Mais famílias, menos escolas

Das teorias modernas, aquelas que vieram do tronco revolucionário do iluminismo, a que mais me encanta em sua sincera idiotice é aquela que diz ser a educação o fato primordial de combate à criminalidade. Frases como: “menos armas, mais livros”, ou ainda: “para menos ladrão, mais educação”, trazem um sentido meramente panfletário. Não há nada de mais acurado ali, nada que evidencie uma reflexão profunda, sincera, isenta e real sobre a causa do banditismo social que assola o nosso país. Tais teorias ideológicas são facilmente desmascaradas em seus sofismos; veja: há apenas 5 centenas de anos atrás, quase toda a população mundial teria que ser bandida ou no mínimo bandoleira, a fim de se encaixar nessa concepção moderna de fábrica de pulhas. Como resolveremos essa equação?

Fui criado por avós roceiros, no entanto, cresci com uma educação acadêmica sólida impulsionada principalmente por meus tios (já estudados e formados). Ou seja, ― e apesar dos meus tios ― cresci em contato íntimo com grupos cuja instrução acadêmica não tinha importância real, onde o trabalho braçal e as premissas religiosas bem vividas eram ― essas sim ― os centros gravitacionais da vida comunitária. A verdade é que meus antepassados roceiros não se importavam muito com um saber que ultrapassasse a capacidade intelectual de escrever o próprio nome, somar, dividir e subtrair. Aprendiam “o mínimo do básico” para dar rumo aos negócios práticos do qual sobreviviam.

E, para o espanto dos especialistas de Fantástico e Globonews; para o revés das teorias pedagógicas modernas da USP e UNICAMP; para o drama daqueles que viam na educação o messias social; esses roceiros que não sabiam nada além do básico, não só não eram bandidos, como a grande maioria votou no Bolsonaro e acha que bandido bom é bandido morto.

Eles simplesmente rechaçavam naturalmente quaisquer atos que se aproximassem de um indecoro real ou de uma imoralidade latente. Certa vez, ao roubar duas bananas da casa da Tia Cacilda ― crime que, segundo Leandro Karnal, me impede de criticar Lula por ter desviado bilhões ―, fui devidamente abordado por meu avô ao chegar em casa. O velho me questionou sobre onde tinha conseguido as frutas, já que em casa não tinha sido. Nos altos dos meus 7 anos de idade, coagido pela voz paterna do velho: “não mente que será pior”, tive a coragem e a honradez de confessar que havia tomado as bananas da varanda da casa da tia Cacilda sem a sua permissão, já que a parente não estava na casa naquele momento. Fui forçado, então, a ir à casa da Tia, contar a ela o ocorrido e pedir perdão. Perguntem se roubei novamente qualquer coisa em minha vida.

A mínima infração de caráter, ao meu velho avô, era questão de honra familiar. O chuchu ― meus caros ― era torcido sim senhor desde o broto por um homem que nunca habitou uma sala de aula em sua vida. Para entender a concepção de hombridade e dignidade, não precisei ir à escola ou ter diplomas, aprendi isso numa coisa rara chamada “lar”. Para sermos bandidos não precisamos de nada mais do que uma consciência turva e uma moralidade frouxa; em suma, estar na escola não impede que o mal caratismo avance.

Eis aqui o ensinamento interiorano do meu velho avô roceiro, seu Otávio: ser honesto está mais ligado à aprendizagem moral e familiar, ao atiçamento da pira da honra e ao incremento da nobreza ética aos costumes cotidianos, do que com diplomas em quadros dourados, sabedorias gramaticais, matemáticas doutorescas e filosofias empoladas. Assim como ser pobre não é sinônimo de ser bandido, ser inculto não é meio caminho para a perdição social.

Temos, hoje, dois ex-presidentes encarcerados, um verdadeiramente inculto, que mal sabe falar num nível aceitável de exatidão linguística; e temos outro que, por sua vez, é estudado, ex-constituinte, ex-presidente da Câmara dos Deputados, etc. O que os une? O crime de corrupção. Ambos são larápios, rapinadores e gatunos do dinheiro público.

