Faz sentido buscar o sentido da vida?

O ser humano é inescapavelmente marcado pela busca de sentido. As dúvidas de ordem existencial acometem homens e mulheres, independente de época e de lugar. Afinal, viver sem sentido é como não viver. É perambular pelo mundo como se fosse um morto-vivo. O peso existencial de se lidar com uma vida sem sentido é um peso do qual a humanidade não possui preparo psicológico para suportá-lo. Assim, perder o desejo de busca pelo sentido da vida é como perder o próprio desejo de viver.

Diante dessa constatação há ainda quem insista em lutar contra a própria natureza ao tentar abrir mão de encontrar significado e propósito, seja em si mesmo e no mundo, seja em algo para além desse plano material. Pessoalmente, nada contra esse tipo de postura. Apenas, creio ser um fardo difícil de suportar, por mais que se tente disfarçar, o fato de viver como se não houvesse sentido em nada dessa vida. Afinal de contas, se não há sentido na vida, qual o problema em deixar de viver? Isso mesmo… Esse tipo de pensamento, levado às ultimas consequências, remete à racionalização da defesa do suicídio.

Tradicionalmente, a busca por sentido pela maioria da humanidade decorre de acreditar em algo que está para além de si mesmo, além desse mundo tangível. Por que isso acontece? Seria esse tipo de busca legítimo e plausível ou apenas uma enganação que o ser humano se submete, a fim de que não se veja como que jogado sem propósito algum diante da imensidão do universo?

Acerca disso, um filósofo alemão do século XIX, bastante controverso e paradoxal, Friedrich Nietzsche (1844-1900) dedicou boa parte da sua vida a defender uma ideia ou corrente filosófica chamada de niilismo. A palavra niilismo vem do latim nihil que quer dizer nada. Em resumo pode-se dizer que os valores e fundamentos baseados na crença de um mundo suprassensível, isto é, de um mundo sobrenatural, habitação do divino, não passam de uma invenção humana. Sabe aquela ideia de viver do modo “mais correto” possível, se preservando de alguns prazeres ou ações considerados errados, do ponto de vista da moral cristã, com o objetivo de se obter a vida eterna? Para Nietzsche, isso não passa de uma fantasia criada, inicialmente, pelo platonismo (dicotomia entre mundo sensível X mundo das ideias) e reforçada moralmente pelo cristianismo com a oposição entre vida terrena e vida eterna (ou morte eterna).

O niilismo seria, portanto, a crença no nada para se pautar a vida na terra. Se não existe sobrenatural e, muito menos, alguém que ocupe ou reine nesse lugar, então, quem crê nisso vive uma ilusão por toda a sua vida. Neste caso, buscar sentido e propósito na ideia de que existe um Deus que concede a vida eterna aos seus filhos, poderia até ser psicologicamente reconfortante, mas inviável do ponto de vista da razão ou de qualquer possibilidade de comprovação pelos meios materiais de que a humanidade se dispõe até os dias de hoje.

Neste caso, estaria Nietzsche certo e a crença cristã em Deus, errada?

Vários são os argumentos favoráveis à crença cristã. E quando digo crença, não há demérito algum, porque, do mesmo modo, Nietzsche teve que crer naquilo que ele mesmo propunha. Geralmente, todos assim o fazem. Aqui, vale mencionar o que disseram dois importantes santos da Igreja Católica: Santo Agostinho (354-430 d.C.) e Santo Anselmo (1033-1109 d.C.): “creio para que possa entender; penso para que possa crer”. O que essas sentenças querem dizer? Que ninguém afirma algo em desacordo com sua própria crença, assim como todos buscam conhecimento para afirmar as suas crenças e não o contrário.

O que Nietzsche fez foi o que, em geral, todos fazem, cada um ao seu modo e em determinada área. Ele buscou justificar filosoficamente àquilo em que ele cria. Primeiro ele creu na inviabilidade da crença cristã e, a partir disso, passou a refutá-la. O que pode-se afirmar é que Nietzsche apenas deslocou o objeto da sua crença, de um ser sobrenatural (no caso Deus) para um ser natural (ele mesmo). Basta ler seus escritos, especialmente a obra Ecce homo – Eis o homem. Nela, Nietzsche dedica uma parte do texto dando-lhe o seguinte título: Por que afinal sou tão inteligente? Não somente este trecho, mas inúmeros outros e de outras obras, Nietzsche defende uma filosofia que sempre aponta o ser humano e, em especial, ele mesmo, como a fonte de sabedoria, de autonomia e de poder.

