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Por que a esquerda não funciona?

Introdução:

Diz a lógica que nunca existirão premissas falsas que gerarão conclusões corretas, justamente porque os pilares de sustentação de uma argumentação, edifício ou qualquer outra construção abstrata ou material, não resistem quando as bases são (ou estão) corrompidas, ou até mesmo são inexistentes para além de uma retórica fantasmagórica. A esquerda possui esse mesmo esqueleto de problemas; seu principal problema é estar alicerçado de maneira indelével na ideia de que a luta de classes, difundida com maior ressonância pelo alemão Karl Marx no século XIX, é o motor da realidade. Não obstante, seu “motor ideológico” não passa de pedais de monociclo. Karl Popper, por exemplo, um dos maiores filósofos de nosso tempo, chamou tal teoria marxista de “pseudociência” em seu livro: Sociedade aberta e seus inimigos.

Por mais sucinto que Fréderic Bastiat tenha sido em seu livro: A lei, no qual tratou desta mesma temática, ele levou em média de 100 páginas para coalizar suas críticas num bom tomo; sendo assim, não serei arrogante de pensar ser possível findar a temática neste ensaio, todavia, somos crentes que poderemos fazer bem o papel de introdução ao assunto.

 

A Luta de classes como o deus dos observadores caolhos:

Baseado no sistema dialético hegeliano de: tese + antítese = síntese; Marx imanentizou a teoria de Hegel em seu materialismo histórico, passando a acreditar que tinha encontrado a chave-mestra para entender toda a realidade humana através luta de classes sociais. Nesse ímpeto, acreditou o alemão ter chegado à verdade de que a realidade sempre se moveu a partir da opressão dos donos do poder econômico e político realizada a partir da submissão dos oprimidos (tese) > dessa situação, por sua vez, surge a revolução dos oprimidos contra os opressores, derrubando-os do poder pela força do despotismo e tomando o Estado pelo poder do proletariado (antítese) = por fim, emergiria a sociedade comunista e igualitária (síntese). Essa era, em suma, a esperança de Karl Marx enquanto ainda vivia; sendo também, ainda hoje, o esqueleto geral das esperanças socialistas viventes e camufladas em mil ideias pululantes. A luta de classes foi, então, para os adeptos do socialismo, erigida como o farol único de observação política, econômica e filosófica da realidade; a chave que abre qualquer porta emperrada do conhecimento humano.

Não seremos imprudentes e cegos em negar a realidade de um embate histórico entre poderosos e vassalos, nem obnubilar que muitos indivíduos de fato passaram por opressões severas e desumanidades inimagináveis; mas também não seremos os tolos que acreditam que tal situação é o motor da história, ou aquilo que determina as tonalidades das ações individuais e coletivas da humanidade. Como bem retrata G. K. Chesterton em seu livro O Homem eterno, há milhões de coisas que movem homens e sociedades a tomarem certas atitudes em detrimento de outras; erigir a luta de classes como o ex nihilo da humanidade é como colocar o cotovelo como propulsor da fisiologia humana.

Desse front dogmático de análise, a esquerda constrói todo o seu mundinho que há-de-vir, ignorando todos as outras hastes que firmam a realidade; é o mesmo que criar uma bolha de ideias e querer, a partir dessa redoma, irrigar toda a realidade com as suas inferências parciais, caducas e simplesmente caolhas.

Todavia, como posso eu pensar de maneira sensata que o ato de um pai que saiu de manhã para comprar uma bola de futebol como presente de aniversário para o seu filho, é, na verdade, um ato de relações de poderes em que há um opressor e um oprimido? Karl Marx em seu último livro: A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pinta o matrimônio como uma instituição que está firmada no domínio do homem possuidor de bens, frente à mulher escravizada por sua dependência material do homem.

 

Nem tudo é luta de classes:

Para os marxistas, o amor per se nunca é possível, ele é sempre dependente de um intercambio entre poder e opressão; talvez por isso que tiveram que reaver a teologia cristã a partir de seus moldes materialistas; afinal, é inconcebível na mente materialista que a cruz do Cristo seja “meramente” um símbolo de entrega gratuita, amorosa e desinteressada por um fim nobre de redenção espiritual da humanidade. Tal fato é um escândalo para quem aprendeu que até mesmo o ato de trocar o chuveiro do banheiro da Dona Neusa do apartamento de cima não passa de uma relação de opressores e oprimidos.

Uma pessoa escravizada por uma ideologia e dependente de seus dogmas, não consegue enxergar além daquilo que foi programada para ver; por isso que, conceber que um “muito obrigado”, uma gentileza no ônibus ou o simples mandar flores no dia dos namorados, para tais indivíduos não passa de atos de opressão e reafirmação de poder social.

 

A hermenêutica do todo:

E aqui cabe uma consideração, como a realidade sempre se impõe às ideologias — ainda que tentem sublima-la — os doutos marxistas tiveram que reavaliar seus moldes de ação e doutrinação, pois a guerra e o discurso ditatorial não estavam surtindo efeito para a revolução mundial profetizada por Marx, Lênin, entre outros. Vendo a dificuldade de ação no meio militar e econômico, a solução foi começar a atuar de maneira hermenêutica e não somente pastoral. Era então necessário fazer com que as suas teorias se tornassem o princípio de toda interpretação da realidade; gritar nas portas das fábricas pela revolução proletária não adianta se os proletários não forem convencidos de que a revolução é necessária para suas salvações, — dizia Karl Marx em A ideologia Alemã.

