Número 24

Um progressista é um totalitário enrustido. O progressismo é o armário ideológico que esconde o espírito ditatorial da esquerda contemporânea. E, infelizmente, a democracia é o receptáculo político que tolera os intolerantes em nome da diversidade. No fundo, um progressista que se assume não passa de um tirano que abraça publicamente sua condição mental.

As afirmações acima podem parecer exageradas e panfletárias, todavia, não passam de um retrato de uma época. Com a ressalva de que generalizações contém erros e que não devem ser utilizadas sem moderação, não é inadequado dizer que o progressismo é a expressão do atraso disfarçado de progresso. E pode-se acrescentar: não existe área humana afetada pelo progressismo que não se torna prisioneira de ideologias. Como para um progressista tudo é política, qualquer área da vida social é vista pelas lentes da política: da família a religião; das artes as relações amorosas; da matemática e biologia ao direito e filosofia; dos esportes ao uso do corpo humano. Nada escapa de suas garras ideológicas.

Durante a Copa América 2021, alguns portais de notícias trouxeram a informação de que a seleção brasileira de futebol era a única equipe que não tinha um jogador com a camisa 24 em seu elenco. Pelo menos foi isso que o UOL, Terra, Extra e Folha de S. Paulo apresentaram ao público. E todos acrescentaram o seguinte destaque: a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) não explicou o motivo.

Crise? Motivo para a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)? O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) não buscou o Judiciário para uma resposta da CBF? Os sempre indefectíveis e voluntariosos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não expressaram sua opinião a respeito? Como essa ausência numérica afeta a vida do pedreiro da obra da frente de minha residência? E a avó que prepara uma ambrosia para seu neto, o que pensa disso?

Bem, especificamente na reportagem do portal de notícias UOL, detalhou-se que a numeração brasileira pula do número 23 (goleiro Ederson) para o número 25 (volante Douglas Luiz). De hábito, o limite de jogadores inscritos em competições oficiais é de 23 atletas, o que não geraria nenhuma “discussão” sobre a ausência do número “maldito”. No entanto, com a pandemia, foi permitido que as seleções escolhessem até 28 jogadores. Com esse cenário, por qual razão o número 24 não estampa as costas de algum jogador da seleção brasileira?

A explicação mais simplista é a de que tal número fica associado ao veado no Jogo do Bicho, animal que serve como representação pejorativa para chamar um homem de homossexual. Ou seja, no Brasil, em razão da linguagem popular e de um jogo de azar igualmente popular, portar o número 24 nas costas pode se transformar em uma comparação que não é desejada para atletas heterossexuais de um jogo que envolve virilidade. Mas aqui uma ressalva merece ser feita: um jogador homossexual não deixaria de ser viril por ser homossexual. E isso qualquer pessoa sabe. Ou deveria saber…

No entanto, o fato de chamar, classificar ou zombar um jogador, chamando-o de “veado”, gay ou “bicha”, por exemplo, para além de uma referência pejorativa que tem o objetivo de insultar o indivíduo, acaba por trazer a ideia de menosprezo ao trabalho desempenhado por aquele atleta no campo de futebol, como se ele fosse, por exemplo, virar a bunda para a bola que vem em sua direção com medo do impacto iminente. Bem, se jogadores de futebol já são alvo de toda espécie de “críticas” que oscilam entre as razoáveis e as insanas, é possível imaginar que algum atleta deseje ofertar margem para outras “avaliações” ao vestir a camisa 24?

Não é uma numeração que dita um comportamento. E tal afirmação vale para a ausência do número 24, como para a sua presença. Como o progressismo, com suas agendas nauseantes que buscam inserir pautas políticas esquerdistas em tudo que encontram pela frente não se cansa de ser cansativo, na mencionada reportagem do UOL foi dito que a CBF não quis explicar o motivo da ausência do número 24 entre os jogadores da seleção brasileira. Também foi afirmado que a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) deixa a escolha da numeração “a critério das delegações”. Assinada por Danilo Lavieri, Gabriel Carneiro e Igor Junqueira, essa pequeníssima reportagem ainda trouxe uma pequena lista com os atletas das outras seleções da Copa América 2021 que vestem a camisa 24. Qual a relevância disso para a questão levantada no Brasil? O animal “veado” é relacionado ao número 24 em outros países e tem alguma relação com a homossexualidade ao ponto de mostrar como os atletas das outras seleções, ao vestirem a camisa 24, são seres moralmente superiores e que combatem a discriminação contra homossexuais?

