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O conservadorismo tem problemas?

O meu último assunto abordado no Instituto Liberal (o tema foi dividido em um texto com uma primeira e uma segunda parte) trata de um problema essencial dentro do conservadorismo burkeano. A prudência, tão cara para Burke e seus seguidores, possui uma inabilidade de consertar certos problemas que demandam atitudes rápidas, graças à sua lentidão. É certo, como bem escrevi, que ser prudente não é sinônimo de ser lento, porém o conservadorismo tem seu mote em conservar tradições e cosmovisões, além de estruturas e instituições, componentes do tecido cultural e social de algum povo – essa conservação, quer queiramos ou não, acaba criando reformas (ao menos, aquelas que interfiram profundamente na dinâmica social, como o exemplo da escravidão brasileira) que apenas prolongariam certas situações críticas que fere o cerne do Homem.

Meu apontamento sobre esse defeito do conservadorismo, contudo, entende que para certos problemas sociais não há uma solução totalmente correta ou limpa. O Homem é o problema e não somos perfeitos para criarmos uma sociedade boa o suficiente para resolver algumas de suas querelas sem injustiças. Edmund Burke, como o conservador que era, desacreditava em utopias, portanto a resposta Burkeana às loucuras revolucionárias francesas não se propõe como um encantamento mágico que consertaria todo o mal na política e nos costumes. O conservadorismo tem falhas e elas devem ser observadas e consideradas.

Tradições podem ser mazelas e inovações podem ser virtuosas. O problema do conservadorismo é que, apesar de estar correto quanto ao componente natural de que toda a sociedade precisa se conservar; malgrado de ter acertado a respeito, também, dos mortos fazerem parte de qualquer sociedade, onde o legado das eras passadas não pode ser simplesmente jogado no lixo, é verdade que nossa herança institucional e cultural ainda pode ser maléfica, podendo até mesmo ser um peso para um progresso real: se o conservadorismo tem um problema, é este.

Não confundamos, no entanto, tais problemas como o reacionarismo ou o tradicionalismo, onde o mesmo defeito pode existir, mas em proporções extremamente maiores. Esses dois movimentos simplesmente dilaceram a realidade contemporânea em troca de uma visão idílica do passado, não aceitando ou até mesmo desprezando avanços e mudanças que beneficiaram a sociedade – ou que simplesmente são preciosas para a dinâmica social atual.

Um tradicionalista, por exemplo, enxerga com brilho nos olhos o corporativismo moderno (que ele acredita ser medieval…) e uma interação social, fora um tipo de economia antiga, que seriam maléficos atualmente. O dano que se causaria ao Homem Contemporâneo a substituição de uma produção industrial em massa por uma que seria administrada por famílias autônomas no campo e nas cidades, possivelmente, seria comparável aos períodos de fome do regime soviético, por exemplo. Quem defende a existência de normas corporativistas na atualidade normalmente não se inclui nas propostas que tanto ama, se assemelhando ao bom e velho burguês socialista, em sua incoerência. Se ele for dono de um comércio, por exemplo, será que ele percebe que o que irá gerir a expansão e a influência do seu negócio, na realidade, não será apenas ele, mas uma tradição familiar e a corporação que ele está incluso? Se ele possuir uma padaria, digamos, será que não notará que ir para um distrito, onde a família X controla as padarias há gerações, pode ser uma tarefa impossível? Ele também se esquece de que, se quiser criar um setor de uma confeitaria em seu estabelecimento, talvez se mostre impedido por conta da não-permissão de sua corporação e de outra, a dos confeiteiros?

Como podem notar, o contrassenso do tradicionalista é uma espécie de utopia (ou semi-utopia) invertida. Parecem revolucionários ao avesso, tementes às coisas que já não pertencem ao nosso período e que, se implantadas, causariam caos por conta da condição do mundo atual. Burke, claro, não compartilhava desse defeito. Era um anti-abolutista, por exemplo, assim como preferia dialogar a recorrer cegamente ao peso da autoridade da tradição, no Parlamento.

Mas a prudência, bem como o demasiado zelo pelo passado, podem ser problemáticos. Se a lei X tem trezentos anos de existência, essa duração considerável pelo tempo é, por si só, uma garantia para validar essa lei? O conservador sabe muito bem que não, mas o mesmo conservador, por ser conservador, tem uma linha guia que pode incliná-lo a defender uma lei por seu passado, pelo fato de ela ter capilaridade na sociedade e como esse passado interage com o presente.

De certo que não é um problema necessariamente decorrente em todos os casos, com todos os conservadores, porém, é uma possibilidade, para além daquela apresentada dentro dos meus textos no Instituto Liberal. O conservadorismo consegue ser elástico para a inovação e, claro, ao se tratar de indivíduos conservadores podemos ter respostas variadas, podendo, ou não, serem mais ou menos inclinadas para a preservação do passado. A cegueira que pode ser produzida pelo princípio de conservação tem sua relatividade, o que não exclui sua existência.

Colocando tudo o que apresentei anteriormente “na mesa”, só podemos ter uma certeza: o conservadorismo não exige perfeição social ou política e, ao mesmo tempo, não pode dar tal perfeição. É impossível, para qualquer pauta ou pessoa, escapar das vicissitudes do mundo. Por vezes, passar a navalha em certas características tradicionais e influentes no cotidiano e costumes da população, mas ainda assim más e erradas, terá que ser a resposta correta – por mais que essa navalha preparará um terreno que, uma vez porcamente nivelado (já que tal navalha, muitas vezes, nunca terá um fio adequado para o trabalho), será desordenado e problemático.

Burke não teve as respostas para tudo. Seu trabalho não se resume a um manual político, uma ideologia e tampouco a um manifesto. O conservador deve ter isso em mente, se quiser ter uma postura sensata e correta.

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As posições expressas em artigos por nossos colunistas, revelam, a priori, as suas próprias crenças e opiniões; e não necessariamente as opiniões e crenças do Burke Instituto Conservador. Para conhecer as nossas opiniões se atente aos editoriais e vídeos institucionais

Hiago Rebello

Hiago Rebello

Graduando em História, Licenciatura, pela Universidade Federal Fluminense, colunista do Instituto Liberal e do Burke Instituto.

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