José de Alencar: Um nome que não pode ser esquecido, tampouco endeusado Parte I

Nenhum escritor teve em mais alto grau a alma brasileira. E não é só porque
houvesse tratado assuntos nossos. Há um modo de ver e de sentir, que dá a
nota íntima da nacionalidade, independente da face externa das cousas. (…)
O nosso Alencar juntava a esse dom a natureza dos assuntos tirados da vida
ambiente e da história local.

(Machado de Assis, A estátua de José de Alencar – Discurso proferido na cerimônia de lançamento da primeira pedra da estátua de José de Alencar-10 de maio de 1897)

Falemos de José Martiniano de Alencar Júnior, conhecido por muitos leitores apaixonados, e não tão apaixonados, por suas obras como José de Alencar. Filho de José Martiniano de Alencar, senador do império, e de Ana Josefina o jovem desde cedo teria condições de ascender ao palco tanto politico como literário. 

Jornalista, tendo ingressado nessa profissão em 1854 no Correio Mercantil, na seção “Ao Correr da Pena”, onde comentava acontecimentos sociais, estréias de peças teatrais, livros, que despertavam interesse do público e de uma crítica literária incipiente, e, como não poderia deixar de ser, questões políticas.

Em 1855 assumiu as funções de gerente e redator-chefe do “Diário do Rio”, onde publicou o romance Cinco Minutos, primeiro de muitos, em 1856.

Na sua autobiografia intelectual, Como e porque sou romancista, ele afirma:

Ao cabo de quatro anos de tirocínio na advocacia, a imprensa diária, na qual apenas me arriscara como folhetinista, arrebatou-me. Em fins de 1856 achei-me redator-chefe do Diário do Rio de Janeiro. 

É longa a história dessa luta, que absorveu cerca de três dos melhores anos de minha mocidade. Aí se acrisolaram as audácias que desgostos, insultos, nem ameaças conseguiram quebrar até agora; antes parece que as afiam com o tempo. 

Ao findar o ano, houve idéia de oferecer aos assinantes da folha, um mimo de festa. Saiu um romancete, meu primeiro livro, se tal nome cabe a um folheto de 60 páginas. Escrevi Cinco Minutos em meia dúzia de folhetins que iam saindo na folha dia pôr dia, e que foram depois tirados em avulso sem nome do autor. A prontidão com que em geral antigos e novos assinantes reclamavam seu exemplar, e a procura de algumas pessoas que insistiam pôr comprar a brochura, somente destinada à distribuição gratuita entre os subscritores do jornal; foi a única, muda mas real, animação que recebeu essa primeira prova

Bastou para suster a minha natural perseverança. Tinha leitores e espontâneos, não iludidos pôr falsos anúncios. Os mais pomposos elogios não valiam, e nunca valerão para mim, essa silenciosa manifestação, ainda mais sincera nos países como o nosso de opinião indolente. Logo depois do primeiro ensaio, veio A Viuvinha. (grifo nosso)

Alencar despertava seu interesse pelo jornalismo, considerando a advocacia uma experiência que lhe ofereceu uma base para galgar outros espaços. Serviria de fato bastante para a política, paixão esta que seria dividida junto à literatura. Bons advogados tendem a ser bons observadores e, a julgar pelo modo como representou a sociedade burguesa em Lucíola e Senhora, também podemos dizer que não foi desperdício seu tempo como advogado.

Não era incomum, todavia, observar um escritor envolto com a imprensa, tampouco perceber como esta ajudou na divulgação dos escritos de muitos autores. Nelson Werneck Sodré, na obra Historia da Literatura Brasileira, explica :

O aparecimento do romance e a sua vulgarização com o romantismo, no Brasil, assinala a conquista do público para a literatura. Está claro que o público deste tempo não é o mesmo de hoje: Recruta-se naquelas camadas que têm acesso à instrução, numa época em que esse acesso é uma condição absoluta de classe. Ao elemento feminino da classe dominante, cujos ócios permitiam dentro da restrição dos parcos conhecimentos destinados à mulher, voltar as suas atenções e preencher os lazeres com leitura, dirigia-se o romance sentimental que acabou por constituir a caricatura do gênero e que Macedo, por exemplo, salvou da perdição com a vulgaridade de seu pequeno realismo, debruçado sobre os detalhes. E ainda ao estudante, para qual o casamento representava um problema quase das mesmas proporções que representava para a mulher, A tais elementos vêm juntar-se, pouco a pouco, aqueles outros, pertencentes ao campo da embrionária classe média – comerciantes, funcionários, militares (…)