Nietzsche afirmava que o mundo não tinha sentido, que não havia propósito nenhum da ou para a existência humana. Caso houvesse, isso remeteria à ideia de um mundo criado e, consequentemente, de seres humanos criados para alguma finalidade. Em sentido último, é impossível afirmar que há propósito para a existência humana sem que isso não aponte para um ser inteligente que tenha estabelecido esse propósito para a sua criação. Ciente disso, Nietzsche afirmava o niilismo, isto é, a ação do nada sobre o ser, cujo desdobramento prático consistia na inexistência de propósitos para a existência humana.

É por essas e outras razões que a busca por sentido, dentro ou fora de si mesmo, é um aspecto inevitável da vida humana. É algo ontológico, ou seja, parte constitutiva do próprio ser. Porém, no caso de Nietzsche, assim como de outros que foram pela mesma direção, atribuir sentido apenas a si mesmo, fazendo de todo o universo e suas mais variadas relações, algo como que fruto do acaso e despropositado, não parece ser uma ideia sadia e plausível para se viver bem consigo mesmo e com os outros nessa terra.

Como se sabe, Nietzsche ficou louco por, pelo menos, dez anos antes de morrer. Não que isso seja fruto da sua descrença em Deus, como se fosse uma espécie de punição divina. Nada disso! Entretanto, tem-se a impressão de que, como dito no inicio do texto, o peso existencial de se levar uma vida sem qualquer sentido que remeta a algo maior, sem qualquer propósito para a existência humana, parece ser um fardo demasiadamente insuportável para a humanidade.

Diante disso, ao se tomar por base o livro de Eclesiastes, considerado uma espécie de escrito cristão niilista[1] (desculpe a contradição de termos, pois, ou se é cristão ou se é niilista), o autor do livro transcorre de forma pessimista a sua perspectiva sobre a vida ao afirmar constantemente a expressão: “vaidade de vaidades, tudo é vaidade!”. Contudo, mesmo o autor se mostrando, aparentemente, cético quanto ao sentido da vida, ele diz no último capítulo do livro: “De tudo o que se tem ouvido, o fim é: Teme a Deus […][2]”. Em outro momento, no livro de Provérbios, cujo autor é o mesmo do livro de Eclesiastes, ele escreve: “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria […][3]”. Ambas as expressões sugerem que o fundamento e o sentido da vida estão para além dela mesma, ou seja, se iniciam e se completam em Deus.

Assim, novamente surge a pergunta: “Estaria Nietzsche certo e a crença cristã em Deus, errada?”. A resposta dada a esta pergunta, independente de qual seja, firma-se no campo da fé. Em outras palavras, como sugeriu o filósofo cristão Norman Geisler[4], é preciso ter fé para crer em Deus, do mesmo modo que é preciso ter fé para ser ateu. No fim das contas, é sempre uma questão de crença. Resta saber qual delas se sustenta diante da realidade da vida. Qual seria a sua aposta? Na dúvida, sugiro a leitura e reflexão acerca da aposta de Pascal[5]. Inclusive, será o tema do próximo texto. Até lá!


[1]

Conforme demonstrado no texto, um niilista não pauta a sua vida pela busca de sentido que remeta a algum propósito maior. A crença cristã, pelo contrário, refere-se a Cristo, o Filho de Deus, cuja obra expiatória restaurou a possibilidade de vida eterna. Nisso consiste o sentido primeiro e último da fé cristã.[2]

Eclesiastes 12.3[3]

Provérbios 9.10[4]

O proeminente filósofo cristão Norman Geisler (1932-2019) escreveu a conhecida obra Não tenho fé suficiente para ser ateu (2004).[5]

A famosa aposta de Pascal do gênio francês, Blaise Pascal (1623-1662), encontra-se na obra póstuma intitulada Pensées – Pensamentos, fragmento 233.

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Jocinei Godoi

Jocinei Godoi

Mestrando em Ciências da Religião pela PUC-Campinas-SP. Formado em Teologia pelo Seminário Teológico Batista Independente de Campinas-SP e em Filosofia pela PUC-Campinas-SP

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