Síndrome de Capitu

Ontem, observando em minha estante desorganizada, a série de livros escritos por Machado de Assis que – não sei por qual motivo – recebeu maior atenção de minha retina, transformando um momento de descanso em meio ao “caos” político em mais um incômodo atormentador. Decidi arrumar a estante, para ver se assim conseguiria também enfileirar minhas ideias – e se escrevo, é porque consegui. Organizando meus livros entendi o que chamou atenção de minha retina: a desconfiança de Bento Santiago, o Casmurro. O leitor certamente me perguntará o motivo, peço-lhe calma, responderei.

O romance imediatamente me trouxe à mente os acontecimentos do Governo. E, como se fosse inspirado por Bento Santiago e seu curioso flashback contando seu possível adultério, compreendi que a galhofa e a ironia machadiana são verdadeiramente eternas. Uma das melhores obras produzidas no Brasil consegue explicar as atuais lutas entre “a verdade e a aparência”, entre os símbolos e as decepções. Os últimos acontecimentos são dignos da galhofa e melancolia machadianas.

Bentinho e Capitu se relacionam simultaneamente entre uma paixão germinada desde a infância, e a eterna dúvida desta paixão. Numa trama não consensual, a obliquidade e dissimulação de Capitu, para Bentinho, parecem sobrepor os tempos áureos de um amor “inocente”. A dúvida sobre o adultério é realmente carente de resposta, pois se atualmente – mais de um século depois de sua publicação –, aplica-se ainda o que chamo de Síndrome de Bentinho – a desconfiança e o ciúme (fundamentados ou não); também é vigente uma síndrome maior ainda: A Síndrome de Capitu – cujo principal sintoma é a dissimulação e pureza falsificada – os personagens nunca morreram, sempre se sobreviveram em nós, portanto será difícil assumir nossa síndrome. O romance, como bem salienta o crítico literário Rodrigo Gurgel, “recusa a solução óbvia das tragédias”. Mas na tragédia brasileira, o óbvio é ululante. Os acontecimentos, por estarem debaixo de nossos narizes, tornam-se invisíveis. Nossa insegurança atual é fundamentada?

Se não conseguimos resolver a trama eterna e real que resulta da pena de Machado, podemos julgar as tramas atuais e chegarmos às respostas que nos contentem provisoriamente. Penso que assim como Bentinho, podemos fazer um flahsbak – analisando a Síndrome de Capitu em Sérgio Moro. Vamos ver:

A vilania do herói nacional – a saída de Sérgio Moro do Governo. Resisto em escrever esta parte, pois um homem que é elogiado por Fernando Haddad não deveria receber mais flagelos. Mas minha Síndrome de Bentinho me obriga a fazê-lo, pois a pergunta que Bento Santiago fez internamente, externo de maneira estrondosa: “Traiu ou não traiu?”. 

Dois dias antes de Sergio Moro anunciar que se demitira do Governo, a “grande mídia” já havia divulgado a fato. Quando me deparei com as notícias de sua demissão – antes do fato se concretizar – inferi no mesmo instante que não passava de mais uma tentativa canalha da mídia, e simplesmente ignorei – ação que sempre repito ao ver matérias de “jornais” como O Antagonista e Folha de São Paulo. No dia 25, levantei-me ansioso para ver a entrevista do ex-ministro, que, imaginei eu, desmentiria tudo e reforçaria a unidade do Governo. E, se estou escrevendo isto, é porque o script que Moro seguiu não foi o que eu esperava.

Após comunicar seu pedido de demissão, a reação do público, como o próprio ex-ministro sabia, foi inflamada, alguns até proclamando o “Fim do Governo Bolsonaro” e protocolando pedido de impeachment. E os que enterraram o Governo foram aqueles que nos acusam de fanatismo, mas para eles, ao defender cegamente o “herói nacional”, fanatismo se torna virtude, e a necessidade da presença de provas concretas, para além de acusações, é descartada. Vendo Sérgio Moro levantar-se de sua cadeira no fim da entrevista, tive duas certezas: um símbolo foi destruído, e alguém traiu o país; Capitu ressurgia das cinzas.

