Vacinado

A hipocrisia me atrai. Assim que a vejo, não fujo. Me aproximo vagarosamente e com ar de curioso para verificar o nível do hipócrita. De alguma forma, posers também são sujeitos que aguçam meu interesse. Principalmente aqueles que vendem um conhecimento que não possuem ou que pensam que são mais do que efetivamente conseguem ser.

Quando esse pacote é assumido por professores universitários, há uma aura que resplandece nesse grande hospício do mundo contemporâneo. Imagine aquele docente de Filosofia que adora frases progressistas de efeito, defende causas absolutamente revolucionárias e idolatra a Antiguidade clássica. É um combo fantástico. Nem nos piores pesadelos seria possível imaginar algo assim.

Agora pense em um professor de Direito que defende minorias, agendas de grupos “vitimizados” e hipossuficientes. E esse mesmo docente também legitima ideais esquerdistas com idolatria a líderes políticos e pensadores marxistas. Aliás, ainda guarde na memória que tal professor nunca perde a chance de ganhar mais e mais dinheiro sem pensar em qualquer distribuição real de renda, fazendo de tudo para ganhar espaço na carreira acadêmica, mesmo que para isso seja bastante “maquiavélico”. E sem esquecer: esse catedrático adora falar em justiça social. Conhecem?

No fundo, observar um progressista é como ver os efeitos colaterais de um experimento científico. Por mais que isso seja triste, afinal, revela os males de uma época com potencialidade de transmissão para as futuras gerações, existe um prazer mórbido em analisar como a estupidez humana adquire contornos verdadeiramente humanos. Com o estrago a olhos nus e com o constante negacionismo da hipocrisia progressista, o característico ar de superioridade moral altera a fala, gera surdez intelectiva, afeta o raciocínio lógico, induz argumentações falaciosas e cria barreiras mentais difíceis de serem encontradas em outro momento da história.

Casos mais graves dos efeitos colaterais mentais são vistos naqueles que louvam ditaduras como a da Coreia do Norte. Ou em indivíduos que veem em Cuba ou na Venezuela um processo revolucionário necessário para que a sociedade reflita sobre a verdadeira justiça social. Casos light são vislumbrados em indivíduos que evitam comentários sobre a realidade destes países, mas apoiam as mesmas agendas defendidas por aqueles que glorificam o que ocorre naqueles países.

Mas tudo isso seria efeito colateral hipócrita-progressista ou é simplesmente o resultado das doses emocionais cavalares incutidas em cérebros despreparados ou maldosos? Tenho a leve impressão de que os efeitos colaterais desse imunizante intelectual são sentidos pela sociedade, mais precisamente entre os mais pobres e as camadas mais dependentes.

Como bem lembra Theodore Dalrymple, em “A vida na sarjeta: o círculo vicioso da miséria moral”, os resultados das insanidades teóricas produzidas nos gabinetes universitários são vistos entre aqueles que são os mais carentes. Por exemplo, a defesa intransigente do sexo livre produziu a destruição da família, gerando mais violência doméstica e estimulando o abandono parental. E isso, nem um pouco, se assemelha à efeito colateral. Essa situação é o único efeito esperado. O progressista que nega isso, não passa de um… negacionista!

Recentemente, em minhas incursões digitais, estimulado pela pandemia, vi que um professor universitário fez uma publicação “lacradora” em sua rede social. Escreveu que acredita na ciência, comemorou a existência do Sistema Único de Saúde (SUS) e alertou para que todos tomassem a vacina porque ela representava a cura contra a Covid-19. Junto a essas frases que dizem tudo e dizem nada, colocou uma foto de sua “carteirinha” de vacinação reafirmando que acredita na ciência desde 1983. Quem ousaria discordar desse avatar intelectual? Quem o criticaria? Negacionistas?

Como também estou vacinado, somente contra a idiotice deliberada, começo a pensar quem é que não acredita na ciência? Ou, de forma mais madura, será que uma pessoa que duvida dos resultados da ciência, é alguém que não acredita na ciência? Questionar ou indagar sobre as consequências de algo que é injetado em meu corpo, tem o poder de me transformar em um anticientífico? Ou melhor dizendo, se esse docente diz que acredita na ciência, ele afirma indiretamente que algumas pessoas não acreditam na ciência? Em caso positivo, ao que tudo indica, seriam as pessoas que apresentam dúvidas, suspeitas e temores de possíveis efeitos colaterais? Mas um dos pilares da ciência não é a dúvida razoável? Ou essas grandes vacinas foram suficientemente testadas?

