Uma nota e uma recomendação

A estrutura das obras do professor é sempre a exposição de um acontecimento real, geralmente nacional e quase sempre banal, e daí ele sobe de patamar para uma investigação mais profunda. Mas nem sempre o procedimento é exposto de forma linear e completa. Por exemplo, no Imbecil Coletivo tem-se apenas a documentação dos acontecimentos, sem a subida de nível para a investigação mais profunda; já no Aristóteles em Nova Perspectiva tem-se, inversamente, a investigação sem a exposição textual de um acontecimento concreto a que ela esteja ligada. 

À primeira vista, essa aparente incompletude pode dar a impressão de uma filosofia inacabada. No primeiro caso fazendo parecer que o trabalho se trata de meros comentários avulsos destinados à polêmica jornalística, e no segundo caso, de uma análise abstrata sem correspondente concreto na vida real. Ambos são equívocos que já foram esclarecidos pelo próprio professor, seja de forma direta, avisando no Imbecil Coletivo que a imensidão de exemplos considerados e a limitação da vida humana tornavam inviável fazer a devida investigação com cada acontecimento registrado no livro, seja no Aristóteles com um aviso de rodapé que acaba soando como um comentário passageiro o que é a chave fundamental para essa questão: o fato de que os acontecimentos concretos, apesar de não estarem registrados no livro, estavam se passando na realidade prática naquele mesmo momento no Seminário de Filosofia. Nos dois casos, afinal, há a perfeita ligação entre acontecimento e investigação filosófica, ela apenas não está exposta de forma oficial e definitiva naquela “unidade externa e corpórea, que duas capas e uma lombada conferem ao objeto denominado ‘livro'”. A unidade do fenômeno está completamente dada na realidade mesma, faltando apenas a atividade de coleta e unificação editorial, trabalho que se o professor não pôde fazer deve então ser finalizado pelos alunos. 

A garantia da completude que dou a esses exemplos aparentemente incompletos poderia até soar como um mero otimismo sustentado no afeto pessoal; poderia ser apontado como mero subjetivismo; ou, para as más línguas, como mera puxação de saco. Poderia ser tudo isso se não fosse o caso de já existir uma obra do professor que apresenta a demonstração completa dessa ligação íntima entre acontecimento e investigação, cuja existência sustenta assim as demais obras, mesmo nos casos em que não se apresentem com a mesma completude: O Jardim das Aflições.

No início do ano passado foi lançado pela editora Arminho o livro “Farol de Sanidade”, do Daniel Fernandes. Naquele tempo ressaltei numa nota pessoal e entre amigos minhas expectativas com relação ao livro – expectativas que foram superadas quando pouco depois adquiri e li a obra. Definitivamente, estamos testemunhando a recuperação da grandiosidade da vida intelectual. Depois de um longo período entre plantas daninhas, eis que começa a brotar algo bom. “¡Qué difícil es / cuando todo baja / no bajar también!”, Olavo de Carvalho sempre nos lembra esse aforismo de Antonio Machado. Difícil, sim, mas não impossível. Invariavelmente, “sapientiam autem non vincit malitia”.

Farol de Sanidade deve ser lido por todo aquele que queira fazer da própria vida e da atividade intelectual uma coisa só. O efeito dessa leitura tem seu potencial duplicado quando feita ao lado de “A Vida Intelectual” do Padre Sertillanges. E esse efeito pode ser até mesmo triplicado quando se leva em consideração não se tratar de uma reflexão feita por alguém distante no tempo e no espaço, mas por um conterrâneo e contemporâneo que está partindo da mesma situação concreta que nós. E, digo mais, até quadruplicado por dividirmos a mesma apreciação por um intelectual, o professor Olavo de Carvalho, que também pensa a vida intelectual dentro desse mesmo cenário – idem velle, idem nolle.

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