Como brasileiro amante de nossa literatura, incorporei a Síndrome de Bentinho para analisar os fatos, posto que ainda me fosse estranho que a mídia soubesse da notícia dias antes e, além disso, que a notícia fosse verídica – coisa que não é comum na imprensa. E, infelizmente, percebi que nos tempos recentes, assim como em sua entrevista para anunciar a demissão, Sérgio Moro demonstrou indícios da maldita Síndrome que parece ter um gosto aguçado para penetrar em membros do Governo, parecia-me que Moro e Capitu só se separam pelo tempo, e pelo fato de que Capitu, no decorrer de sua biografia, não prendeu Lula.

Comparemos o episódio com uma pequena história: um estuprador, ao entrar em sua cela no presídio, depara-se com olhares agressivos e gestos ameaçadores. Certamente ele sabe o que o aguarda – “justiça”. Quando os companheiros de cela se juntam e agridem o estuprador, consideram-se justiceiros, sujeitos virtuosos e superiores ao ensanguentado caído ao chão. Entretanto as palmadas dadas não podem automaticamente converter-se em inocência por parte daqueles que a executaram. Eles não sairão da prisão por isso. A cada paulada que davam, pensavam que a culpa estava sendo marcada e transferida para o corpo do estuprador, mas não. A possibilidade de culpa não se dissipa ao fazer-se o mínimo. Se não pensarmos assim, estabeleceremos que a distância entre virtude e depravação se estabelecerá pela força da paulada que um ladrão de carros executa em um molestador. Os dois se diferem em tamanho, não em qualidade. Se o simbolismo do suprassumo do heroico é fazer o mínimo, um ladrão de botequim equipara-se a um padre. Moro fez o mínimo, prendeu um estuprador de cabritas, mas sua idoneidade não pode ser medida por isso. Com esta percepção, facilita-se a possibilidade de a vigarice travestir-se de bom-mocismo.

O fato de o ex-ministro ter protagonizado ações cujo resultado foi o líder da maior quadrilha do país na cadeia, concedeu-o automaticamente um caráter virtuoso e intocável. Por simbolizar o extremo oposto de um enorme esquema de corrupção, os brasileiros enxergavam em um homem a síntese do extremo oposto do lado corruptível da força: um caráter imaculado. Convenhamos, se a medida para o heroísmo nacional se encontra na distância entre um samba Zeca Pagodinho e um romance ruim de José de Alencar, não estranho que Moro tenha recebido tal título, e em alguma medida o mereceu, não nego que combateu a corrupção, mas afirmo que puniu o crime mais banal.

A quadrilha petista não roubou apenas para comprar tríplex, mas roubou para financiar o movimento comunista em toda a América Latina, salvando-o. O Brasil foi a galinha dos ovos de ouro do movimento comunista latino americano. Condenando Lula por os crimes que envolviam a posse de um Sítio, automaticamente todos os crimes maiores, como o financiamento de genocídios ou a associação do partido com instituições criminosas através do Foro de São Paulo, foi deixada de lado. É efetivo punir um terrorista por ter roubado uma doceira e não por seus atos genocidas? Foi o que aconteceu.

Mas, por receber apreço de uma população carente de símbolos honestos, Moro integrou o Governo, germinado expectativas de “combate à corrupção” em todos os brasileiros. O antipetismo brasileiro se transformou em uma ótima oportunidade para que qualquer imbecil positivista seja apresentado como anjo; o antipetismo se tornou de fato, Moralismo barato, nos cegamos por esse Moralismo não exigindo mais nenhuma demonstração de virtude por parte do ex-ministro, cogitado não foi a possiblidade de questionar sua defesa do ativismo jurídico, abortismo e antiarmamentismo. Destaco aqui somente o ativismo jurídico, claramente defendido em sua tese de doutorado e, posteriormente uma citação extraída de um texto de sua autoria publicado em 2001.

Na página 190 de sua tese, Moro escreve: “Se o juiz constitucional não tiver meio para forçar a ação dos demais poderes constituídos para o cumprimento da Constituição ou se não tiver meio para atuar supletivamente, então não exercerá a guarda da Constituição relativamente às normas constitucionais cuja implementação demande ação, e não omissão do Estado. Portanto, limitar o juiz constitucional a função meramente negativa apenas faria sentido em um contexto constitucional já ultrapassado. É até difícil encontrar uma justificativa para a permanência de tal dogma no Judiciário”. E nas páginas seguintes prossegue, “nesse caso, tendo em vista que pelo menos não haveria vedação expressa, o juiz poderia assumir postura criativa frente ao texto constitucional, desenvolvendo, por força do princípio da efetividade, suas potencialidades, o que o levaria a reconhecer que a Constituição contém pelo menos autorização implícita neste sentido. […] o julgador, no exercício do controle de constitucionalidade, invade inevitavelmente área reservada ao legislador. Não há como contradizer tal fato. Todavia, ele assim age para resguardar a supremacia da Constituição”. [os grifos são meus].

