Imagem: Reprudução

Será que uma nova constituinte resolve nossa instabilidade política?

Não é de hoje que os brasileiros não sabem o que é estabilidade política. Desde a república fascista[1] inaugurada por Getúlio Vargas que vivemos a efemeridade constitucional como se fosse algo comum ao constitucionalismo em si. A carta política brasileira, que carrega em si os principais valores da nação e organiza o Estado, parece uma biruta, enverga-se ao sabor do sopro daqueles que estão no poder.

A atual Constituição está na nonagésima nona emenda, isto mesmo, você não leu e eu não escrevi errado: nonagésima nona! É possível que uma nação mude tanto assim seus valores para que, em trinta anos, necessite ser emendada quase cem vezes!? A verdade é que nossa Constituição é prolixa demais, trata diversos temas que não possuem nenhum caráter valorativo ou de organização estatal, isto sem falar nas possíveis “jaboticabas” enxertadas no texto constitucional, segundo “reza a lenda”[2].

O artigo sétimo, por exemplo, possui trinta e quatro incisos, tratando até mesmo da proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual. Todos os direitos sociais deveriam ser tratados na legislação infraconstitucional, sempre com fundamento nos valores republicanos, tais como a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, mas nunca em uma carta política e ainda com status de imutável[3]!

Outro erro constitucional é a concentração, quase tirânica, de poderes na mão de uma única pessoa, a saber: Presidente da República. Como ensina Dom Luiz Philippe de Orleans e Bragança, em “Por que o Brasil é um país atrasado”: “Essa concentração gerou muita instabilidade na nossa República, dado que muitos presidentes brasileiros atuaram como se dispusessem de poderes quase tirânicos. Assim, desde a criação de nossa república, temos sido obrigados a depor tiranos quase como os antigos gregos (p. 213)”. Sonhamos, sonho compartilhado com outros amigos, que, na atual gestão, pelo menos de fato, exista uma divisão do Poder Executivo em: Estado, Governo e Administração[4].

De outra banda, é bem verdade que estamos sob a égide da Constituição brasileira mais duradora, desde a era Vargas, malgrado as dezenas e dezenas de emendas existentes, o que, por si só, demonstra a sua fragilidade como carta de valores. Entretanto, não podemos esquecer, que nosso texto magno possui importantes acertos, dentre os quais destaco o modelo de laicidade, a valorização da dignidade da pessoa humana como centro da República e a liberdade religiosa. Acertos que nos fazem um dos modelos de laicidade mais evoluído (senão o mais) do mundo moderno, lastreado na cooperação do mundano com o celestial, que reconhece a importância vital deste último para a pessoa humana viver com dignidade.

Assim, tenho meus receios sobre uma nova constituinte, até porque ainda, eu escrevi “ainda”, não vivemos em um estado de coisas de total ruptura social e constitucional, ponto nodal para uma nova constituinte. O ideal seria uma reforma total da Carta Magna, aos bons modos conservadores, inclusive a partir de uma exegese mais “elástica” do artigo sessenta, parágrafo quarto, inciso IV da Constituição de 1988.

 

Referências:

[1] Para quem não sabe o que é fascismo, recomendo avidamente: Contra a idolatria do Estado: o papel do cristão na política – Franklin Ferreira.

[2] Reza a lenda que o jurista Nelson Jobim, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, e, à época da constituinte, deputado federal e líder da bancada do P(MDB), teria acrescido, sem passar pelo plenário da Casa e todos os líderes de bancadas, um artigo e três alíneas ao texto magno; o artigo sobre a independência dos poderes (art. 2º) e as alíneas “a”, “b” e “c” no artigo 162, que tratam de privilégios para o pagamento da dívida, de pessoal e de transferências aos estados e municípios. O primeiro o próprio Jobim reconhece em entrevista concedida ao “O Globo”, quanto aos demais, só Deus sabe (quiçá, mais alguns) …. Fontes: https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/o-segredo-constitucional-de-nelson-jobim-e-gastone-righi/amp/ e https://cic.unb.br/~pedro/trabs/fraudeac.html

[3] Imutável porque os direitos sociais possuem o status constitucional de garantias individuais fundamentais, logo não passíveis de exclusão, na forma do artigo 60, § 4º, IV da CRFB/88.

[4] Se quiseres aprender sobre a divisão dos Poderes, leia: Tribunal Constitucional como Poder: uma nova teoria da divisão de poderes. Cézar Saldanha de Souza Júnior.

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As posições expressas em artigos por nossos colunistas, revelam, a priori, as suas próprias crenças e opiniões; e não necessariamente as opiniões e crenças do Burke Instituto Conservador. Para conhecer as nossas opiniões se atente aos editoriais e vídeos institucionais

Thiago Rafael Vieira

Thiago Rafael Vieira

Graduado pela Universidade Luterana do Brasil - ULBRA (2004), advogado, membro da OAB/RS, inscrito sob o n.º 58.257 (2004), OAB/SC sob o n.º 38.669-A e da OAB/PR sob o n.º 71.141; especialista em Direito do Estado, com ênfase em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (2006). Pós-graduado em Estado Constitucional e Liberdade Religiosa pela Universidade Mackenzie, pela Universidade de Oxford (Regent’s Park College) e pela Universidade de Coimbra (2017). Professor visitante da ULBRA e de cursos jurídicos, tem atuado preponderantemente na área de Direito Religioso e Empresarial, tanto na área consultiva, como no contencioso e assessoria a organizações religiosas e empresas. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião - IBDR; Vice-presidente do Instituto Cultural e Artístico Filadélfia – ICAF; foi membro do Conselho Diretivo Nacional da ANAJURE, nos cargos de Diretor Jurídico e posteriormente de Diretor para Assuntos Denominacionais até 11/2018. Co-autor com Jean M. Regina da obra “Direito Religioso: questões práticas e teóricas. Porto Alegre: Editora Concórdia, 2018.

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