Não se trata de desmerecer o ensino e os estudos em si mesmos, mas também não é o caso de transformá-los num antidoto contra a maldade do homem. Prudência. Quem aqui haveria de negar que a educação é um pilar primordial para a humanidade? Ninguém. Todavia, quem é burro o suficiente para não saber que roubar é crime e que matar deliberadamente outra pessoa é assassinato? Creio que ninguém também.

Receber o mínimo necessário em educação intelectual, a fim de ser inserido devidamente na sociedade do século XXI, não é “mimimi”, é antes uma necessidade geral incontestável. Todavia, não pensemos que a educação universal vai tirar o fedor de corrupção que jaz encrustado em nossas carnes manchada pelo erro e pelo mal. Não nos enganemos.

É bom lembrar que o homem já matava e roubava antes mesmo de existir linguagem escrita. Ou seja, não será uma tese da USP ou um escrito de um intelectual que fará de uma sala de aula um recanto de cidadãos honestos. Não é um livro que faz um homem de caráter, assim como não é uma pistola quem faz um assassino; podemos ter um padre armado e um assassino lecionando. O instrumento, em suma, não faz a essência do homem, mas a essência ordenada do homem, essa sim pode usar plenamente, para o bem, o instrumento.

Por isso, apostem indubitavelmente em famílias sadias, em formar filhos com caracteres altivos; não é uma matemática exata, eu sei, mas raramente uma família exemplar gerará um exemplar de cidadão corrupto. Por exemplo, em uma palestra na faculdade em que cursei, diziam que uma criança matriculada na escola era uma criança longe do traficante; essa era-me uma concepção totalmente estranha, pois, na minha escola, o traficante estudava comigo. A diferença é que a educação caseira me forjou, me ensinou a recusar as drogas oferecidas pelo mercador de especiarias obtusas, assim como me ensinou a apartar-me de amizades que tinham como combustível a cocaína e a maconha.

Como bem dizia o mestre Machado de Assis, em Esaú e Jacó: “Não é a ocasião que faz o ladrão[…]: ‘A ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito’”. Não sei até onde o ladrão nasce feito, e nem se todos nós somos igualmente suscetíveis à burla; mas fato é que a ocasião mostra quem tem brio para recusar o erro e abraçar o acerto, ainda que não haja nenhum benefício nisso, ainda que o único alívio venha através da consciência.

Por fim, querem uma sociedade mais justa, cidadãos menos corruptos? Apostem então no primordial sustentáculo da nossa civilização: a família. Um lar que pratica a honestidade, a sobriedade, a caridade, que respeita a honra familiar e preceitos morais, muito provavelmente não gerará um Hitler ou um Stálin. O primeiro com um pai autoritário e errante em suas instabilidades pessoais, com uma mãe insegura e sem voz ativa; o segundo com um pai alcoólatra e uma mãe que, de tão sofrida, ficara recolhida em sua insignificância.

Não que a escola não tenha importância real, claro que tem. Mas a escola, na sua suprema relevância, ainda é substituível dado que se trata de uma construção societária; mas caso a instituição familiar falhe, o que colocaremos em seu lugar? O Estado? Já vimos a tragédia que ocorre quando o Estado se torna o pai dos indivíduos.

Por isso, e somente por isso, podemos dizer que precisamos infinitamente mais de famílias íntegras do que de escolas, pois, ainda que falhemos em formar bons profissionais e respeitáveis intelectuais, temos que no mínimo acertar em formar bons filhos e exemplares cidadãos.

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As posições expressas em artigos por nossos colunistas, revelam, a priori, as suas próprias crenças e opiniões; e não necessariamente as opiniões e crenças do Burke Instituto Conservador. Para conhecer as nossas opiniões se atente aos editoriais e vídeos institucionais

Pedro Henrique Alves

Pedro Henrique Alves

Filósofo, colunista do Instituto Liberal, colaborador do Jornal Gazeta do Povo, ensaísta e editor chefe do acervo de artigos do Burke Instituto Conservador.

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