Já fui a favor da pena de morte. Hoje não mais. Três razões e um amigo me convenceram. E todas baseadas no princípio de incerteza diante da morte.
Ficarei só na primeira: a genuína dúvida metafísica diante do que significa morrer. Podem falar o que quiser sobre a morte que não falarão nada com segurança. Tudo diante da morte é nebuloso, e com certa espessura de nebulosidade intransponível para a condição humana.
Lembro-me de Sócrates chamando atenção do júri no encerramento do processo que o condenou à morte (e por dois crimes que hoje consideraríamos bobos, mas que em sua velha democracia causavam ameaça): “É a hora de irmos: eu para a morte, vocês para a vida; quem terá a melhor sorte? Só os Deuses sabem”.
Interpretação de Sócrates na atualidade
Há três possibilidades: a) estamos mandando o criminoso para uma condição pior; b) estamos mandando o criminoso para uma condição melhor e; c) não estamos mandando o criminoso para nenhuma outra condição. Morrer é o fim e desejamos retirá-lo desta vida. Se o mandamos para condição pior, então cometemos uma injustiça. Se o mandamos para a melhor, oferecemos um privilégio. Nos dois casos, mantemos a balança da justiça em desnível — contra ele e contra os que por ele foram lesados.
Se morrer é o fim absoluto, existe algum crime pior do que dar a alguém este fim? Em outras palavras, todos os outros crimes são sombras perto da morte. Nesse caso, desejar a morte nada mais é do que desejar vingança.
Há uma relação entre direito e vingança, só não estou certo de que se sustenta em um nível razoável de vida civilizada. A pena de morte foi pedra fundadora do Ocidente como caminho tortuoso de superação da barbárie.
A crença sob a morte
Escrevi esse texto sobre pena de morte. Foi exercício de reflexão para um tema complexo e de quebra acabei descobrindo como a civilização é um valor difícil. Dado o limite do espaço, fiz o que pude. Sou contra e dei minhas razões. Como todo espaço saudável para conversas entre adultos minimamente educados deve ser — assim se espera.
Estou longe de pensar que o defensor da pena capital é troglodita desajuizado. Há quem consiga primorosamente defender com elegância as maiores atrocidades humanas para combater outras tantas atrocidades.
Objetivamente, considero a pena de morte resquício de estupidez que só alimenta o perpétuo ciclo de violência. Como não penso que a civilização evolui com o passar do tempo, então é um resquício insistente em qualquer momento da história. Aqui e ali, ontem e amanhã. É não só possível como notável a defesa de coisas estúpidas com primor e civilidade.
Fazemos um monumental esforço interior para dar razões e vazões para nossas crenças. Eu considero sinal de civilidade evitar pulsões do tipo: “Eu tenho convicção absoluta que o sujeito que põe fogo em uma dentista viva, como ocorreu em SP, ou o sujeito que esquarteja uma mulher e dá os pedaços para cachorros comerem, devem ser eliminados da face da Terra. Mas esse sou eu, convicto, e jamais haverá nenhum ‘filósofo’ que me fará mudar de opinião”.
Notaram que a “convicção absoluta” de como chegar a um reino de paz contra bárbaros é um reino de guerra entre bárbaros?
Texto original escrito por: Francisco Razzo
Adaptado por: Burke Instituto