos, assumimos sem força ou meios ao fundarmos família, mas herdamos em Cristo, e que no filme constituí um dos seus clímaces: não teremos esposa ou filhos se não estivermos dispostos a morrer por eles (o “saia da casa de seus pais”), tal como Cristo o fez por sua Igreja. Após a morte de Bárbara Bush, um discurso de formatura no Wellesley College feito por ela em 1990 foi relembrado por Tim Jones em seu blog, para a resenha do filme:

Pais e mães, se você tem filhos, eles devem vir primeiro. Você deve ler para seus filhos, abraçar seus filhos e amar seus filhos. Seu sucesso como família, nosso sucesso como sociedade, depende não do que acontece na Casa Branca, mas do que acontece dentro de sua casa.

Não desenvolverei comentários muito maiores a respeito de cada tema, deixo a bibliografia abaixo para isso e a imaginação do leitor e sua curiosidade para caçar esses assuntos, mas noto que essas ideias foram frutos de discussões em alguns jornais quando do lançamento do longa, e em alguns, apesar de questionarem as ideias lançadas, admirando a ousadia de uma obra conservadora em Hollywood feito por um jovem aspirante à direção.

E de fato foi um trabalho bem-feito. Recomendo, é claro, pelas cenas belíssimas, ainda que um filme de terror hoje peça luzes subexpostas e cores frias. Pela já notada trilha sonora e sonorização impressionantes; pelas sub-narrativas que acompanham a trama principal, enriquecem o filme confirmam nossa vocação e nos inspira a ela; por causar mal-estar em círculos progressistas na discussão que enseja e nos oportunizar compartilhar dessa obra enquanto fruição artística; por confirmamos e descobrirmos novo talentos; sobretudo por em breve vir a sua continuação.

 

Bibliografia:

http://www.adorocinema.com/filmes/filme-254612/. Acessado em 11/12/2018.

https://www.conservativebookclub.com/31547/movie-tv-reviews/movie-reviews/movie-review-a-quiet-place. Acessado em 11/12/2018.

Barefoot and Pregnant—In “A Quiet Place” Conservative Family Values Fill the Silence. 16/04/2018. Disponível em: https://chickcritical.wordpress.com/2018/04/16/barefoot-and-pregnant-in-a-quiet-place-conservative-family-values-fill-the-silence/. Acessado em 11/12/2018.

Brody, Richard. The Silently Regressive Politics of “A Quiet Place”. 10/04/2018. Disponível em: https://www.newyorker.com/culture/richard-brody/the-silently-regressive-politics-of-a-quiet-place. Acessado em 11/12/2018.

Ehrenpreis, Brian Raven. Silencing Progress: The Monstrous Politics of A Quiet Place. 30/04/2018. Disponível em: https://medium.com/@brianehrenpreis/silencing-progress-the-monstrous-politics-of-a-quiet-place-a87ef5c5da85. Acessado em 11/12/2018.

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