Seu filho será o que ele “come”

Não, esse não será um artigo sobre nutrição. Além de não ter conhecimento técnico sobre o assunto, não tenho autoridade para falar sobre o assunto. Minhas banhas depõem contra mim.

Coloquei comer entre aspas exatamente para empregar a palavra em sentido não literal. Se você lembra bem, eu escrevi, tempos atrás, um artigo criticando algumas tendências atuais em muitos desenhos infantis (mais especificamente a ausência da figura clara de um vilão). Desde aquela época, senti vontade de escrever um contraponto, indicando alguns desenhos que seriam “bons exemplos”. Relutei bastante para escrever pensando se seria algo realmente útil para os leitores. Pensei então: ora, a tendência é que um conservador tenha (ou queira ter) filhos (eu mesmo já estou no terceiro and counting). E como acabamos de sair de uma dominação esquerdista que nos deixou com diversos cacoetes mentais, nos acostumando a certas absurdidades culturais, acredito que um artigo desses possa, no fim das contas ser útil.

Como está a dieta cultural do seu filho? Essa tem de ser a preocupação número um quando pensamos naquilo que nossos filhos vão assistir. E já adiantando uma possível indagação: não, as crianças não podem ver só “o que elas gostam”, da mesma forma como elas também não pode comer só o que elas gostam. Em ambos os casos, essa não é uma atitude de amor para com as crianças, pelo contrário, é uma irresponsabilidade absurda dos pais, e que trará consequências terríveis aos pequenos.

Eu poderia citar diversos filmes ou desenhos animados que podem contribuir para a construção de um imaginário saudável das nossas crianças. Mas vou focar em apenas um: Os Incríveis. Esse é um daqueles filmes em que a Disney faz um trabalho tão bom que pega mal, e se vê obrigado a pagar aquele pedágio ideológico numa sequência, como de fato ocorreu em Os Incríveis 2.

Escolhi Os Incríveis por um motivo muito simples: família. Não há melhor representação simbólica de uma família do que nesse longa-metragem. É absolutamente perfeito. Se você acha que estou exagerando, experimente assistir novamente (preferencialmente na companhia de seu filho ou neto, sobrinho, etc) tendo em mente a escolha dos poderes de cada membro da família. O pai – Senhor Incrível – tem a super força, que é exatamente o que um pai deve ser para sua família: aquele que leva o mundo nas costas, que é capaz de proteger a família de qualquer perigo, que se sacrifica. A mãe é a mulher elastica – qual mãe não se identifica com isso? Qual mãe não gostaria de poder esticar o braço para balançar a cadeirinha do bebê enquanto está na cozinha vendo se o arroz está pronto? A cena em que ela fica presa na mesa após tentar segurar os dois filhos que estão brigando é icônica. Você com certeza teve um flash da sua infância ao ver essa cena.

A filha mais velha, em fase de pré-adolescência, tem dois poderes, os quais eu aposto que muitas pré-adolescentes gostariam de ter: sumir e criar campos de força em volta de si. Por fim, o filho mais novo, como todo moleque peralta, tem super velocidade, e antes de se envolver em assuntos sérios, a usa para pregar peças em seu professor (inclusive, aquela pequena participação do dublador Guilherme Briggs transformando o professor do Flecha em um portuga enfezado é simplesmente maravilhosa).

Essa conjugação de acertos é bem difícil de se ver. Não posso afirmar com certeza se todo o enredo do filme mantém esse “espírito conservador”, mas só pelo acerto e fidedignidade das representações, eu digo que esse é um filme que vale a pena ser assistido (e mais de uma vez). É uma peça cultural de grande valor, pois traz excelentes modelos sobre o que é uma boa família. E perceba: é algo natural. Ninguém está querendo construir um modelo de pai, de mãe, de filhos… Se alguém fosse transformar uma família ocidental tradicional em super-heróis, e tivesse que escolher um poder para cada membro, você teria Os Incríveis.

Como disse no início, esse é apenas um exemplo. Fomos acostumados a desprezar o tradicional, a valorizar o disruptivo tão somente pela disrupção (voltarei a falar sobre isso em outro artigo), a originalidade pela (suposta) originalidade. E se percebemos isso agora, já adultos, que possamos nos esforçar para que nossa próxima geração tenha o que Platão chamava de “afeições ordenadas”. Nas palavras de C. S. Lewis:

“o animalzinho humano não terá a resposta correta a princípio. Ele terá que ser treinado para sentir prazer, gosto, desgosto e raiva daquelas coisas que sejam realmente prazerosas, agradáveis, desagradáveis e odiosas. Na República, o jovem bem nutrido é uma pessoa ‘que veria com mais clareza aquilo que está errado em obras malfeitas do ser humano ou em obras deformadas da natureza e, com um desgosto justo, ele censuraria e odiaria o feio – mesmo ainda na mais tenra idade – e renderia graças à beleza, recebendo-a em sua alma e sendo nutrido por ela, de modo que ele se tornasse um homem de coração gentil. Tudo isso antes mesmo de ele ingressar na idade do raciocínio; de modo que quando a Razão introduzir-se em sua vida, então, graças À forma como foi criado, ele estenderá as mãos para dar as boas-vindas e reconhecê-la, por causa da afinidade que tem com ela’”.

Nós, que verificamos nossa “desnutrição” tardiamente, temos que correr atrás do prejuízo, precisamos de uma reeducação alimentar, de suplementação, mesmo que inicialmente não seja de nosso agrado. Mas as crianças ainda estão numa idade ótima para adquirir os bons hábitos, para aprenderem a amar o belo e rejeitar o feio. E pra quem vai começar agora, Os Incríveis é uma boa pedida: é bem feito, dinâmico, engraçado. E principalmente, é um bom treino inicial para detectar narrativas distorcidas.

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Igor Moreira

Igor Moreira

Editor do Burke Instituto Conservador. Professor e palestrante.

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