Bem, diante do fato creio que existam duas possibilidades fáticas igualmente plausíveis. A primeira é a de que a CBF proibiu o número 24 em razão do “veado”. Já a segunda pode ser que a CBF tenha permitido que os atletas escolhessem seus números a partir de critérios próprios e inclinações pessoais, algo muito comum em elencos esportivos. Como a segunda possibilidade é infinitamente mais razoável do que a primeira, não seria fantasia imaginar que cada atleta tem suas escolhas e rejeições dentro das possibilidades existentes. E o fato de algum jogador não desejar usar uma numeração, por qualquer motivo que seja (inclusive de não ser visto com o número do “veado”), é algo absolutamente normal em sociedades livres e verdadeiramente plurais.

Mas o fato é que o germe da “revolução” precisa ser plantado. E quando a reportagem afirma que a CBF não quis se pronunciar, há uma mensagem indireta: talvez a CBF tenha tomado uma atitude homofóbica, o que geraria uma “homofobia institucional”. Mas o que estes ilustres jornalistas da UOL se esquecem, por completo desconhecimento (no mínimo), é que a numeração pode ser escolhida pelos atletas. E mais, caso a CBF impusesse a obrigatoriedade de não saltar um número (no caso, o 24), obrigar um jogador a vestir um número que não deseja (por qualquer motivo), não é cerceamento de liberdade para agradar uma agenda política?

Reparem que por vias transversais, a crítica sobre a ausência do número 24 revela a mentalidade totalitária do progressismo ao supor que alguém teria a obrigação de portar a camisa da seleção com o número indesejado. Em outras palavras, para agradar os paladinos da moral revolucionária e silenciar a crítica “especializada”, o melhor seria a CBF obrigar algum atleta a portar o número 24, mesmo que esse atleta fosse, em termos contemporâneos, um homofóbico. Claro que, diante dessa obrigatoriedade, muito provavelmente esse jogador seria alvo de entrevistas para ver até que ponto a sua numeração e sua visão de mundo se coadunam com a defesa do interesse de alguns grupos de poder que manipulam minorias.

O sonho de um progressista é acordar do pesadelo da realidade dentro de uma sociedade distópica que possa nutrir seu insano desejo pela busca ininterrupta de uma utopia. Mas o detalhe é que a realidade não corresponde à narrativa. Um jogador que vista a camisa 24 não é necessariamente um defensor dos direitos dos homossexuais, assim como a ausência de um atleta com esse número em suas costas não traz como consequência que pessoas ou instituições discriminem homossexuais.

A título de sugestão, seria interessante que os jornalistas questionassem duramente o jogador Douglas Luiz acerca dos motivos que o levaram a não usar a camisa 24, afinal, é ele que veste a camisa 25 e que, por alguma razão desconhecida, recusou ou foi impedido de portar o “pervertido” número. Eles deveriam perguntar as razões da rejeição à camisa 24, se o jogador tem ódio de homossexuais, se sua conduta foi determinada pela CBF ou o que ele acha de agendas políticas no futebol. E, ao final, dependendo das respostas, obrigar o jogador a vestir o tão sonhado número 24, que com certeza representará a garantia do término de toda e qualquer forma de discriminação contra homens gays no Brasil e o mundo finalmente conquistará a paz mundial, afinal, em outras seleções o número 24 é vestido com “orgulho” por atletas do mundo todo. É isso mesmo?

No início de 2020, logo após o trágico acidente que tirou a vida do ex-jogador de basquete Kobe Bryant, o Esporte Clube Bahia, resolveu prestar uma homenagem. O volante Flávio usou a camisa 24 em um jogo de futebol para homenagear o ex-jogador (famoso por utilizar essa numeração) e para combater a homofobia. Mesmo que Bryant nunca tenha passado por um contexto em que o número 24 era “mal visto”, o Bahia aproveitou a oportunidade para fazer dois em um: usou a morte de uma lenda do esporte mundial para fazer “lacração” ideológica.

