Confraria de estúpidos

A estupidez é uma teimosia intelectual. O estúpido é um inapto para o bom combate de ideias. E existem dois grandes grupos de ignorantes: aqueles que têm grife e os sem qualificação alguma. Estes últimos passam a vida toda reproduzindo mecanicamente o que os primeiros julgam que pensam. Já os que possuem certo gabarito inundam as mais diversas fontes de produção do conhecimento no mundo contemporâneo.

Sem sombra de dúvidas, o estrago produzido por energúmenos com grife é muito mais devastador do que aquele gerado por ignóbeis comuns. Ambos comungam de um mesmo ideal: do culto à estultícia. Todavia, venerar a deusa da burrice dentro dos templos do “saber” é muito diferente do que cultuá-la nas ruas, bares e churrascos.

Na soberba do mainstream, os estúpidos fazem parte de uma confraria. Sem um verdadeiro choque de ideias, o único embate real é o da guerra de vaidades para saber quem conseguirá maior destaque. Pelo menos é isso que pode ser visto em universidades ou mídia, por exemplo. Para não ser injusto, pequenas discordâncias sobre perfumarias fazem parte do teatro que simula discordâncias profundas. No fundo, mas bem no fundo do poço, os estúpidos com grife são indivíduos covardes que se encastelam em instituições que lhes enchem de respaldo pela tradição que herdaram. Ou seja, é chique pertencer a uma determinada universidade, mesmo que tanto a universidade quanto o estúpido não comunguem 0,5% da história daquela instituição.

Mesmo que a imbecilidade não tenha inclinação filosófica específica, não é preciso dizer em qual visão de mundo ela é mais abundante. Ou seria, predominante? Mas não se pode negar que dentro de uma batalha cultural, cada lado imputa a idiotice aos seus algozes. E ainda existem aqueles que desejam uma terceira via de asneiras, como se fossem baluartes da verdadeira racionalidade e estivessem no Olimpo. A terceira via é extremamente inocente: aquele que faz concessões para o bem e para o mal, torna-se parte da maldade; aquele que dialoga com o maldade, acaba envolvido por ela.

Aos que ainda possuem dúvidas sobre qual linha de raciocínio domina os ambientes de sapiência em nossa época, mesmo que isso seja absolutamente intuitivo, o exemplo sempre é didático e esclarecedor. Recentemente acompanhei (de longe) um processo seletivo de uma especialização para o ensino em filosofia em uma universidade federal. Poderia ser em uma universidade privada. Não haveria diferença alguma. Bem, o fato é que o edital dessa seleção buscava profissionais que receberiam bolsas de “professor formador” vinculadas a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Dos 15 aprovados, como é o perfil de cada um dos candidatos nas redes sociais? Foi aprovado algum candidato de orientação “conservadora” nesse processo seletivo? Ou foram encontrados perfis que apoiam a legalização do aborto, que idolatram o marxista e revolucionário “Black Lives Matter”, que declaram abertamente uma paixão desenfreada pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), que colocam fotos com os dizeres “professor antifascista” (mesmo que apoiem práticas fascistas), que defendem “Lula Livre” e toda sorte de maravilhas que só o progressismo pode produzir?

O fato é que dos 15 aprovados, todos estavam aptos a serem reconhecidos entre os pares esquerdistas. Dissidentes desta unanimidade, mesmo que inscritos e muito bem qualificados para desempenhar suas funções, foram sumariamente eliminados por aqueles que tanto pregam pela diversidade.

Um dos traços da estupidez é a unanimidade. Ou pelo menos uma homogeneidade gelatinosa que vislumbra em qualquer visão de mundo antagônica a possibilidade de destruição dessa molenga massa intelectual. É interessante notar como o imbecil, na atualidade, se atribui a qualificação de “resistência”, quando na verdade há no polo oposto um firme espírito social que efetivamente resiste a estes disparates e que não é denominada de resistência. Além disso, esse energúmeno intelectual, muito presente nas ciências humanas e sociais aplicadas, é um paradoxo ambulante: age em nome da diversidade destruindo a pluralidade; defende mulheres ceifando vidas femininas do ventre materno; e luta pela democracia louvando regimes totalitários.

Claro que existe um outro lado da moeda da imbecilidade. O poser conservador que esquece deliberadamente da ideia de prudência, o “reacionário conservador” que prega a dissolução do modelo de sociedade herdado em nome de um passado glorioso ou o “protoconservador” que não se cansa de transformar a política em um palco religioso para a salvação terrena como um herege do conservadorismo, são exemplos típicos de que o hebetismo não tem pudores quanto a qual visão de mundo pode infectar. Mas o ponto curioso é que enquanto o progressismo não tem exame de consciência para tentar “purificar” as constantes insanidades produzidas por seus membros, até porque a loucura é a regra, o conservadorismo é uma visão de mundo madura o suficiente para separar o joio do trigo por meio da autocrítica ou pela negação de uma espécie de política da fé.

No campo da comunicação humana, nos últimos tempos, nenhuma chaga foi mais profunda do que o politicamente correto. Poderia ser chamado de “policiamento correto”, afinal, é uma maneira de policiar a linguagem de acordo com aquilo que a autoridade de plantão julga pertinente. A ideia de um uso de linguagem que não ofenda grupos, que tenha passado por uma peneira ideológica e que esteja devidamente santificada pela bruxaria do coletivismo, é a forma com que o politicamente correto inocula seu vírus em mentes abestalhadas.

Mesmo que não seja possível afirmar que onde há um estúpido, tem-se um ativista do politicamente correto, é bem verdade que não existe um defensor do politicamente correto que não seja estúpido. O professor português José Miguel Pinto dos Santos definiu o politicamente correto como “um ‘eufemismo’ para eufemismo”. E nessa ordem, dentro do campo das ideias e do escrutínio da política, o eufemismo só serve para esconder a verdade. Assim, não existe ódio maior pela verdade do que aquele sentido por ressentidos e vigiado por vigaristas intelectuais, estúpidos por excelência.

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João L. Roschildt

João L. Roschildt

Professor do curso de Direito do Centro Universitário da Região da Campanha (Urcamp). Além de articulista e ensaísta, é autor de “A grama era verde”. Site: www.joaoroschildt.com.br

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