Não se engane leitor, o ex-ministro não está expondo a maneira de pensamento dos ministros do STF, mas sim explicitando sua percepção sobre o ativismo jurídico, bem como a possiblidade de o juiz “assumir uma postura criativa frente ao texto constitucional”. Por essa mentalidade, a união cívica homossexual foi aprovada no Brasil. Se Moro um dia chegasse a ser ministro do Supremo Tribunal Federal, seria algo trágico. Para concluir o tema, em um texto de 2001 Moro afirma: “A corte de Warren prova, todavia, que algum ativismo judicial pode mostrar-se benéfico, contribuindo não para o enfraquecimento da jurisdição constitucional e da democracia, mas para seu fortalecimento”. Indago: como a Democracia se fortalece na morte da divisão dos três poderes?  Na Democracia de Moro, reproduzem-se anatomicamente características daquele que impulsionou sua popularidade. O regime democrático para Moro só é certo se imitar a incompletude do dedo de Lula, se faltar um pedaço.

Na ocasião do seu pedido de demissão o ex-ministro acusou gravemente o Presidente de crimes como “falsidade ideológica”, “coação no curso do processo”, “obstrução de Justiça”, “corrupção passiva privilegiada”, além de crimes contra honra – como salienta o documento da PGR. E o documento continua dizendo: “Para tanto, indica-se, como diligência inicial, a oitiva de Sérgio Moro, a fim de que apresente manifestação detalhada sobre os termos do pronunciamento, com a exibição de documentação idônea que eventualmente possua acerca dos eventos em questão”.

O ex-ministro mostrou que entende muito bem de política, pois sabia como ninguém da repercussão que suas acusações teriam na população em geral, e agora sabe que terá de prova-las. Até que as provas nos sejam apresentadas, os tiros de Moro que miravam o presidente não passaram de tiros barulhentos e sem efeito letal. Infelizmente alguns se importam mais com o estrondo das acusações do que com silêncio das provas.

 Depois de anunciar sua demissão, Moro – seguindo fielmente a receita aplica pelo ortopedista Mandetta – foi mais do que conceder uma entrevista, dispôs “provas” no Fantástico. As provas foram mensagens – e por mais que seja um desarmamentista, Moro armou um belo circo de acusações vazias e provas fracas. As mensagens apresentadas são inconclusivas e específicas, não expõe um contexto completo, o ex-ministro pensa que a obscuridade das provas serão substituídas pela “clareza” de seu caráter. Usando do mesmo artifício pelo qual um dia foi incomodado – pela exposição de algumas mensagens Moro demonstrou que ele próprio foi raqueado. No dia de seu depoimento (2), o ex-ministro afirmou – como diz a matéria do “jornal” O Globo: “Cabe ao Presidente Jair Bolsonaro esclarecer os motivos de suas tentativas de interferência na Polícia Federal”. Na meninice política de Moro, cabe ao acusado apresentar as provas, não ao acusador. E a matéria continua dizendo: “Um dos motivos da demora no depoimento foi justamente a ação feita para copiar os dados do seu celular, que demorou algumas horas. A PF fez uma análise prévia e considerou que conversas mantidas por Moro com ministros do governo Bolsonaro não tinham informações relevantes para as investigações, porque tratavam apenas de assuntos do governo, sem entrar em interferências na PF”. O silêncio das provas em meio às acusações é ensurdecedor.

Moro blefou politicamente. Como jogador político de Truco, foi um ótimo Juiz.

Inegável que toda a trama deixe uma pergunta derivada da genialidade machadiana: “Traiu ou não traiu?”. O matrimônio, e mais ainda o divórcio, apenas nos deu demonstrações de dissimuladas posturas anos luz da dissimulação de Capitu. O Presidente errou, pode não ter lido Machado de Assis. Não aguçou sua Síndrome de Bentinho e insiste em estabelecer um amor platônico com diversas variáveis de Capitu. A minha Capitu traiu.

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Yuri Ruiz

Yuri Ruiz

Um jovem conservador, antifeminista, antimarxista e cristão.

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