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Estado totalitário

Mística e Política: O diagnóstico de um problema

Como se sabe e se vê, atualmente, a política ocupa um lugar destacado na vida da sociedade ocidental. Há uma ideia de politização de tudo, desde a educação dada pelos pais aos seus filhos, passando pelo ensino nas escolas até a escolha daquilo que deve ou não ser uma ação afirmativa no campo das mais variadas crises, a exemplo das ações de combate ao novo coronavírus. Claro, isso não quer dizer que esse seja o modo certo de conduzir a vida e as coisas. Pelo contrário, nem tudo é poder, nem tudo se baseia pura e simplesmente em uma relação de poder.

Tal situação, da politização de tudo, tem provocado inúmeros prejuízos à saúde das relações em qualquer âmbito da sociedade. A chave da política tem sido utilizada para abrir forçosamente as portas de outras áreas da vida, arrombando-as e desconfigurando-as em seu estado natural, na tentativa de atender os anseios de transformação característicos de uma falsa ideia de progressismo a qualquer custo. Ao se pretender buscar a possível raiz desse problema, a contribuição do padre e professor Lima Vaz (1921-2002) na obra Experiência Mística e Filosofia na Tradição Ocidental, se apresenta como uma tentativa de esclarecer o porquê da sanha contemporânea pelos desejos irrefletidos de politização.

Lima Vaz, assim como outros grandes eruditos brasileiros, denunciou o seu tempo como um tempo de deterioração semântica, isto é, do desgaste e confusão acerca do uso e significado das palavras. Vários exemplos podem ser dados, dentre eles, o uso equivocado das palavras Tradição, Ética e Mística. A palavra Tradição normalmente é utilizada para se referir a algo ultrapassado; o uso da palavra Ética tem sido altamente subjetivado e relativizado; a palavra Mística tem sido banalizada dando ares de sobrenaturalidade a qualquer ação no mundo da vida.

Pois bem, o que a confusão acerca do uso das palavras tem a ver com o problema da politização de tudo? A resposta, conforme aponta Lima Vaz, pode ser encontrada na captação da mística pela política. Explico.

A experiência mística e a experiência política são experiências distintas. A primeira atua em um lugar além da razão, cujo objeto intencionado é o próprio Absoluto, a partir da transcendência, ou seja, da busca de algo que está para além das coisas e relações próprias da vivência mundana. Já a segunda, refere-se à vida em comunidade tornada possível pelo consenso racional, das leis livremente aceitas e dos direitos e deveres em que a comunidade se submete de forma isonômica. Logo se percebe que a experiência mística possui uma abertura ao Absoluto ao passo que a experiência política possui uma abertura para o Outro – o individuo pertencente à comunidade.

Aqui é possível propor o diagnóstico do problema apontado que acomete a sociedade ocidental, qual seja, da tentativa de ter por Absoluto determinadas facetas da existência que são transitórias e finitas. A política, neste caso, tem sido praticada visando transformar os aspectos de ordem material e contingente em objetos que visam à satisfação transcendente – características do humano – de apelo ao Absoluto.

A ideia de a mística estar a serviço da política praticamente transformou a política em religião. Eis a razão de alguns eruditos em todo o Ocidente escreverem e apontarem os problemas relativos à prática moderna das religiões políticas que, em muito, se deve à ideia de religião civil em Rousseau. Assim, a política, própria do fazer da pólis ou da cidade dos homens – em oposição à cidade de Deus – apoderou-se da mística para dar cabo à satisfação da necessidade humana de preenchimento do vazio existencial constitutivo de seu ser.

De forma intencional ou não, esta mistificação do fazer político levou muitos intelectuais a defender a politização de tudo como resposta ao anseio existencial e essencial que remete ao Absoluto. As poderosas energias psíquicas e espirituais do ser humano – da busca transcendente pelo Absoluto – foram equívoca e perigosamente desviadas para os desígnios de poder da prática política. A pseudosolução, portanto,para aquietar a alma humana angustiada foi desviada das mãos do próprio Criador para a sua criatura.

Diante disso, é fato inegável que o ser humano não pode viver sem Absoluto, seja ele verdadeiro, sejam os falsos, diria Santo Agostinho. Enquanto a sociedade pós-moderna se voltar para a mistificação da política ao intencioná-la como a única chave para a resolução dos dilemas humanos, infelizmente, ela ficará como um cão que, dia após dia, corre desnorteado atrás do próprio rabo em vão.

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Jocinei Godoi

Jocinei Godoi

Mestrando em Ciências da Religião pela PUC-Campinas-SP. Formado em Teologia pelo Seminário Teológico Batista Independente de Campinas-SP e em Filosofia pela PUC-Campinas-SP

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