Bem, nesse caso, seria curioso que todos os progressistas que idolatram um Estado que os obrigue a serem cobaias de testes científicos, se posicionassem a respeito da instrumentalização de corpos pelo aparato de poder. É muito interessante como os esquerdistas, amantes de Foucault, abandonaram seu “simpático” intelectual em uma ilha mental e fugiram de suas ideias. Nesse passo, biopolítica e biopoder parecem esquecidos por não atenderem aos interesses do momento. Em outras palavras, manifestações contra um Estado que obriga a sociedade a aceitar que uma agulha injete algo ainda experimental ou discursos contra interesses capitalistas no lobby de indústrias farmacêuticas para a aplicação de algo que é desconhecido na população, simplesmente evaporou da mente de progressistas.

A dúvida é a fonte da prudência. Uma certeza construída com viés ideológico é tão frágil quanto uma taça de cristal em queda livre. É racional e razoável acreditar na ciência? Óbvio que sim! Isso é simples e básico para uma comunidade de indivíduos que buscam um verdadeiro progresso. No entanto, submeter uma pesquisa científica a questionamentos razoáveis não equivale a desacreditar na ciência.

Como esquerdistas possuem uma memória curta quando seus interesses estão em jogo, quais sejam, o de críticas a governos que não lhes agradam, sempre é importante lembrar da tão badalada Suécia, um reino de progressismo que, de forma mágica, para esquerdistas utópicos, alia a dolce vita de um fantasioso socialismo com uma sociedade de livre mercado. No ano de 2013, a Agência Sueca de Medicamentos declarou que uma vacina contra H1N1, fabricada pelo laboratório GlaxoSmithKline (GSK), gerou narcolepsia em crianças e em pessoas com menos de 30 anos, uma doença incurável que gera cansaço extremo e uma espécie de sono incontrolável a qualquer momento do dia. Lembrando que a vacina da GSK foi aplicada em cerca de 60% da população daquele país.

Diante desse quadro, uma pesquisa do final de 2020, realizada na Suécia, afirmou que 26% dos suecos não tomariam vacinas em fase de experimentação contra a Covid-19 e 28% se mostravam indecisos quanto a isso. Por qual razão? Os suecos não acreditam na ciência? Ou é razoável que tenham temores em razão dos resultados de um “pesadelo real” recente?

Nunca é demais recordar da famosa “isenção de responsabilidade” que as fabricantes de vacina contra Covid-19 possuem quanto a não serem processadas em caso de efeitos colaterais. Ruud Dobber, executivo da AstraZeneca, declarou à Agência Reuters, em 2020, que “essa é uma situação única, na qual nós, enquanto empresa, simplesmente não podemos assumir o risco se […] dentro de quatro anos a vacina começar a exibir efeitos colaterais”. A soma dessa isenção com a possibilidade estatal de obrigar um indivíduo a ser inoculado, afinal, caso não se submeta a vacina poderá sofrer restrições em atividades laborais ou até mesmo em sua circulação, aliado a aceitação bovina da maior parte da população, é uma espécie de Síndrome de Estocolmo científica.

Nunca vi tantos progressistas amarem o capitalismo encarnado nas indústrias farmacêuticas. Nunca vi tantos progressistas acharem normal que indivíduos sejam obrigados a serem vacinados com algo ainda em desenvolvimento. Nunca vi tantos progressistas silenciarem sobre a possibilidade de ausência de responsabilidade contra efeitos colaterais gerados por indústrias que, na sua visão, só almejam lucros. Nunca vi tantos progressistas defensores de grupos vulneráveis estarem tão próximos da defesa de interesses de grupos “opressores”. Nunca vi tantos progressistas acharem normal que o Estado tenha o poder de invadir seus corpos em nome de uma “insegura segurança” sobre a vida. Nunca vi tantos progressistas negarem Foucault. Mas, contra tudo isso, já tomei vacina.

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João L. Roschildt

João L. Roschildt

Professor do curso de Direito do Centro Universitário da Região da Campanha (Urcamp). Além de articulista e ensaísta, é autor de “A grama era verde”. Site: www.joaoroschildt.com.br

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