Imagem: Reprodução

A culpa é do Playstation

Em menos de 10 horas já havíamos achado o culpado pela tragédia de Suzano. Somos sensacionais. Sim, Mourão — o conservador favorável ao aborto, o queridinho da esquerda midiática, o homem da diplomacia de valores — já deixou entender que o culpado da barbárie de Suzano é o videogame. O mundo era extremamente feliz e pacato até o início da década de 1970, com o advento dos videogames. Após isso(?), só destruição, carnificinas e matanças. Saudades daqueles anos sossegados, daquele interregno de calmaria mundial entre 1900 a 1960. Maldito seja o Playstation, Mega-Drive e Nintendo.

Em poucos minutos — enquanto algumas vítimas ainda estavam morrendo — alguns investigados e opinadores de óbitos já derramavam suas biles políticas. Na direita muitos já haviam decretado que a culpa era do Estado por não permitir guardas armados nas escolas, ou pelo fato de os professores estarem desarmados; na esquerda, pessoas como Lula, Gleisi Hoffmann e Guilherme Boulos já haviam cravado indiretamente que a culpa era de Bolsonaro — o que não é culpa do homem, não é mesmo? —, afinal ele flexibilizou a posse de armas. Politização de tragédias, poucas coisas são tão abjetas.

Na cabeça do ativista desarmamentista de plantão, por exemplo — aquele que diuturnamente espera com um sorriso de soslaio, cabeça baixa e mãos “esfregantes”, o próximo cadáver fresco que louvará a sua ideologia, que servirá de púlpito para sua luta política vadia. Para ele é tão claro quanto o dia que os assassinatos em Suzano é culpa da facilitação do acesso à posse de armas; afinal, os dois atiradores:

  • – fizeram curso de tiro;
  • – teste psicológico;
  • – teste de aptidão;
  • – pediram o porte a Polícia Federal (estavam armados na rua);
  • – comprovaram residência física;
  • – idade superior a 25 anos;
  • – emprego fixo;
  • – tiraram atestado de antecedentes criminais;
  • – compraram cofres para guardar armas;
  • – compraram armas legais;
  • – e registraram as armas em seus CPF’s.

Tudo isso para entrarem em uma escola estadual, matarem adolescentes aleatoriamente e depois também se matarem. O Estado falhou em retirar armas ilegais de circulação? O desarmamento é apenas um conceito acadêmico amorfo que falhou miseravelmente no Brasil dos 60 mil assassinatos ao ano? Não! A culpa é do presidente que está há 3 meses no cargo.

Genial.

Em suma, se eu pudesse resumir a mentalidade de desarmamentistas e armamentistas, assim como a justificativa patife de Mourão, se trata da ideia de que o demônio é sempre o outro, a culpa é sempre do terceiro, do bode. Nunca somos nós os seres imbuídos de uma constituição falha, nunca somos nós as antas que constantemente fazemos leituras erradas da realidade empurrados por sentimentos, tendências e orgulhos. Sequer passa pela mente do afegão moderno que os homens, incluindo eu e você, somos todos intrinsecamente maus; que a nossa matéria barrosa é quebradiça, que a barbárie que vezes ou outra dá o ar da graça no mundo pragmático, constantemente se digladia em nosso interior.

Somos os indivíduos que ajuda o cego atravessar a rua, mas também aqueles que já pensaram em matar alguém só pelo prazer de matar, ou por impulso de um momento de vergonha ou humilhação; somos aqueles que passam anos nas universidades e dedicam a vida toda em nome de um projeto que supostamente trará a paz mundial, mas em casa, não rara vezes, somos aqueles que fazem de nossas esposas um saco de pancadas; somos aqueles que choram ao ver o filme A paixão de Cristo, mas que também assistem Jogos mortais para satisfazer a ânsia demoníaca por carnificinas gratuitas que a nossa psique doentia por vezes nos pede. A jararaca que conversou com a suscetível e fraca Eva, é a mesma “serpente [que] habita nossa alma” (PETERSON, 2018, p. 47).