A tal público se dirigem os instrumentos de comunicação que o preparam para aceitar e apreciar o romance: O teatro e o jornal. (…) os espetáculos teatrais conseguem atrair as atenções do público disponível, são acontecimentos de relativa importância. (…) os dois que conquistarão as platéias, entretanto, são romancistas, Macedo e Alencar.

Nesse tempo, quando o interesse pelo teatro era grande, e atraía ele os pendores dos homens de outras letras, como os do próprio Machado de Assis, a atenção do público estava muito mais volta para o palco do que para o livro.

A influência exercida pela imprensa foi de caráter diverso, sem dúvida, e mais ampla, no tempo e no espaço. Foi em primeiro lugar uma influência técnica, material: a imprensa possibilitou o livro, em seu estado nacional primário. (…) Nas oficinas do Correio Mercantil, do Diário do Rio de Janeiro, da Marmota é que foram feitos os livros dos nossos escritores, quase sempre depois de ter o jornal publicado os mesmos em folhetim.

É com o folhetim, realmente, que o romance, entre nós, ganha grupos numerosos de leitores e define, pela aceitação, a presença de uma atividade literária ainda balbuciante que, antes disso, não conseguira afirmar-se e muito menos definir-se. O fato pode ser aferido da simples comparação do que era o romance, antes de encontrar a porta de divulgação que era o folhetim, e o que foi depois que encontrou correspondência entre os leitores. (grifo nosso)

Um novo grupo leitor surgia, a imprensa crescia e o ambiente para a divulgação da literatura para além do teatro estava pronto. Sobre O folhetim, o articulista Tito Barros Leal, no artigo POR UM PROJETO PARA O BRASIL: JOSÉ DE ALENCAR E A POLÊMICA EM TORNO DAS CARTAS SOBRE A CONFEDERAÇÃO DOS TAMOIOS, escreve:

Quando dizemos folhetim, estamos nos referindo a um gênero narrativo concebido na França, na década de 1830 por Émile de Girardin. Antes dele, folhetim denominava um tipo de suplemento dedicado à crítica literária e a assuntos diversos, normalmente publicados no rodapé do jornal. 

(…)

O romance-folhetim teve sua inauguração oficial em 5 de agosto de 1836, quando o La presse começa a publicar Lazarillo de Tormes em partes diárias. Porém Lazarillo de Tornes ainda era uma obra que não fora criada originalmente para ser publicada por pedaços em rodapés de jornais, como aconteceria em seguida. O folhetim faz sucesso e é incorporado à lógica capitalista, pois “publicar narrativas literárias em jornais proporcionava um significativo aumento de vendas e possibilitava uma diminuição nos preços, o que aumentava o número de leitores e assim por diante.” (PENA, 1996, p. 29)

(…)

No Brasil, antes de se serem publicados em jornais, os romances eram acessíveis a poucos. Aos leitores, o preço dos livros era proibitivo. As escritores era muito difícil publicar uma obra – o país quase não tinha imprensa, a publicação tinha normalmente de ser feita na Europa. Então o folhetim democratizou o acesso à literatura e serviu de estímulo para que muitos escrevessem, uma vez que lhes dava a possibilidade de publicação. Quase todos os grandes escritores brasileiros do século XIX passaram por jornais. Podemos citar alguns que entraram para o cânone, como Joaquim Manoel de Macedo, Raul Pompéia, Aloísio de Azevedo e Euclides da Cunha. No entanto, nem todos se adaptaram ao gênero folhetinesco. Ou seja, apesar de terem sido publicados em rodapés de jornais, nem todos empregaram estritamente as características folhetinescas. Tania Rebelo Costa Serra (1997, p. 21) faz uma diferença entre os dois tipos de romance: O romance em folhetim tem preocupações estruturais e temáticas que diferem das do romance-folhetim, mais voltado ao grande público em busca de diversão, embora esta não seja negada ao romance em folhetim. A diferença básica está nos objetivos literários: o romance em folhetim está sempre atento à sua organização interna, com vistas a uma unidade da estrutura narrativa necessária para seu valor estético, enquanto o romance-folhetim pode ir sendo construído no dia a dia até o total esgotamento da curiosidade do público, o que causa, freqüentemente, falhas nessa unidade. (grifo nosso)