Pouco antes do falecimento de Bryant, o programa Esporte Espetacular resolveu entender as razões que envolviam a exclusão do número 24 em clubes de futebol no Brasil. De acordo com a reportagem, nos dez jogos da última rodada da Série A do ano de 2019, dos 419 jogadores que apareceram nas súmulas da CBF, somente Brenno, goleiro do Grêmio, vestia a 24. Seria o goleiro um “revolucionário”, um simples atleta com uma escolha particular ou um jogador que não vê problema em usar um número aleatório distribuído normalmente para goleiros em competições? Claro que para o reino da “lacração” seria ótimo que Brenno fosse tudo o que desejam e mais um pouco…

Para um revolucionário progressista, toda e qualquer vontade ou desejo não passa de uma manipulação social que guia os indivíduos para suas escolhas. Ou seja, a sociedade funciona como uma grande mão invisível que determina os gostos, preferências e inclinações individuais. Em outras palavras, somos um produto imediato do meio em um claro determinismo social, marionetes de um sistema.

Assim, bastariam modificações em símbolos, atitudes políticas ou gestos repetidos por muitos para que a “consciência social” fosse modificada e novas atitudes fossem reprogramadas. Existem discriminações explícitas e veladas contra homossexuais? Claro que sim! E isso é evidente. Mas a saída de um revolucionário cultural para esse problema passa por dois caminhos: o cerceamento das liberdades individuais e a imposição de agendas políticas em instituições. E não há meio mais obtuso para resolver um problema do que criar outros problemas.

Atletas estrangeiros não veem problema na camisa 24 porque ela não é habitualmente vinculada a algo que não são ou desejam. Usar o exemplo do exterior como forma de demonstrar como aqueles que não estão inseridos no contexto brasileiro se importam com a “causa” é brincar com a racionalidade do senso comum de uma sociedade. E, cada vez mais, jornalistas fazem isso para defender suas pautas, o que deslegitima sua argumentação.

Na reportagem do Esporte Espetacular, há a menção de que no futebol feminino o ato de se assumir homossexual é visto sem problema algum, destacando como a grande estrela Megan Rapinoe deixa “clara sua opção sexual”. Ora, assim como mulheres não podem ser vistas como homens, o futebol feminino não pode ser visto como o futebol masculino. Existem contextos, práticas, costumes, imposições biológicas e características específicas que determinam a maneira com que um esporte é praticado e recepcionado pela sociedade. É óbvio que tais questões não legitimam discriminações, no entanto, impõem limites no quadro comparativo que em hipótese alguma podem servir de parâmetro para interpretar uma outra realidade.

No desejo por uma revolução cultural que enalteça pautas de grupos que foram escravizados por ideologias políticas, existe um tipo de jornalismo militante que apaga a realidade em nome de suas narrativas. Se a prudência exige responsabilidade, a cobrança de responsabilidade exige um sereno apreço no uso das liberdades.

Na lógica da extrema imprensa, a ausência de um número sugere a presença da discriminação. Na lógica da extrema imprensa, a recusa em utilizar o número 24 nas camisas de futebol no Brasil é prova de machismo e homofobia. Na lógica da extrema imprensa, o resto do mundo oferta provas de respeito ao se encontrarem atletas com o número 24. Na lógica da extrema imprensa, o silêncio da CBF é problemático porque não adere a agenda política dos grupos de pressão. Na lógica da extrema imprensa, se todos os times do Campeonato Brasileiro de Futebol e a seleção brasileira obrigassem um atleta de destaque a portar o número 24, isso representaria o início do fim da discriminação contra homossexuais no futebol?

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As posições expressas em artigos por nossos colunistas, revelam, a priori, as suas próprias crenças e opiniões; e não necessariamente as opiniões e crenças do Burke Instituto Conservador. Para conhecer as nossas opiniões se atente aos editoriais e vídeos institucionais

João L. Roschildt

João L. Roschildt

Professor do curso de Direito do Centro Universitário da Região da Campanha (Urcamp). Além de articulista e ensaísta, é autor de “A grama era verde”. Site: www.joaoroschildt.com.br

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