Uma característica metodológica da filosofia de Olavo de Carvalho

Creio ter apreendido algo que suponho ser uma característica fundamental da filosofia do professor Olavo de Carvalho, um dos pilares que constituem seu pensamento. A variedade de situações em que ele parece aplicar esse princípio me fez imaginar então que possa constituir um característica fundamental mesma. O raciocínio pode ser esquematizado da seguinte maneira: experiência individual concreta – difusão do conhecimento obtido da experiência – assimilação geral do conhecimento – esquecimento progressivo da experiência individual originária – decomposição do conhecimento obtido (a não ser que se rememore a experiência original).

O campo onde esse método parece provocar mais escândalo é o catolicismo (não porque o método seja inapropriado ou maligno, mas sim por mera incompreensão ou fingimento de escândalo de quem vê de fora). O professor já deixou claro em algumas declarações suas que o termo religião usado como denominação comum às diversas crenças não é apropriado, que deve ser encarado como uma metonímia, pois aquilo a que se atribui o nome genérico de religião não são meras variações de um mesma espécie. Isso já deveria indicar que a forma como o professor entende as religiões não é a mesma forma como o senso comum a entende. Dentro desse seu entendimento surge a forma peculiar como ele se refere ao catolicismo.

Quando faço essa distinção entre o pensamento do professor e o pensamento constante no senso comum, não estou colocando o professor num pedestal excelso distanciado dos meros mortais, estou apenas fazendo a distinção elementar entre o pensamento de um filósofo e o pensamento de pessoas comuns. É óbvio que um filósofo leva em consideração um campo de referências muito maior do que aquele considerado por pessoas vivendo vidas comuns sem tanto esforço na busca filosófica.

E exatamente por ser um filósofo, o campo de investigações do professor é a realidade concreta da experiência humana, daí ele sempre apelar à ela, mesmo quando está pensando no catolicismo. Certa vez o professor disse que não acha muito apropriado dizer que ele seja uma pessoa religiosa pois o que ele ama é a realidade. O que acontece aqui é que o catolicismo é a própria realidade. Assim como as religiões não são meras variações de crenças, o catolicismo não é apenas mais uma instituição religiosa entre outras, mas é a estrutura da realidade mesma.

A identificação do catolicismo como uma instituição religiosa é uma simplificação, porque sua constituição concreta tem origem nas experiências místicas pessoais que diversos homens tiveram ao longo da história. Após essas experiências individuais, o aprendizado adquirido por esses homens foi ensinado e assimilado por outras pessoas. Esse processo repetido ao longo de milênios gerou os frutos que se denomina cultura católica.

Porém, com o passar do tempo, embora a cultura seja ainda transmitida de geração em geração, a experiência pessoal concreta originária fica gradativamente mais distante até que uma geração já não a identifica mais, e tudo o resta é a cultura pairando como que no vazio. Se a coisa simplesmente seguir adiante amputada desse jeito, ela se torna ferramenta de alienação e começa a entrar em decomposição.

Claro que já fomos todos advertidos que as coisas não chegarão a esse ponto jamais, pois “as portas do Inferno não prevalecerão”. Mas o filósofo, quando faz suas considerações mesmo dentro do catolicismo, não fala em nome de Deus, mas apenas em nome de si mesmo. Embora a Igreja não vá ser devorada pelo Inferno, a desordem espiritual de um indivíduo pode, entretanto, levá-lo à danação. Daí então o professor, no seu papel de filósofo, alimentar esforços para buscar na realidade aquelas experiência originárias que foram esquecidas. Não é à toa que o professor mostre um certo desconforto ou mesmo um aparente desprezo quando tem que falar de religião, pois seu interesse primário está na experiência concreta, mesmo que seja um experiência mística. Daí então sua aversão à mera associação grupal em torno de uma instituição religiosa, e seu apelo aos alunos para que se privem de grupos assim e que encontrem na completa solidão aquele fio tênue que sustenta toda a existência humana. E só então, a partir dessa experiência real, subir de novo para o campo abrangente da cultura: só assim o real e o abstrato estarão fortemente ligados, só assim se pode amar a Deus com a totalidade do seu ser.

É unicamente neste campo que o filósofo atua: entre a cultura milenar e a experiência humana concreta, buscando as linhas que unem uma coisa à outra.

Embora aquele modelo que esquematizei no início possa ser aplicado num indivíduo, o professor também o aplica no processo histórico da cultura. E foi por esses mesmos meios que ele identifica o drama espiritual do Brasil.

O processo corre da seguinte forma. Na Europa certos indivíduos desenvolveram uma filosofia própria e a transmitiram aos demais. Essas idéias foram assimiladas e formaram um corpo cultural específico. Com o passar do tempo, a experiência originária a que os fundadores de uma filosofia tiveram acesso se torna inacessível a uma certa geração, e tudo o que sobra é a corrente filosófica pairando no vazio, até que, por não possuir mais aqueles meios concretos que a sustente, ela começa a entrar em processo de degradação. E foi neste preciso momento que o Brasil entrou na história mundial – nosso país se formou e foi alimentado por filosofias que, além de não terem mais o referencial concreto de sua origem, estavam no processo de decomposição.

Creio que seja pelo reconhecimento dessa estrutura geral do processo experiencial (experiência individual concreta – difusão do conhecimento obtido da experiência – assimilação geral do conhecimento – esquecimento progressivo da experiência individual originária – decomposição do conhecimento obtido) tanto no campo micro das individualidades específicas, quanto no campo macro de uma história geral que o professor se empenhou tanto em buscar para si mesmo as experiências humanas originárias e agora se dedica a fazer com que seus alunos recuperem a noção da importância fundamental das experiências concretas – e que são sempre, necessariamente, individuais.

Embora esse possa ter sido o método filosófico por excelência, creio que o professor encontrou a coisa não apenas sendo executada, mas sendo também explicada, em Eric Voegelin. Conheço pouco a obra de Voegelin. Dele sei apenas, além de umas poucas leituras, o que o próprio professor fala a respeito e as explicações dadas por Gleen Hughes em Transcendência & História. Por esses meios, entendi que Voegelin identificou que todos os símbolos nascem de uma experiência pessoal concreta e, com o passar do tempo, a experiência é esquecida e só o que sobra são os símbolos vagando no vazios.

Se essa estrutura que eu tentei esquematizar estiver correta e se ela for realmente um pilar da filosofia do professor, creio que seja daí que partam outras características típicas do seu pensamento: como o conhecimento por presença e a paralaxe cognitiva.

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