Neste artigo, em outro momento, complementa:

O folhetim não só influenciou tecnicamente a formação dos romancistas nacionais, como proporcionou um espaço de experimentação para os romancistas já estabelecidos e deu aos ficcionistas a primeira experiência de popularidade e de sucesso nacional, servindo a muitos deles como o primeiro para a publicação de suas histórias em livros. (grifo nosso)

Sodré, na mesma obra citada anteriormente, mostra como Alencar bem se utilizou do folhetim: 

“(…) José de Alencar, utilizando o folhetim, lançaria as bases do romance brasileiro, sob todos os sentidos inclusive na intenção de realizar, com ele, em literatura, aquilo que a Independência realizara em politica, extremando-se até no esforço por uma autonomia da linguagem que não estávamos em condição de suportar.”

O romantismo assinala o momento onde a literatura brasileira busca mais profundamente ter raízes próprias, parte disso se deve a própria formação de nossa identidade nacional. Não éramos mais uma simples colônia, surgia uma classe intelectual e artística que não tinha formação e instrução em Portugal. A devoção e apreço aos grandes nomes da literatura latina, grega, francesa, inglesa, italiana, portuguesa fazem parte do cotidiano de leituras dos jovens aspirantes à escritores, contudo, o  nacionalismo dialoga fortemente com o romantismo em nossa terra. 

Buscava-se uma língua nossa sem a subserviência ao português de Portugal, a defesa de nossa soberania e o desenvolvimento econômico, politico e social. Tudo que o barroco e o arcadismo de melhor mostrou e construiu, esteticamente e conteudisticamente, o romantismo foi mais profundo graças ao seu intento de criar uma literatura nossa, embora nem sempre tão eficiente no seu realizar. 

O gramático Evanildo Bechara salienta sobre essa busca de Alencar, por uma língua que de fato representasse a cultura brasileira, no artigo JOSÉ DE ALENCAR E A CHAMADA LÍNGUA BRASILEIRA: 

 Alencar, em carta aos redatores da revista Lusa, datada de 20 de novembro de 1874, pronuncia-se desta maneira: ” Nós os brasileiros temos descurado inteiramente o máximo assunto da nacionalidade de nossa literatura; e por uma timidez censurável nos deixamos governar pela férula do pedagogismo português que pretende o monopólio da ciência e polimento de nossa língua ( . . . ) Somos nós, é o Brasil quem deve fazer a lei sobre a sua língua, o seu gosto, a sua arte e a sua literatura. Essa autonomia, que não exclui a lição dos mestres antigos e modernos, é não só um direito, mas sim um dever.”  (grifo nosso)

O nacionalismo de Alencar é bem colocado no seguinte trecho, presente no artigo JOSÉ DE ALENCAR NO DEBATE PELA RENOVAÇÃO DA LINGUAGEM LITERÁRIA E PELO USO DA LÍNGUA PORTUGUESA ABRASILEIRADA, do articulista Valdeci Rezende Borges:

