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O STF contra o Brasil

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), ciente da dificuldade de aprovar, no Congresso Nacional, o assassinato de nascituros, não desistiu da sua bandeira política e, em manobra estratégica para levar adiante a sua famigerada causa, ajuizou a ADPF 442, traindo a divisão dos poderes ao induzir a usurpação de função que cabia ao legislativo. A proposta de descriminalização do aborto – que não seria acatada nem pelos representantes legais da população brasileira, nem pela própria população – será decidida, então, pelos magistrados do STF, doravante responsáveis por deliberar e legislar sobre graves problemas éticos e morais do mundo contemporâneo. Ao aceitar a ADPF proposta, o Supremo Tribunal Federal submete o país a um grupo de pressão política de representatividade ínfima no congresso e assente para um pleito de ilegitimidade patente. Para dar ares de diálogo democrático ao que não passava de atentado ao Estado de direito, a Corte Suprema convocou audiências públicas, mas trouxe afrontosamente para tais audiências entidades que promovem o aborto, fornecem medicamentos abortivos e deles fazem propaganda. Ou seja, deram voz no Supremo Tribunal a entidades criminosas.

Em outubro do ano passado – em meio às flagrantes manifestações político-partidárias no interior das universidades públicas em época de eleição, em meio à odiosa perseguição e pressão psicológica a que estavam submetidos professores e alunos que ousassem apoiar a candidatura de Bolsonaro –  o STF concedeu liminar (ADPF 548) para supostamente assegurar a livre manifestação do pensamento e das ideias em universidades públicas, como se não fosse justamente o patrulhamento ideológico abusivo protegido sob a alcunha de Resistência Anti-Fascista o que, naquele momento específico, configurava a censura. Eu mesma fui vítima dessa tentativa de cerceamento da liberdade de expressão e, na época, dei disso meu testemunho em artigo intitulado “Um real ambiente acadêmico e o mundo fantástico do STF”.

Pois bem, na semana passada, o STF – embora desmoralizado e votado ao descrédito perante a população brasileira – exorbitou mais uma vez as suas funções e invadiu a área de atuação do poder legislativo para resolver questões extremamente complexas em torno das quais pululam demagogia, oportunismo político e subserviência ideológica. Alegando inércia do Congresso, o PPS (Partido Popular Socialista) requereu ao STF que fixasse prazo para criminalização da homofobia e transfobia ou que tomasse para si a responsabilidade de legislar sobre o caso.

Ao escrever sobre esse tema, andamos em campo minado, motivo pelo qual se faz necessário um preâmbulo cheio de obviedades e justificativas. Precisamos deixar claro que somos contra a discriminação e qualquer tipo de agressão física ou verbal a qualquer minoria, ou melhor, a qualquer ser humano. Ocorre que gays, travestis, transgêneros e todas as outras minorias já estão protegidos pela lei – como todos os outros cidadãos. Termos como homofobia, transfobia, LGBTfobia, fazem parte, porém, do vocabulário da nova esquerda que começa a tentar nos dominar pela linguagem para, em seguida, criminalizar aqueles que se opõem ao seu discurso. O STF legislar não apenas sob pressão desses grupos identitários de esquerda mas, principalmente, a partir dos neologismos e dos chavões criados por esses mesmos grupos é problemático. Ouvir um ministro da mais alta instância do poder judiciário brasileiro pronunciar seu voto acompanhado de um discurso que reverbera toda a loucura progressista da ideologia de gênero é desalentador. O que está em jogo no atual debate sobre a criminalização da homofobia é menos a luta contra a violência e a discriminação do que a guerra de narrativas da qual a ala progressista quer sair vitoriosa às custas do ativismo do STF.

Criminalizar a homofobia pode ser simplesmente criminalizar qualquer fala que não seja servil à ideologia da moda; pode ser criminalizar qualquer um que diga, por exemplo, que menino é menino e menina é menina ou que afirme – ó horror dos horrores! –  que “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”. Em um ambiente social e político saudável, o uso dessa singela figura de linguagem por parte da ministra Damares não causaria tanta celeuma, mas vivemos tempos de patrulhamento ostensivo em que toda fala que não reze a cartilha progressista nem diga amém para as firulas do politicamente correto precisa se justificar diante do tribunal da esquerda supostamente boa e impoluta, detentora do monopólio da virtude e da defesa dos Direitos Humanos.

Não sei se a frase da ministra configurava metáfora, hipérbole, metonímia ou as três figuras de linguagem ao mesmo tempo, mas sei que só uma pessoa obtusa ou mal intencionada tomaria a frase em sentido denotativo quando ela quis tão somente dizer que os meninos devem ser tratados como meninos, desde a mais tenra infância, e as meninas também devem ser tratadas como meninas desde pequenas. Na verdade, todos entenderam isso – até os que se fizeram de desentendidos. O problema é que querem, à fina força, impor que se trate a criança desde a mais tenra idade como um ser de gênero neutro, o que – além de absurdo – é uma irresponsabilidade de consequências graves.

