Efeitos adversos raros

Qual a importância de uma vida humana? Para além dos questionamentos filosóficos que podem surgir, como a extensão da palavra “importância” ou sobre o que se entende como “vida” e “humana”, o fato é que essa é uma pergunta que ainda atormenta os seres humanos.

Mesmo que a nossa época já tenha compreendido que os valores formadores da civilização podem ser aniquilados facilmente e sem qualquer remorso, é inegável que, pelo menos superficialmente, a pergunta sobre a relevância de uma vida humana, ainda é inquietante.

Reparem que tal incômodo pode atormentar um suposto intelectual ou até mesmo um cantor de funk. É uma indagação democrática. O carpinteiro, a dona de casa, o eletricista, o empresário, o consultor de uma empresa, um jogador famoso de futebol ou um entregador de pizza podem, igualmente, em algum momento de suas vidas questionarem-se sobre o valor da vida humana.

Até aquele indivíduo que afirma viver um dia após o outro na busca incessante pelo prazer, pode algum dia ficar em dúvida sobre o significado de sua trágica vida. Se não for por algum questionamento religioso ou que tenha relação com a perda de algum ente querido, pode ser por meio de uma doença que lhe afete. O fato é que a fragilidade humana impõe certas questões que podem ser adiadas, mas nunca esquecidas. Isso funciona mais ou menos assim: você pode até correr, mas nunca se esconder.

Bem, como tudo foi politizado na atualidade, não é surpreendente que o valor da vida humana tenha sido alvo da política. O domínio da razão foi invadido por ideologias? Sim! Portanto, se a razão é o substrato que pode nortear a compreensão sobre a vida e ela está submetida a ideologias, natural que ideólogos tenham adquirido a roupagem de novos interlocutores para determinar o quantum de vida que importa.

Em tempos pandêmicos, não faltam “cientistas” gravitando este tema. E, como vivemos uma pandemia intelectual, por vezes a sociedade aceita o inaceitável sob a chancela de “ciência”. Em face de uma politização de todas as áreas da vida, muitos indivíduos tendem a lançar mão de alcunhas perigosas e que não contribuem para a ponderação de ideias. Negacionistas, fascistas e genocidas são flatus vocis que inundam o imaginário popular em virtude da estupidez coletiva.

Mas é curioso como um suposto crítico do negacionismo científico não deixa de representar a essência do próprio negacionismo quando rejeita críticas ao sistema de vacinas em desenvolvimento contra a Covid-19, por exemplo. Afinal, se não é possível levantar dúvidas razoáveis contra aquilo que ainda está em fase de testes sem que se receba um clichê “silenciador”, como poderemos avançar cientificamente enquanto sociedade?

Questionamentos, dúvidas e inquirições representam os fundamentos de uma investigação científica. Por outro lado, não restam dúvidas de que as verificações que buscam a certeza, devem ser elaboradas por pessoas que dominam o assunto. Todavia, elas nunca devem estar hermeticamente enclausuradas contra as questões e críticas externas que possam surgir, mesmo que sejam oriundas daqueles que não possuem todo o conhecimento necessário.

Uma asneira proferida por um leigo pode ser útil? Sem dúvidas! É exatamente pelo livre debate de ideias que é possível aprimorar e testar a solidez de um argumento ou de um resultado sobre um problema. Um exemplo? É bem provável que a maior parte daqueles que criticam as vacinas contra a Covid-19 não façam análises destrutivas semelhantes a vacinas que envolvem a proteção de um bebê ou criança em fase de desenvolvimento. Isso porque estas últimas já provaram suficientemente sua importância e não apresentaram “eventos raros” ou “efeitos adversos” que consigam manchar sua reputação ao ponto de descrédito.

Nesse sentido, negar uma crítica com a pecha de negacionismo é o mesmo que embrutecer a ciência. Isso para não falar na falsa lógica de que um suposto consenso científico equivale à verdade. Qualquer premissa que parta da noção de que consensos produzem a verdade, aproxima a investigação científica da democracia. E, é bem verdade, regimes políticos não guardam qualquer dose de semelhança com as hard sciences, muito menos podem ser vistos como fonte legítima para reforçar que algo é válido, eficaz, verdadeiro ou seguro.

A divergência, mesmo que representada por uma única voz, pode significar a verdade ainda não vislumbrada pelos demais pares. Silenciar vozes discordantes, apelar para subterfúgios intelectuais com o objetivo de classificar alguém de algo que este indivíduo não representa ou até mesmo excluí-lo dos círculos pensantes não passa de um silenciamento arbitrário da racionalidade.

Natália Pasternak, microbiologista chancelada pelo mainstream como alguém preocupada no combate à desinformação relacionada a Covid-19, ficou bastante conhecida nos últimos tempos. Não tanto como o biólogo Átila Iamarino, mas seus alardes e estridência argumentativa ganharam os holofotes. Ela, que declarou no final de março de 2021 que “o Brasil precisa de um lockdown de verdade, urgente”, não se cansa de arroubos contra tudo o que contraria sua visão “científica” de mundo.