Na visão de Alencar, se, num primeiro momento, os escritores da América, não achando na terra da pátria vestígios e tradições de uma literatura indígena, imitaram os modelos da metrópole e de outras nações com suas fórmulas consagradas, essa fase requereria uma superação, a qual estava em andamento. Para ele, “¹o escritor verdadeiramente nacional acha na civilização de sua pátria, e na história já criada pelo povo, os elementos não só da idéia, como da linguagem que a deve exprimir.” Os americanos do Norte já se haviam emancipado da “tutela literária da Inglaterra” e chegaria a vez dos espanhóis e brasileiros (ALENCAR, 1960, p. 960). Pensando a literatura, a história, a língua e a linguagem como armas políticas de emancipação cultural ao domínio das antigas metrópoles, José de Alencar defendia a “revolução” que ele observava em curso no cotidiano da sociedade brasileira contra a imitação dos “modelos da metrópole”. Esse processo estava ligado à independência nacional, ao analfabetismo, ao tamanho do mercado de impressos e de circulação de livros. Assim, quando contássemos mais leitores frente aos analfabetos e tivéssemos para nossos livros a circulação que davam os Estados Unidos aos seus, “nenhum escritor brasileiro se preocupar[i]a mais com a opinião que dele formar[iam] em Portugal”. Ao contrário, seriam os escritores portugueses que se afeiçoariam a nosso estilo, para serem entendidos do povo brasileiro e terem esse mercado para derramarem seus livros (ALENCAR, 1960, p. 961). (Frifo nosso)

Em outro trecho do artigo cita:

Conforme Alencar, no ensaio “O nosso cancioneiro”, também de 1874, a “literatura militante” busca edificar uma obra brasileira, com uma língua portuguesa abrasileirada, aprendida com o povo, na luta contra a “expatriação literária” e deveria captar “a alma brasileira”. Assim, combateu para formar a “literatura brasileira” com “alma” e “individualidade própria”, opondo-se ao “espírito de colonização literária” por parte dos escritores portugueses e à submissão ao “outro lado do Atlântico”. Nesse exercício intelectual missionário, o romance, como um dos “monumentos” da nação, deveria se apegar às feições da língua particular esboçada na experiência social do povo falante, expressa numa linguagem adequada ao tempo moderno, com sua rapidez e seus temas. Desta forma, se desbravaria o campo defendido “pelos literatos de rabicho” contra a formação da nacionalidade brasileira. Portanto, sua obra é “militante” e um “monumento” erguido na celebração de uma literatura nacional e na ânsia por se diferenciar da “literatura mãe” (ALENCAR, 1960, p. 961, 964, 972, 982 e 983).²

Inteligente, astuto e de um nacionalismo formidável, Alencar, de fato, foi uma grande brasileiro, dito isso, contudo, não podemos afirmar que foi um grande escritor. Político foi de grande sucesso, embora seu sonho de coroar sua carreira politica com o titulo de senador, foi destruído graças a D.Pedro II. Polêmico, sim, e muito, travou batalhas onde muito do seu gênio e ego foi revelado. 

Ao longo de sua vida muitos foram os confrontos de idéias, inclusive com Joaquim Nabuco.

1. ALENCAR, José de. Questão filológica. In: ALENCAR, José de.         Obra completa. Rio de Janeiro: Ed. José

Aguilar Ltda, 1960. p. 939-961.

2.ALENCAR, José de. O nosso cancioneiro. In: ALENCAR, José de. Obra completa. Rio de Janeiro: Ed. José Aguilar Ltda, 1960. p. 961-9.

Bibliografia :

ALENCAR, José de. Como e por que sou romancista. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000311.pdf#:~:text=%E2%80%9CComo%20e%20Porque%20Sou%20Romancista,em%201893%2C%20pela%20Tipografia%20Leuzinger.  Consultado em: 28 de Abril de 2021

BARROS LEAL, Tito. Por um Projeto para o Brasil: José de Alencar e a Polêmica em torno das cartas sobre a Confederação dos tamoios.  Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/embornal/article/view/3181/2695. Acesso: 10 de Maio de 2021

Bechara, Evanildo. José de Alencar e a chamada língua brasileira. Disponível em: http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/2950/1/1979_Art_EBechara.pdf Acesso em: 10 de Maio de 2021

REZENDE BORGES, Valdeci. José de Alencar no Debate pela Renovação da Linguagem Literária e pelo Uso da Língua Portuguesa Abrasileirada. Disponível: http://www.ileel.ufu.br/anaisdosilel/wp-content/uploads/2014/04/silel2009_gt_lt13_artigo_5.pdf . Acesso em: 13 de Maio de 2021.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Literatura Brasileira. 9 edição Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.1995

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Carlos Alberto Chaves P. Junior

Carlos Alberto Chaves P. Junior

Graduado pela Universidade Federal de Pernambuco ( UFPE) em letras desde o ano de 2008.

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