Capa e Contracapa: a perda da noção de proporção.

Eu não sou tão velho assim. Meus amigos me dizem o contrário. Pela minha idade eu ainda estou bem novo. Eis então o ponto crucial: não estou velho. Agora, tratando de ser, sim…eu sou velho. Velho no sentido de antiquado? Talvez. Mas meus costumes muito diferem da atual juventude. E vale dizer que a diferença de mim para a “juventude” não passa de 15 anos. Isso me leva a crer que o mundo está mudando. E as mudanças crescem em velocidade e frequência, e as diferenças não são mais sutis, são grotescas. Este texto trata de algo que se apresenta a este autor. Uma completa falta de proporção entre emoção e razão.

A lógica, segundo Olavo de Carvalho em Aristóteles sob Nova Perspectiva, é o último estágio do discurso e do pensamento, sendo a percepção o primado de tudo. Através de nossos sentidos físicos – o tato, o paladar, a visão, a audição e o olfato – é que começamos a travar contato com a realidade do mundo. A partir disto entramos em um processo retórico e posteriormente dialético para então chegarmos a um axioma, a uma verdade irrefutável. Todavia mesmo após chegarmos a uma conclusão lógica não deixamos de ainda valer-nos de nossos sentidos. A lógica por si mesma é abstrata, mas só se torna real se ainda estiver vinculada à realidade concreta identificada pela percepção. Essa proporção é deveras importante, pois dela depende a própria noção de realidade. 

Ortega y Gasset já alertava, em O que é filosofia?, que “Desde Decartes, de fato, a filosofia, ao dar o primeiro passo vai na direção oposta aos nossos hábitos mentais, caminha na contramão da vida corrente e se aparta dela com movimento uniformemente acelerado, até o ponto de em Leibniz, em Kant, em Fitche ou em Hegel a filosofia chegar a ser o mundo do avesso, uma magnífica doutrina antinatural que não pode ser entendida sem iniciação prévia (…) O pensamento tragou o mundo: as coisas viraram meras idéias.” Reflexos desta exacerbação da racionalidade são sentidas até hoje. O triste fim de tais ideologias que idealizam um futuro que não acompanha a marcha dos fatos concretos.

O inverso também é verdadeiro. A devoção às paixões leva o ser humano a atos que beiram à irracionalidade. Isso se transmite na literatura, no jornalismo e nas áreas do entretenimento. Certa vez eu conversava com a minha esposa sobre como os trailers podem ser melhores que os filmes. Isso porque os trailers cumprem a função apelativa que visam a dar mais audiência às “telonas”. Eu, particularmente, fiquei muito empolgado para ver o filme Star Wars episódio IX: A Ascensão Skywalker. No entanto, após ver o filme, fiquei decepcionado, pois esperava muito mais dele. Foi quando notei que o trailer era muito melhor que o próprio filme. Isso vem acontecendo com certa frequência. Talvez os jovens de hoje sintam a mesma decepção quando, abusando do frenesi de uma noite balada, onde as emoções realmente vêm à flor da pele, no dia seguinte sequer lembram como conheceram a pessoa com quem passaram a noite. Às vezes nem mesmo do nome se recordam.

No jornalismo a coisa é bem mais aparente. O emprego da palavra com excesso de significância em detrimento de seu significado real é prática quase que obrigatória. O que vale é o sentimento que a manchete suscitará no leitor e não o seu conteúdo. A prática é realizada deliberadamente a ponto de nem se notar que no próprio texto podemos encontrar milhões de contradições e argumentos que refutam a própria manchete. A coisa vai piorando até que se use até uma girafa na mata em chamas para representar incêndios na Amazônia. Uma completa desconexão com a realidade.

 Se podemos nos entregar inteiramente a uma das vertentes desta dualidade do Ser, devemos procurar uma proporção entre ambas. Raymond Aron acreditava que o pragmatismo e o idealismo não eram opostos e sim complementares. Eu concordo com ele. Devemos saber sonhar sem tirar os pés do chão. Esse caminho entre ordem e caos, entre razão e emoção, entre fúria e tradição é o que nos levará a sermos melhores. Ou, pelo menos, mais coerentes com a nossa realidade.

Quando for comprar um livro, não o faça somente pela beleza da capa. Também não se atenha somente à descrição na contracapa. Ambas devem ser analisadas. Pois o que mais interessa está entre essas duas partes.

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