Imparcialidade é uma ova: uma análise das análises políticas

Com a mentalidade moderna, herdada das placas sempre revitalizadas do iluminismo francês do século XVIII, aprendemos que para pensar política, antes de mais nada, deveríamos dizer de qual ideologia somos adeptos e quais as bandeiras que previamente defendemos. A isenção se tornou um grande engodo contado por professores de jornalismo que estão cientes de que não acreditam nela.

Mas até então, ser parcial não é lá um grande problema para os jornais, sempre existiram editoriais que abertamente defenderam pautas mais progressistas ou mais conservadoras; não raro, os jornais se engajam em causas comuns e até defendem pautas polêmicas. A Folha de São Paulo abertamente defende a legalização do aborto; a Gazeta do Povo francamente é contrária ao aborto; e, agora mesmo, a Jovem Pan está declaradamente apoiando a reforma da previdência proposta pelo atual governo.

O problema real da parcialidade está quando não se busca mais sequer a realidade dos fatos, e, por vezes, deliberadamente torcem a realidade para que ela endosse algumas dependências ideológicas. Fazem verdadeiros contornos retóricos a fim de privilegiar narrativas em trocas de aplausos militantes.

E por que isso é um problema? Pelo fato de que, quando analisamos e criticamos em busca de afagos políticos e endossos militantes, a realidade deixa de ser o foco, e toda sorte de mentiras e distorções começam a gerir a sociedade num cataclisma interpretativo bizarro. Transformando obviedades e fatos em dados relativos aos olhos de colunistas e editores.

Ora, estamos num país no qual precisamos explicar ao direitista porque foi errado o exército fuzilar o carro de um músico inocente; o mesmo país que é preciso explicar ao universitário militante que, se dizer humanista usando uma camisa de Che Guevara é, no mínimo, hipocrisia.

O óbvio passa a ser ofensa contra as pseudoverdades construídas a partir distorções grotescas da realidade; uma espécie de miragem lapidada por mil teses de doutorandos que não encontram correspondência na mera observação despolitizada dos fatos. Uma análise política que parte de dogmas pré-fabricados por ideologias, sequer são análises em stricto sensu; são apenas peças de um grande pote de Lego cuja partes constroem, a partir de uma imagem estática, os objetos que a ideologia de estimação de cada escritor e comentarista tenta nos vender como sendo o “puro creme” do diagnóstico intelectual.

Quando então a inteligência se torna instrumento de lacração, o conhecimento é expurgado do campo das possibilidades. Cada fala se torna dependente de aplausos; cada reflexão fica cativa de “likes” ou “retweets”; cada texto fica subjugado às bênçãos dos bons comentários. Desta maneira, paramos de buscar o entendimento da realidade enquanto tal, passando a encaixá-la previamente nas ideias fofas que minha patota de estimação gosta.

Mas não sou nenhum hipócrita crente em utopias, na verdade, sou um natural cético frente às capacidades humanas. O homem não é perfeito. e não sendo perfeito, é completamente suscetível a engajamentos ― voluntários ao não ― em correntes políticas que o tenciona despoticamente a ser parcial em seus julgamentos. Talvez aquela imparcialidade angelical, pura e virginal, de fato seja uma utopia, assim como pode parecer a bondade sem remorso dos santos; mas a essência do belo, da verdade, do bom, são valores tão nobres de serem buscados que, ainda que nunca alcançados, a mera tentativa de aproximação delas já nos dignificariam e nos deixariam mais virtuosos.

Ou seja, ainda que a completa isenção na análise política seja quase ficção, isso não muda o fato de que contorcer a realidade para embarcar apoios às posições políticas preferidas, sublimar e amassar o real para promover ideologias, seja pura e simplesmente canalhice. Um ato de puro mau caratismo. Me parece que sequer buscamos a sinceridade opinativa, apenas somos torcedores histéricos, meninas carentes num cabaré cuja missão suprema é agradar nossos clientes.

A atual análise política, no Brasil, é justamente isso: um grande bordel, no qual agradar e cultivar afagos é a melhor maneira de conseguir dinheiro e apreço. Desta maneira, posso não ser o mais isento dos analistas, mas tento sê-lo com toda sinceridade que tenho; posso não ser o melhor opinador, mas nunca vendi minhas análises em troca de sorrisinhos e tapinhas nas costas. Quando fazê-lo, espero sinceramente estar com pouca sanidade, ou bêbado o suficiente para que no dia seguinte eu possa justificar essa vergonha.

Por fim, já pararam para pensar que num mundo de mentes extremistas, se o fato estiver no entremeio, ninguém o achará. Isso é muito triste para qualquer democracia; e é o atual paradoxo dos analistas políticos brasileiros.

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Pedro Henrique Alves

Pedro Henrique Alves

Filósofo, colunista do Instituto Liberal, colaborador do Jornal Gazeta do Povo, ensaísta e editor chefe do acervo de artigos do Burke Instituto Conservador.

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