Vemos isso claramente na Teologia da Libertação e aqui ela caberá perfeitamente como exemplo vivo do que procuramos mostrar; sob tal redoma marxista (Teologia da Libertação) a Bíblia é mastigada e triturada a fim de caber no pote da ideia socialista. Ou seja, a teoria marxista se torna o óculos do Padre, o devocionário da senhora que só queria rezar um terço ao invés de revolucionar. Forçam o cristianismo a passar pelo crivo da ideia marxista para que a história evangélica deixe de ser um relato de salvação de almas e se torne a mera epopeia de um revolucionário sindical do século I; os Evangelhos, diário de salvação de Cristo, nesses moldes, não têm mais importância que os Diários de motocicleta de Che Guevara.

Tal situação é o núcleo e o fim almejado por aquilo que chamamos de “revolução cultural marxista”, isto é: a ideia de que possuímos tão somente os óculos hermenêuticos socialistas, não sendo permitido a nós observar os fatos através de outras fontes que não sejam as suas lentes.

Ideologia de gênero: a teoria tolerância da qual é proibido discordar:

Na modernidade trocaram a luta econômica e militar pela luta cultural, e um grande exemplo disso é a famigerada ideologia de gênero. A ideologia de gênero, em resumo crítico, é uma teorização político-filosófica sobre a sexualidade humana que desvincula a psique e a atuação dos gêneros masculino e feminino da realidade biológica dos indivíduos, fazendo dos gêneros uma paleta de cores infindáveis de possibilidades sexuais. Tal imposição teórica — imposição pois, caso não aceite tal teoria você se torna automaticamente um fascista, racista, sexista, etc. — simplesmente não possui comprovação alguma na realidade para além das cartilhas e gritarias de seus adeptos. O simples observar desinteressado da existência humana e suas verdades, faz com que constatemos as absurdidades alí contidas.

Não há comprovações científicas para as inferências e dogmatismos arguidos pela teoria de gênero. Tão é fato que a própria ideia de gênero não permite e nem quer nenhuma haste científica determinadora, uma haste científica tornaria a ideia de gênero algo fixo, como um terceiro sexo, fazendo com que as deduções da ideologia se tornem incapazes de se moverem conforme as mudanças políticas para quais foram criadas para justificar. Judith Butler assume isso em seu livro Problema de Gênero, diz ela ser a teoria de gênero, antes de mais nada, uma performação; isto é: uma atuação quase que teatral dos indivíduos “desconstruídos”; uma espécie de postura social e política que não rompe a própria contingência da estória que encenam.

 

O socialismo não está errado, ele é errado:

Porém, a título de conclusão, podemos dizer que a esquerda possui essencialmente dois problemas centrais; primeiramente se trata da maneira caolha pelo qual ela olha o mundo através da luta de classes. Olhando o mundo somente do prisma da luta de classes, toda teoria socialista que advém desse panorama passa a ser mero achismo, se aproximando da mentalidade de um esquizofrênico que pinça um aspecto da realidade e desconsidera todos os outros, criando a partir disso a sua própria realidade que nada mais é do que devaneios transloucados de sua mente.

O segundo problema trata-se de sua teoria hermenêutica que acaba criando na realidade uma crosta de irrealidade. Ou seja, somos obrigados a olhar para nossas vaginas ou pênis e dizer, em alto e bom som, que culturalmente não possuímos nenhum gênero sexual definido por natureza, que deslocar minha psique e atuação sexual da minha biologia natural é uma espécie de saúde social ao qual todos nós temos que nos submeter em nome de uma amorfa tolerância; com a pena de que, caso não aceite tal teoria, tornar-me automaticamente um preconceituoso e fascista, digno de desprezo social pelo simples fato de acreditar que minha composição genética e biológica tem um elo direto com a minha psique e atuação social. Veja quão fascista eu sou não é mesmo?

Partindo da teoria crítica da Escola de Frankfurt e do desconstrucionismo de Jaques Derrida (os filhos e netos da teoria marxistas), eliminamos quaisquer elementos factuais da realidade, erigindo a crítica e as teorias filosóficas sustentadas nas mais rasas observações e interligações como sendo o sustento da verdade. Podemos então, a partir dessas inferências, criar quaisquer ideias e imputá-las como verdades, basta que paguemos o pedágio ideológico para os titãs da esquerda mundial; podemos dizer quaisquer banalidades e depois configurá-las nos moldes da teoria crítica e do desconstrucionismo, e pronto, temos uma nova verdade. Como diz Ronald Myles Dworkin em Domínio da Vida: Aborto, Eutanásia e Liberdades Individuais e em O império do Direito, tudo é fruto de reinterpretações e revisionismos positivistas. Hoje, por exemplo, a vida humana é um valor digno em si mesma, algo inviolável e independente de demais alcunhas; amanhã, porém, não necessariamente podemos estar sob esta mesma égide de direito basilar.

O problema da esquerda é ela mesma, são as suas raízes que, bebendo de um solo contaminado e podre, transfere aos frutos o seu teor de podridão. A esquerda não está errada, em suma, ela é errada.

 

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Pedro Henrique Alves

Pedro Henrique Alves

Filósofo, colunista do Instituto Liberal, colaborador do Jornal Gazeta do Povo, ensaísta e editor chefe do acervo de artigos do Burke Instituto Conservador.

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