Nenhuma ideologia satisfaz completamente os anseios humanos

Nenhuma ideologia satisfaz os anseios humanos

É muito difícil, para não dizer impossível, fechar com qualquer sistema humano ou ideologia que tente dar explicações totais aos problemas relativos à condição humana. Por exemplo, normalmente quem se diz a favor do “meu corpo minhas regras” normalmente, está em um espectro sociopolítico mais à Esquerda ou, como se diz aqui no Brasil: progressista. No entanto, o indivíduo que diz isso, abraça sem perceber, uma espécie de liberalismo de ordem ético-moral, mesmo que ele afirme categoricamente que não seja um liberal.

Este desejo de liberdade e de autonomia sexual e, consequentemente, tudo que deriva disso, nada mais é do que o desejo de certa liberdade individual em oposição à ação de qualquer organização, seja religiosa (Igreja), seja política (Estado) que possa sugerir ou impor condutas sexuais baseadas em códigos morais religiosos ou “seculares”. Em resumo, muitos que se encontram nesta condição afirmam que são contra o liberalismo no campo político-econômico, mas assumem de forma prática que são a favor do liberalismo no que tange a expressão de sua afetividade e satisfação do seu hedonismo.[1]

A partir disso, percebe-se que há sempre uma dificuldade, um obstáculo, quando alguém tenta fechar com algum padrão ou sistema ideológico humano e viver sob sua orientação plena, uma vez que qualquer ideologia abarca apenas parte da realidade desse mundo de Deus.

Qualquer proposta de solução às demandas existenciais da humanidade que parta de aspectos imanentes, ou seja, do aqui-e-agora finito e contingente, não possui sucesso em si mesma. Por outro lado, a visão cristã de mundo oferece respostas contundentes ao desespero humano. E por que ela possui respostas contundentes? Porque parte da revelação do próprio Criador de todas as coisas e não dos homens, enquanto seres epistemologicamente limitados pelos efeitos noéticos do pecado[2].

Todos os sistemas humanos e materialistas, isto é, que não se deram através da revelação de Deus esbarram em dificuldades e limitações para responder satisfatoriamente aos anseios fundamentais da humanidade. De Agostinho a Tomás de Aquino[3], de Blaise Pascal a Herman Dooyeweerd[4], é possível encontrar semelhanças [com suas nuances características] em suas formas de pensar e de dar respostas aos problemas de seu tempo. Todos eles possuíam uma visão cristã acerca de si mesmo e do mundo em que viviam.

Tomemos como exemplo Blaise Pascal, cientista e filósofo francês do século XVII. No fragmento 148 sobre O soberano bem, Pascal faz uma pergunta que aponta para a resposta acerca do problema da felicidade e do vazio que assombra a humanidade:

[…] Que nos brada, pois, essa avidez e essa impotência senão que houve outrora no homem uma felicidade verdadeira, da qual só lhe resta agora a marca e o vestígio totalmente vazio que ele inutilmente tenta preencher com tudo aquilo que o cerca, procurando nas coisas ausentes o socorro que não encontra nas presentes, mas que são todas incapazes de fazê-lo porque esse abismo infinito não pode ser preenchido senão por um objeto infinito e imutável, isto é, por Deus mesmo?[5]

O que Pascal diz neste fragmento é que o homem possui um vazio existencial infinito resultante da queda adâmica. Antes do pecado original, afirma Pascal, o homem amava infinitamente a Deus, o qual era o objeto infinito desse amor. Após a queda, o homem continuou com sua capacidade de amar infinitamente, porém, o objeto desse amor infinito – que era Deus – ausentou-se do “ser do homem” resultando em um vazio existencial do tamanho do infinito.

Pascal continua dizendo que o homem, após a queda, procura de forma miserável preencher este vazio infinito com as coisas finitas. É neste desespero da contingência e da finitude que o homem busca aplacar as suas próprias misérias, contudo, sem sucesso, uma vez que nada neste mundo (dinheiro, sexo, poder, ideologias, etc.) pode preencher este vazio infinito do tamanho de Deus.

O que quero dizer com esta breve explanação da visão de Pascal sobre o desespero humano é que por mais que as ideologias baseadas em coisas criadas, finitas e contingentes, tentem dar respostas finais à realidade da condição humana, sempre se esbarrará em limitações e parcialidades, uma vez que o ponto de partida para se pensar o homem procede equivocadamente da criatura e não do seu Criador.

É neste contexto que o Evangelho se apresenta como a proposta que explica, dá sentido e, acima de tudo, aponta para a salvação do homem que, perdido em si mesmo, tenta malogradamente romper com as estruturas finitas e contingentes deste mundo para aplacar seu desespero. O Evangelho, portanto, vai até as últimas consequências em relação ao desnudamento da real condição humana e, na mesma medida, oferece o verdadeiro alento ao apontar para a própria Palavra encarnada. Jesus Cristo é a resposta definitiva para o desespero humano, pois, somente a imagem do Deus invisível pode preencher efetivamente o vazio infinito constante no ser do homem.

Referências:

[1] A intenção do autor até este parágrafo, assim como em todos os demais, é o de explicar a dificuldade de se pautar a vida pelas lentes de uma única ideologia, uma vez que elas são limitadas e parciais. Não está em voga aqui uma análise moral acerca das condutas sexuais.

[2] Os efeitos noéticos do pecado são os efeitos que também corromperam a mente humana em relação à capacidade de conhecimento e interpretação da realidade.

[3] Agostinho de Hipona – século V e, Tomás de Aquino – século XIII, são tidos como doutores da igreja.

[4] Herman Dooyeweerd foi um proeminente jurista e profícuo filósofo cristão holandês do século XX, cujas obras e ideias são amplamente disseminadas pela equipe e parceiros do L’Abri Fellowship Brasil.

[5] Blaise Pascal. Pensées. Ed. Louis Lafuma. Excerto do fragmento 148.

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Jocinei Godoi

Jocinei Godoi

Mestrando em Ciências da Religião pela PUC-Campinas-SP. Formado em Teologia pelo Seminário Teológico Batista Independente de Campinas-SP e em Filosofia pela PUC-Campinas-SP

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