Juricídio

O Tribunal do Júri respira por aparelhos! Está prestes a morrer, ou melhor, de ser assassinado por aqueles que se elegeram nos prometendo um efetivo combate ao crime e uma pauta de lei e ordem desejada pela maioria dos brasileiros.

Em outras palavras, e ao contrário do que anunciaram, nossos congressistas estão novamente traindo a confiança popular e preparando uma legislação complexa, confusa e extremamente liberal, sempre em detrimento das vítimas que deveriam ser protegidas e não condenadas.

Refiro-me ao projeto do novo Código de Processo Penal, em trâmite há mais de uma década no Congresso Nacional, mas que parece querer avançar justamente no período da pandemia, quando a discussão ampla e irrestrita é praticamente impossível, e quando a atenção de todos está voltada para outros temas, tais como vacinação, lockdown, CPI, STF etc.

Não vou me ater aqui a tudo aquilo que é pernicioso no projeto que tramita atualmente na Câmara dos Deputados, até porque precisaria de laudas e mais laudas para demonstrar que os legisladores brasileiros sempre se esforçam em facilitar a vida dos bandidos e em prejudicar aqueles que sentem na pele todas as agruras e mazelas de uma das nações mais violentas do mundo.

Por atuar no Tribunal do Júri há quase duas décadas, vou concentrar minhas observações nas alterações previstas para esta instituição, a qual funciona como o único instrumento de participação direta do povo nas decisões do Poder Judiciário. Aliás, talvez seja por isso mesmo que queiram desnaturá-la de forma tão evidente e escancarada.

Como o Tribunal Popular mais condena do que absolve, mais acerta do que erra, mais manda prender do que soltar, querem então, a todo custo, enfraquecê-lo por completo, dificultando as condenações de modo a esvaziar presídios e a fomentar a pauta globalista de caos social.

Somente quem não entende nada de geopolítica ou de guerra cultural ainda não percebeu que o objetivo é este mesmo, ou seja, disseminar violência, medo e tragédias em geral, exatamente para que os indivíduos, cada vez mais, cedam suas liberdades individuais em troca de uma promessa de segurança por parte do Estado ou de organismos internacionais que na verdade nunca chega.

Mas isso é outro assunto! O fato é que referido projeto de lei desprotege o direito a vida e, por outro lado, premia o criminoso. Em outras palavras, em um país onde o crime não tem castigo, o castigo acaba sempre recaindo sobre aqueles que não praticaram crime algum.

O legislador quer agora, por exemplo, que o Ministério Público tenha a sua capacidade de investigação limitada; que a defesa venha a investigar praticamente no seu lugar; que não haja mais produção de provas em uma das etapas do processo; que o promotor de justiça não possa mencionar aos jurados os depoimentos colhidos no inquérito policial; que os jurados venham a discutir uns com os outros a decisão a ser tomada (um exercendo influência sobre o outro) e que o veredicto principal (em especial o condenatório) seja tomado só por unanimidade!

É ou não é uma tentativa descarada de dificultar a responsabilização dos assassinos? Só faltou proibir a distribuição da cédula condenatória para o julgador leigo, sendo ele obrigado a depositar na urna apenas o voto absolutório!

E isso sem contar que, atualmente, os membros do Ministério Público já não podem, sob pena de nulidade do julgamento e da respectiva condenação, fazer menção, por exemplo, ao uso de algemas por parte do réu (revelador de sua periculosidade), ao fato dele ter sido submetido a Júri Popular depois de um juiz de direito ter reconhecido a existência de provas em seu desfavor, bem como dele ter feito (eventualmente) uso de seu direito ao silêncio mesmo diante de uma grave acusação por um crime contra a vida (o famoso senso comum de que quem cala consente).

Em outras palavras, o promotor de justiça já não pode, hoje em dia, revelar e argumentar junto aos jurados uma infinidade de situações reais e concretas existentes em muitos processos, pois a lei assim não permite. Presume o legislador que se os jurados tomarem conhecimento dessas circunstâncias, estarão eles predispostos a condenar o sujeito. Então, para evitar a sua responsabilização, proíbem o Ministério Público de contar a verdade para o jurado.

Interessante, não? Pois é! Mas a coisa pode piorar!

De acordo com o projeto do novo Código, a ocultação da realidade tende a ser maior, censurando-se ainda mais o curador da vida no Plenário do Júri, que não poderá falar dos depoimentos prestados durante a investigação presidida pelo delegado de polícia e nem de uma eventual indenização do réu para com a vítima sobrevivente em uma etapa conhecida como acordo restaurativo.

É um verdadeiro circo!

Tudo isso, evidentemente, já seria muito grave em qualquer lugar do mundo. No entanto, é preciso ter em mente que vivemos em um país que lidera o ranking de assassinatos em números absolutos; que possui cerca de 7 (sete) homicídios por hora; que possui uma taxa de assassinatos três vezes acima daquela considerada tolerável (quase 30/100 mil habitantes); que possui um índice de violência anual três vezes superior ao equivalente na guerra do Iraque; que, em apenas um ano, possui mais mortes violentas do que aquelas provocadas por todos os grupos terroristas do globo; que, apesar de possuir cerca de 3% da população mundial, possui sozinho aproximadamente 11% dos homicídios do mundo; que, das 30 (trinta) cidades mais violentas do planeta, 11 (onze) estão por aqui; e que possui um índice de impunidade em relação aos assassinatos na faixa de 92% (noventa e dois por cento).

Desta feita, se isso tudo não for suficiente para convencer o leitor a se mobilizar e a protestar frente a este verdadeiro homicídio do Júri brasileiro (juricídio), então, sinceramente, não sei mais o que poderá fazê-lo.

Nas palavras de um grande colega de Ministério Público, e certamente um dos maiores promotores do país (Eugênio Paes Amorim – MPRS), “estamos no meio de uma guerra sangrenta com fuzis para todos os lados e lutando em favor do bem apenas com um canivete nas mãos. No entanto, é fato, querem agora nos tirar até mesmo esse mísero canivete”.

Precisamos, pois, de sua imediata ajuda! Este é o apelo que faço por aqui.

Rodrigo Merli Antunes

Promotor de Justiça em São Paulo e pós-graduado em Direito

Autor da coletânea Se eu cair, vai ser atirando!

Membro do MP Pró-Sociedade

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