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Uma palavra sobre a pena de morte

O Papa Francisco, de há muito, tornou-se pródigo em dizer e propagar absurdos e em criar situações desconfortáveis para numerosos católicos, arrastando parcela considerável de fieis, por obediência, ao erro e outra parcela, senão à insubmissão aberta, pelo menos a um afastamento receoso dos pronunciamentos pontifícios (estou entre estes).

Publiquei, não faz muito, neste mesmo espaço, um artigo [1] a respeito da insólita mudança do parágrafo 2267 do Catecismo da Igreja, que excluiu a correta aplicação da pena de morte pelo Poder Público em caso de crime hediondo – juntamente com a guerra justa e a legítima e proporcional defesa – do rol de exceções em que se pode tirar a vida de outrem.

Não foi, pois, sem grande surpresa que li a matéria escrita pelo vaticanista Andrea Tornielli em torno do discurso proferido por Sua Santidade, na última segunda-feira, à Comissão Internacional Contra a Pena de Morte. Vale a pena transcrever os trechos destacados pela equipe do blog Fratres In Unum, [2] de causar espécie:

Ele defendeu a mudança do Catecismo porque qualificou essa sanção como “contrária ao Evangelho”, uma vez que, explicou, é suprimir uma vida, “sempre sagrada aos olhos do Criador” e da qual “somente Deus é o verdadeiro juiz”. Recordou que nos séculos passados considerava-se a sentença de morte como justa, especialmente quando faltavam os atuais instrumentos para proteger a sociedade.

Reconheceu que mesmo no Estado Pontifício recorreu-se a esta “forma desumana de castigo”, porque se ignorou “a primazia da misericórdia sobre a justiça”. A este respeito, ele fez uma espécie de “mea culpa” pelas “responsabilidades sobre o passado” nesta matéria e reconheceu que a aceitação pela Igreja desta forma de castigo “foi consequência de uma mentalidade da época, mais legalista que cristã, que sacralizou o valor de leis desprovidas de humanidade e misericórdia”.

Sobre a mudança de perspectiva, enfatizou: “A Igreja não poderia permanecer em uma posição neutra diante das atuais exigências de reafirmação da dignidade pessoal. A reforma do texto do Catecismo no ponto dedicado à pena de morte não implica nenhuma contradição com o ensinamento do passado, pois a Igreja sempre defendeu a dignidade da vida humana”.

E observou: “No entanto, o desenvolvimento harmonioso da doutrina impõe a necessidade de refletir no Catecismo que, sem prejuízo da gravidade do crime cometido, a Igreja ensina, à luz do Evangelho, que a pena de morte é sempre inadmissível porque atenta contra a inviolabilidade e a dignidade da pessoa”.

Trata-se de reflexões de grande profundidade, pronunciadas perante juristas de diferentes nacionalidades. Desta forma, o Papa aceitou os erros do passado na matéria, explicou sua origem e justificou sua decisão de corrigi-los. Uma visão completamente contrária à apresentada por alguns teólogos e grupos críticos dentro da Igreja (originários principalmente dos Estados Unidos), que o acusaram de ter “mudado um dogma” com sua decisão de remover o aval à pena de morte do Catecismo.

Em seu discurso desta segunda-feira, Bergoglio também questionou a validade das penas perpétuas que, indicou, afastam a possibilidade de uma redenção moral e existencial dos condenados, além de qualificá-las como “uma forma de pena de morte disfarçada”. Considerou que, se Deus sempre perdoa, então a ninguém se pode tirar a esperança de sua redenção e reconciliação com a comunidade.

Sempre foi ensinamento da Igreja, de seu Magistério infalível, dos teólogos mais abalizados, inclusive de Sto. Tomás e Sto. Agostinho, que o crime hediondo – assim como os crimes de quaisquer natureza e gravidade – deve ser punido, natural e forçosamente, com a supressão da liberdade do infrator – e que, não apenas, pode ser punido também, a se depender da situação concreta, com a perda do próprio direito à vida, com vistas, sempre, à conservação do tecido social e pelo bem das almas, inclusive do próprio infrator, que eventualmente só se reconciliaria com Deus, arrependendo-se de seus crimes, com a perspectiva de sua morte pelas mãos da autoridade legítima, o Estado. Eis, e não outra, a posição católica por excelência.

O Papa Francisco é o Vigário de Cristo, a quem devemos todos a obediência muito própria de cristãos, membros do Corpo Místico de Nosso Senhor. Não há autoridade humana que suplante o Papa em importância, mesmo do ponto de vista temporal. Mas, até por isso mesmo, não pode o Santo Padre, o detentor do múnus petrino, contrapor-se ao ensinamento infalível de seus predecessores. Só o que nos resta, em face da gravidade da situação, é a resistência dentro da caridade. Que assim seja.

Não pretendo mais me manifestar sobre o assunto, pelo desgaste que enseja. Desde agosto – quando da mudança do parágrafo 2267 do Catecismo – venho trabalhando na reedição do notável livro Pena de morte já, do saudoso Pe. Emílio Silva, com prefácio do prof. Carlos Nougué, um repositório exemplar da mais autêntica doutrina da Igreja sobre a matéria, a sair em 2019. Não me restaria mais nada senão indicar a leitura desse livro singular.

 

Referências:

[1] “Considerações de um católico sobre a pena de morte” (13.08.2018, Burke Instituto Conservador): www.burkeinstituto.com/blog/atualidades/consideracoes-de-um-catolico-sobre-pena-de-morte

[2] Link do Fratres In Unum: https://fratresinunum.com/2018/12/18/francisco-e-a-pena-de-morte-mea-culpa-pelos-erros-dos-papas-passados-consequencia-de-uma-mentalidade-da-epoca-mais-legalista-que-crista-que-sacralizou-o-valor-de-leis-desprovidas-de-humanidade

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José Lorêdo Filho

José Lorêdo Filho

Livreiro e editor da Livraria Resistência Cultural Editora, cavaleiro da Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém, sócio-correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP) e chanceler do Círculo Monárquico de São Luís.

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