Vez ou outra sai alguma reportagem sobre pais (que agora nas escolas francesas serão chamados de Genitor 1 e Genitor 2!) que optam por não identificar o sexo da criança na certidão de nascimento, dando-lhe nome que não acuse gênero e arrumando o/a “pequenx” ora com pompom no cabelo e esmaltinho na unha, ora com bermudinha surfista e camisa regata. O tema das festas de aniversário vão se revezando das princesas da Disney aos Vingadores; da Frozen ao Minecraft; imagino que o quarto de bebê deva ter uma parede azul, uma rosa, uma lilás e outra com as cores do arco-íris. Chamam a esse movimento de theyby. Eu prefiro a definição primorosa dada pelo conhecido orador espírita Divaldo Franco que, ao ser questionado publicamente sobre o que pensava da ideologia de gênero, afirmou: “é um momento de alucinação psicológica da sociedade”.

Mas eis que a alucinação chega ao Supremo Tribunal Federal e o decano Celso de Mello faz acompanhar o seu voto de um discurso mais próximo a uma fala de campanha da Manuela D´Àvilla do que da deliberação de um ministro em tão alta função. Afetando virtude e falando como se vivêssemos não em um país tolerante e diverso como o Brasil mas em alguma sociedade muçulmana fechada submetida à Sharia, Celso de Mello “jogou para a galera” do politicamente correto e ainda deu eco ao inconformismo histérico e à implicância pueril com a já referida frase da ministra Damares. No seu voto comício de auto-promoção – tão longo que começou em uma semana e terminou na outra – o ministro nos brindou, dentre outras bizarrices, com a seguinte pérola:

“Essa visão de mundo, fundada na ideia artificialmente construída de que as diferenças biológicas entre o homem e a mulher devem determinar os seus papéis sociais –meninos vestem azul e meninas vestem rosa– essa concepção de mundo impõe, notadamente em face dos integrantes da comunidade LGBT, uma inaceitável restrição às suas liberdades fundamentais, submetendo tais pessoas a um padrão existencial heteronormativo incompatível com a diversidade e o pluralismo que caracterizam uma sociedade democrática”

Há tantas falácias nesse parágrafo citado que fica difícil expô-las todas nesse curto espaço. Mas vamos tentar. Primeiro, a frase da ministra usada como aposto como se fosse o resumo da visão de mundo referida é uma interpretação equivocada do que a ministra quis dizer. Segundo, há sim alguns papéis sociais que são, senão determinados, ao menos fortemente influenciados por diferenças biológicas entre homens e mulheres. Quanto à associação de menino com a cor azul e menina com a cor rosa não é invenção de Damares, vem de muito longe e a visão de mundo subjacente ao discurso da ministra não é artificialmente construída e não interfere na liberdade de ninguém. O problema é termos chegado ao cúmulo de não podermos mais afirmar algo tão banal e concreto como, por exemplo, menino brinca de carrinho e menina brinca de boneca sem sermos importunados pela militância progressista atenta a qualquer desvio do nosso discurso. Discurso esse que poderá agora a ser criminalizado.

Ora, meninos têm normalmente inclinações naturais masculinas e meninas têm normalmente inclinações naturais femininas. Se – apenas se – em determinado momento, descobre-se que o menino ou a menina tem inclinações naturais diferentes da que era esperado por ser a tendência predominante e comum, então o tratamento dispensado à criança pode, e talvez deva, ser repensado. Ocorre, porém, que o clichê neo-esquerdista “padrão existencial heteronormativo”, abraçado entusiasmadamente pelo ministro Celso de Mello quer negar justamente essa normalidade ou essa naturalidade afirmando ser ela incompatível “com a diversidade e o pluralismo que caracterizam uma sociedade democrática”, o que é uma falsidade gritante, uma hipocrisia, um sofisma, uma retórica cheia de má-fé.

O gosto das meninas por bonecas talvez tenha a ver – vejam só que coisa espantosa! – com o instinto de maternidade. As brincadeiras das meninas são normalmente brincadeiras ternas; as brincadeiras dos  meninos são normalmente menos delicadas. Para os pais modernos progressistas e para os ministros pós modernos iluminados afirmar isso é uma opressão, podendo agora ser crime. A bandeira levantada por Celso de Mello (como se coubesse a um ministro levantar bandeiras) está, portanto, distorcida por equívoco grave. A visão de que diferenças biológicas determinam alguns papéis sociais não é “artificialmente construída”, pelo contrário é uma das visões do mundo que foram mais naturalmente construída, no decorrer de milhares de anos. Certamente, aqui e ali estará ultrapassada, mas em larga medida ainda é válida. Não é uma visão artificial, não é uma visão absoluta; mas é uma visão de generalidade que precisa ser considerada, embora qualquer pessoa de juízo direito que não esteja jogando confete para a militância saiba perfeitamente que constatar a existência de um padrão não nega a existência de intercâmbio nas brincadeiras de infância (algumas meninas, por exemplo, podem ser campeãs em brincadeiras que são mais do feitio dos meninos e vice-versa) nem nega a existência de tendências naturais distintas daquelas que são mais comuns (alguns meninos efetivamente nascem com inclinações femininas e vice-versa.)

