Foto: Reprodução

As chamas que não purificam

A segunda-feira, dia 03/09/2018, tornou-se um dos dias mais tristes desta nação; o rescaldo que agora é feito das estruturas do Museu Nacional, não reflete a alma de um patriota que ainda se encontra queimando. Não bastando o sucateamento de nossas moralidades, do desavergonhado estupro ético realizado diuturnamente por nossa classe política e agregados, ontem: 02/09/2018, fora rompido um dos últimos (Deus queira que não seja o último) cordões umbilicais que ligavam a nossa história real ao nosso povo.

O Museu Nacional do Rio de Janeiro, em chamas, é a ilustração demoníaca daquilo que há tanto tempo estamos fazendo em nome de um pueril progresso sem forma, em nome de uma sociedade fantasmagórica feita de arrimos vaporizados, de utopias montadas por ideólogos que sempre viram no passado nacional uma expressão de atraso humano, político e social. Como se heranças históricas devessem sorrisinhos, abonos ou pedágios políticos a homens e mulheres que se julgam deuses para clamar do alto de suas cadeiras universitárias aquilo que deve ou não ser apontado como patrimônio histórico de um povo.

Como se a história não devesse exatamente contar nossas mazelas e nossas glórias, como se o arcabouço da lembrança não abarcasse exatamente as vergonhas e heroísmos, como se os povos não fossem constituídos de uma mistura de fracassos e vitórias, como se não fosse exatamente tais fatos que erigissem uma nação de espinha ereta.

Tal incêndio é a caricatura bestial de um evento que marca na realidade cruenta desse país aquilo que há tanto tempo estamos fazendo metafisicamente; isto é: legando ao fogo que não purifica as nossas heranças mais tenras e íntimas. Talvez estejamos fazendo a tal “justiça histórica” que os probos justiceiros sociais e intelectuais de mundos perfeitos há tanto pedem em suas militâncias e histerias. Parece-nos que aqueles jacobinos brasileiros, aqueles torturadores que tiravam com pinças os pedaços de carne ainda sangrentos da história nacional, perderam a paciência e resolveram acabar com a lamúria e com os gritos de socorro de uma cultura que buscava doar do sarcófago para qual foi designado, alguns suspiros de sabedoria na última tentativa patriótica de ajudar o povo que lhe esqueceu.

Obviamente que não podemos dirigir a culpa de tal tragédia a determinadas pessoas sem uma reta investigação e um dossiê profundo das causas do fogo que consumiu o museu. Mas podemos sim culpar a ineficiência estatal de nossa República e o desapreço de nossos intelectuais e líderes que sempre procuraram agradar tão somente os seus apoiadores e apologetas, mas nunca se dispuseram a lembrar das nossas raízes como algo bom para além de feriados e citações psueudo-intelectualizadas em teses que ninguém lê.

Com olhares soberbos de quem sempre vê no futuro algo melhor do que a continuidade prudente a partir do passado; tais algozes vagarosos não acenderam as chamas que ontem consumiram o museu, mas talvez aplaudiram felizes o espetáculo caótico tal como fez Nero em Roma. Quando Deodoro da Fonseca rompeu o primeiro elo, derrocamos numa caída vertiginosa que nunca mais permitiu ao país dirigir qualquer apreço oficial à história que fundamentou e fincou as raízes desse país.

Tais governos que nunca tiveram apreço pelo passado nacional, digamos a verdade sem voltas e retóricas ornamentais. Naturalmente então poucos recursos foram destinados às memorias guardadas naquele museu, pouco dinheiro investiram em restaurações, seguranças estruturais e demais necessidades básicas daquele monumento. Recursos que — é sempre bom lembrar — estavam irrigando projetos em Cuba, Venezuela e Nicarágua; tal desabafo é mais de que o ato de buscar bodes expiatórios, é expor as consequências irremediáveis daquelas corrupções que vemos em nossos noticiários e tantas outras que nos são ocultadas. A corrupção é um polvo gigantesco que inevitavelmente um dia nos alcançará com seus tentáculos, ontem foi o dia do Museu Nacional.

Coloquem agora a nossa história no Maracanã ou na Arena Amazônia; contem à posteridade como Dom Pedro I declarou a independência do Brasil sob as arquiteturas medonhas de Oscar Niemeyer; coloquemos as riquezas sem fim, de mais de 500 anos, em alguma universidade federal brasileira, universidades que em nome de uma igualdade ideológica e histeria política, há muito já anunciaram ser o passado brasileiro um legado que elas querem esquecer e vomitar. Será que algumas das vistosas piscinas olímpicas conseguirão suportar as lágrimas dos homens e mulheres, negros e brancos, aristocratas e plebeus, escravos e livres, ricos e pobres, que ontem foram incinerados com aquilo que restava de suas memórias?

Geralmente julgamos acertadamente ser a perda de um indivíduo como algo irreparável; a perda de um agrupamento de homens e mulheres que forjaram nossa terra, documentos, mapas, ossadas, ornamentos, arquiteturas e demais lembranças, é simplesmente uma tragédia inominável. O trepidar das chamas que ontem emudeceu a história brasileira, talvez seja a melhor expressão desse terror; para quem ama essa terra para além das direções ideológicas, das bandeiras partidárias e dos planos de gurus políticos, poucas coisas serão tão tristes.

A voz da nação está embargada, o nó na garganta é hoje um sentimento comum.

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