Em coluna para o jornal “O Globo”, de 17/07/2021, Pasternak declarou que como o número de pessoas que receberam a vacina contra a Covid-19 já ultrapassou 3 bilhões no mundo todo, é absolutamente normal que apareçam alguns efeitos adversos raros que não são detectados nos testes prévios daquelas vacinas. Com a maior naturalidade possível, ela declara que isso “é como uma loteria: quanto mais bilhetes vendidos, maior a chance de algum acabar sorteado”. Assim, ela disse que a trombose, a miocardite em homens jovens e alguns casos da síndrome Guillain-Barré, são absolutamente esperados em razão do volume de doses aplicadas. Com mais sinceridade ainda, ela chega a afirmar que se a sociedade for pesar os riscos e benefícios da vacinação em massa, isso é vantajoso pois diminui os riscos de contágio do vírus: “Os possíveis efeitos adversos das vacinas que nos protegem desta doença são um risco mínimo face à proteção que trazem”. Sem problematizar a questão da responsabilidade quanto a obrigatoriedade na aplicação de vacinas que não foram suficientemente testadas e que ainda estão em desenvolvimento, afinal, apesar da pressão jurídica e política para que os indivíduos se vacinem (a ideia de um passaporte sanitário, a possibilidade de dispensa com justa causa para quem não quiser tomar a vacina, as possíveis limitações quanto a circulação em espaços comerciais, turísticos, de transporte ou de lazer para os “insurgentes” que não desejam receber doses e mais doses destas vacinas, etc.), caso algum efeito adverso raro surja, ninguém pode ser responsabilizado. Políticos, juristas, governantes, instituições públicas ou mesmo os laboratórios que elaboraram as vacinas não querem se responsabilizar, o que traz como consequência que o único responsável é o sujeito. Mas se não tomar…

Natália não se importa com isso. Natália é hard science na veia. Natália é crua e a sua empatia limita-se a sua causa. Natália se preocupa com as massas e não se importa com indivíduos. Natália não se importa com aquele que pode ter algum efeito adverso raro, afinal, é por uma boa causa. Natália não cogita que possam surgir efeitos adversos raros irreversíveis. Natália omite a história da vacina Pandemrix, da fabricante britânica GlaxoSmithKline, que, em 2009, foi aplicada em milhares de suecos e que trouxe, como efeito adverso raro irreversível a narcolepsia em inúmeros jovens daquele país. Natália não tem empatia por aqueles que serão a escória vacinal, o poviléu do sistema obrigatório de imunização, aqueles que desenvolverão algum efeito não previsto (ou sequer imaginado).

Se é bem verdade que ninguém se transformará em jacaré, lembrando a frase do presidente Jair Bolsonaro a respeito dos possíveis efeitos colaterais de uma vacina que ainda não passou pelos testes prudentes do tempo, também é muito verdadeiro que Natália Pasternak, por mais que atue na microbiologia, não possui ideia de quais efeitos adversos raros podem ser gerados e qual a gravidade destes. Uma dose de ceticismo não é uma vacina contra a ciência. É a abertura de uma janela de reflexões sobre algo novo, diferente e que lida com um vírus ainda complexo. A microbiologista que idolatra e adora proferir a palavra “negacionismo” para rechaçar qualquer crítica contra vacinas, como se essa alcunha significasse o argumento de autoridade que lhe conferisse sabedoria, é uma grande negacionista.

No fundo, mesmo que de maneira inconsciente, ela rejeita um dos pilares da ciência, qual seja, a dúvida. E de nada adianta apelar para a ideia de consenso científico como se isso fosse a pedra filosofal contemporânea. Consensos servem para auxiliar, facilitar e reforçar entendimentos que podem ser limitados no tempo até que outra descoberta ou diferentes vozes demonstrem que possuem as verdadeiras razões. E, em situações como as da pandemia de Covid-19, não existe uma única abordagem sobre um problema tão complexo e recente.

A ânsia por proteção, segurança e tranquilidade faz parte da natureza humana. Somos seres vulneráveis, passageiros e de uma vida precária. Na busca por algo que nos traga imunização existe um desejo latente por eternidade. Diante de possíveis ameaças e no ímpeto pela manutenção de nossas vidas, há uma tendência a aceitar qualquer dose de experimento científico e social que prometa alguma salvaguarda.

Por mais que isso seja instintivo e parcialmente natural, é uma inclinação que não submete nossas vontades a uma racionalização mínima da situação. Um ser guiado por esse ânimo que deseja garantia de imunização de quaisquer males a todo o custo, é um indivíduo que está apartado da prudência. A defesa de uma vacina que não foi suficientemente testada pode até proteger milhares de pessoas, mas coloca em risco milhares de pessoas. No entanto, para os “cientistas” do caos, em nome da “causa”, vale a pena colocar a vida de alguns em risco, afinal, uma vida não é nada perto dos “benefícios” da imunização. Qualquer semelhança com modelos revolucionários não é mera coincidência.

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João L. Roschildt

João L. Roschildt

Professor do curso de Direito do Centro Universitário da Região da Campanha (Urcamp). Além de articulista e ensaísta, é autor de “A grama era verde”. Site: www.joaoroschildt.com.br

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