Tudo isso são obviedades que só precisam ser ditas porque a moda atual é negar a realidade em favor de uma ideologia. Os progressistas não gostam da expressão “ideologia de gênero”, mas a expressão é ótima porque afirmar que o gênero não passa de uma construção social é – além de parvoíce – subserviência ideológica. Essa subserviência tem feito grandes estragos e tem respondido por enormes injustiças no campo esportivo onde temos acompanhado, por exemplo,  mulheres sendo literalmente espancadas em combates de ringue por mulheres trans (homens). A superior força física do homem é um fato que não pode ser negado e não há nada de artificial em afirmar que a diferença biológica entre homem e mulher nesse quesito determina o papel social do homem na guerra. Afirmar isso tampouco é desconsiderar a existência de grandes guerreiras na história, cujo melhor exemplo é Joana d´Arc, que além de guerreira foi santa e que eu bem gostaria de ver reencarnada hoje para livrar a França e o ocidente das trevas do progressismo insano e do terrorismo islâmico.

O outro equívoco deplorável da fala do ministro foi, como já comentamos, a afirmação de que a visão de mundo expressa pela expressão retórica “meninos vestem azul e meninas vestem rosa” impõe aos integrantes da comunidade LGBT “uma inaceitável restrição às suas liberdades fundamentais”. Impõe coisa nenhuma. Essa expressão, repito, não impõe absolutamente nada à comunidade LGBT. Mas nega a ela e aos que a instrumentalizam a pretensão de que nossas crianças sejam educadas sob o pressuposto dessa equivocada ideia de que o gênero é apenas uma construção social.

Imagino, diante do exposto, já ter ficado claro para o leitor que – levando-se em conta a imprecisão conceitual e a carga político-ideológica de termos como homofobia, transfobia e lgbtfobia – a criminalização de condutas que configurem tais coisas nos faz reféns de uma hermenêutica jurídica bastante controversa. Como já dissemos, todas as pessoas estão protegidas pelo ordenamento jurídico contra agressões físicas e punir mais ou menos por conta do fundamento da agressão é menos importante do que punir. Em um país como o nosso, em que reina a impunidade, parece mais urgente fazer cumprir a lei já existente do que tipificar novos crimes. O que há de objetivo em um crime de agressão é a agressão em si mesma. Estabelecer a prova do fundamento subjetivo de um crime (a motivação supostamente homofóbica, por exemplo) é difícil e punir mais ou menos por conta desse fundamento subjetivo da agressão é algo problemático. Cumpre notar – para além dessas sutilezas jurídicas abertas ao debate – que se a lei já protege o indivíduo contra agressões, a criminalização da homofobia incidirá mais fortemente sobre o âmbito do discurso.

Não há que se negar a existência de pessoas racistas, homofóbicas ou misóginas, por exemplo. Quando a conduta desse tipo de pessoa ultrapassa certo limite, aciona-se a lei. Mas há certas condutas que são reprováveis – até mesmo deploráveis – mas não configuram crime e criminalizá-las pode aumentar em vez de diminuir o preconceito em torno de determinadas minorias; pode marginalizar e segregar ainda mais algum grupo que já é alvo de intolerância. Há condutas toscas que são simplesmente a exteriorização de uma personalidade tosca e a verdade é que o homem bruto que diz que “odeia viado” ou que “lugar de mulher é na cozinha” tem tanto direito à sua opinião quanto o rapaz descolado da Federal que defende o “poliamor” e combate a “masculinidade tóxica”. Não é o Estado que deve regular ou ensinar como essas pessoas devem ver o mundo.

Mas não é isso que pensa o ministro Luís Roberto Barroso que – por ocasião do seu voto favorável à equiparação da homofobia e da transfobia ao crime de racismo, que é imprescritível, inafiançável e sujeito à pena de reclusão – extravasou seu jacobinismo na defesa do papel revolucionário do STF que, segundo ele, deve ter o papel iluminista de “empurrar a história, mesmo contra vontades majoritárias, seja no Congresso, seja na sociedade” a fim de assegurar “o prevalecimento de uma razão humanista e civilizatória.” Considerando sua incansável militância em favor do aborto, imagino que o melhor símbolo da civilização iluminada pela razão humanista do ministro Barroso é um feto despedaçado por sucção, aspirado à vácuo ou envenenado por solução salina.

Texto postado primeiramente em Focus.Jor.

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Catarina Rochamonte

Catarina Rochamonte

Doutora em Filosofia e vice-presidente do Instituto Liberal do Nordeste.

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