Eu posso ver, sim, eu posso enxergar nesse momento a sua cara de asco olhando para este texto, desviando o olhar para os lados, um tanto quanto perturbado e até mesmo envergonhado. Mas fique calmo, essa tensão, esse Yin Yang, que habita nossas almas é algo universal. Não tem sequer um santo na face da terra que não passe por tais conflitos. Jordan Petrson, Psiquiatra e pensador canadense, assim falou sobre tal conflito da alma:

“Apenas o homem infligirá o sofrimento para fins de sofrimento. Essa é a melhor definição do mal que já consegui formular. Os animais não são capazes disso, mas os seres humanos, com suas habilidades semidivinas de causar sofrimento, muito provavelmente, são. E com essa percepção temos praticamente uma legitimação a ideia muito impopular nos círculos intelectuais modernos do Pecado Original. E quem ousaria dizer que não há o elemento da escolha em nossa transformação evolutiva, individual e teológica? Nossos ancestrais escolheram seus parceiros sexuais e os selecionaram pela… Consciência? E a autoconsciência? E o conhecimento moral? E quem pode negar que o senso de culpa existencial permeia a experiência humana? E quem poderia deixar de notar que sem essa culpa — esse senso de corrupção inerente e a capacidade para fazer o mal — o homem fica um passo da psicopatia”? (PERTERSON, 2018, p. 56)

E esse pecado — não mais tão original por tantas vezes cometido —, é algo que constantemente guerreia contra a centelha divina que habita em algum canto escondido de nossas essências. Essa busca por espaço e ressonância é uma batalha constante em nossas vidas; afugentar e afogar nossos demônios, e ao mesmo tempo ampliar o Deus em nós, é a tarefa que a humanidade está tentando fazer desde quando, nas cavernas da África, nossos parentes meio-macacos desenhavam os seus deuses e a fim de que o medo de algo supremo os colocasse nos prumos morais adequados. A nossa esperança — calada, inconfessa — é que de onde abundou o pecado, tenha depois superabundado a graça (Romanos 5, 20).

Mas parece que a casta dos armamentistas e dos desarmamentistas — além da casta relativamente nova dos inimigos do videogame — já encontraram os culpados da tragédia de ontem (13/03). Não que a polícia não deva pesquisar as motivações, aquilo que serviu de impulso último para que os JÁ loucos demonstrassem a extensão de suas loucuras; para que aqueles que, já plantados no terreno mal, só exibissem ao mundo os frutos podres dessa colheita que há mais de dois mil anos é estudado sistematicamente.

Falta metafísica aos analistas, criminologistas e aos papa-defuntos da esquerda e direita. Mas creio que, mais do que metafísica, a muitos analistas faltam caráter mesmo; a boa e velha “honra”. Eu simplesmente não respeito quem politiza cadáveres, aqueles que sequer esperam os corpos esfriarem e já montam seus comícios se utilizando das feridas ainda abertas e sanguinolentas. Tem gente que fede moralmente.

O mal é intrínseco, mas o mau caratismo tem mais a ver com escolhas conscientes; se é verdade que não escolhemos ser pecadores, ontem, mais uma vez, muitos deliberadamente escolheram ser canalhas.

 

Referência:

PETERSON. Jordan. B. 12 regras para a vida: um antídoto para o caos, Alta Books: Rio de Janeiro, 2018

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As posições expressas em artigos por nossos colunistas, revelam, a priori, as suas próprias crenças e opiniões; e não necessariamente as opiniões e crenças do Burke Instituto Conservador. Para conhecer as nossas opiniões se atente aos editoriais e vídeos institucionais

Pedro Henrique Alves

Pedro Henrique Alves

Filósofo, colunista do Instituto Liberal, colaborador do Jornal Gazeta do Povo, ensaísta e editor chefe do acervo de artigos do Burke Instituto Conservador.

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