Estamos reeditando uma tragédia histórica?

O século XX assistiu horrorizado ao surgimento de regimes ditatoriais que rapidamente assumiram a forma de tecnocracias totalitárias. A tecnocracia é a ciência da engenharia social, um tipo de regime de amplo controle que cresce à sombra do poder e sob as escusas do saber científico (ou pseudocientífico). Nela, os indivíduos democraticamente eleitos – e, por conseguinte, as instituições que eles deveriam representar – vão se tornando cada vez mais irrelevantes no cenário político e social, posto que a tomada de decisão acaba nas mãos de experts não eleitos (embora, não raro, incrustados na máquina estatal) que decidem nos bastidores do poder quais os rumos que nortearão as políticas públicas e o modo como elas serão implementadas. Aliás, o debate público envolvendo questões essenciais – seja para os indivíduos em particular ou para sociedade como um todo – vai, aos poucos, sendo asfixiado por um discurso homogêneo propagado pela velha mídia em favor de decisões supostamente técnicas, tomadas por seletos círculos de peritos que se arvoram a condição de defensores da vida e guardiães magnânimos de uma “ciência” elevada à categoria divinal.  

Desde o controverso espraiamento do vírus de Wuhan, no raiar de 2020, é possível observar sinais de que algo de muito estranho está a ocorrer no mundo em geral e no Ocidente em particular. Hoje, aqueles que lograram resistir ao mesmerismo arrebatador da velha imprensa, já perceberam os sinais que apontam para a rápida consolidação de um mecanismo tecnocrático em escala global, cuja força parece suplantar em muito as estruturas políticas, jurídicas e teológicas que sustentam o Ocidente e que custaram séculos de conflitos e tensões para serem consagradas.

Nazismo e comunismo, cada qual com as suas atrozes peculiaridades, são exemplos clássicos que o século XX nos legou das barbaridades perpetradas por tecnocracias levadas às últimas instâncias do poder. É mister que se destaque aqui o caso do nazismo, cuja história de terror é particularmente pedagógica, sobretudo, quando o assunto é o avanço de um tipo de poder tecnocrático de viés sanitário. Phillip Collins, em seu artigo Darwinism and the Rise of Gnosticism, classifica o nazismo como uma “ditadura cientificista gnóstica edificada pela ‘ciência’ do darwinismo”. Inspirada na biologia, a ‘ciência do darwinismo’ a que Collins se refere e que fora adotada pelos nazis nos anos trinta, transformou-se em um fenômeno sócio-político que embasou medidas genocidas de caráter sanitário que mais tarde horrorizariam o mundo.

Não há como negar que o totalitarismo de raça expresso no nacional-socialismo foi experienciado por meio de inomináveis políticas sanitárias de viés tecnocrático. Tomou-se como verdade absoluta, em nome da ciência darwinista, a ideia de que a miscigenação produzia várias formas de degeneração humana hereditária. Políticas eugenistas impingidas pelas SS, tanto na Alemanha quanto nos territórios ocupados, encorajavam, por exemplo, indivíduos saudáveis e “racialmente puros” a se reproduzirem, ainda que fora dos laços do matrimônio. Sob a tutela de entes sanitaristas do Estado e com o objetivo de salvar a raça nórdica (supostamente ameaçada pelo número preocupante de abortos e pela miscigenação), foi criado o programa Lebensborn, no qual donzelas “arianas puras” eram usadas como matrizes para a geração de uma prole devidamente “higienizada” em termos raciais. Cerca de 8 mil bebês na Alemanha e 12 mil na Noruega nasceriam fruto da política eugenista Lebensborn, além das quase 200 mil crianças polonesas que, suspeita-se, podem ter sido sequestradas pelo programa naquele país eslavo. O objetivo final de Hitler era “sanear” a população alemã, gerando um milhão de “crianças puras”.

Ao mesmo tempo em que centros obstétricos estatais cuidavam da pureza racial dos bebês, surgiam no horizonte perspectivas sombrias para os indivíduos considerados “impuros” ou “indesejáveis”. A agenda funesta da tecnocracia nazista avançava de modo imparável em nome da “salvação” do povo germânico e com a cumplicidade de boa parte do mundo acadêmico e – para o espanto de muitos – da intocável classe médica.

Em 1933, era promulgada uma lei contra a prole geneticamente doente ou deficiente. Destarte, justificou-se a esterilização compulsória de cerca de 400 mil alemães acometidos de algum tipo de doença física ou mental. Seis anos depois, o programa de higiene racial passa a promover medidas de eutanásia. O alvo inicial eram os pequeninos que padeciam de alguma deficiência mental. Em dois anos, o programa já atingia pré-adolescentes com até 12 anos. A qualquer momento, os pais de crianças retardadas ou portadoras de qualquer outra psicopatologia, recebiam a visita implacável de agentes sanitários portando ordens para conduzi-las aos sinistros “centros de tratamento” dos quais aqueles pobrezinhos jamais retornariam. Nestes sanatórios do terror, a partir de 1941, os tecnocratas nazistas instalaram o programa eugenista T4, responsável pela eliminação de 90 mil pacientes psiquiátricos, 72 mil deles mortos em câmaras de gás hospitalares, modelo que seria copiado, mais adiante, nos campos de extermínio. Vale lembrar também que, em vários campos de concentração, experimentos médicos brutais e desumanos foram o destino final de milhares de desafortunados. Calcula-se, por exemplo, que cerca de trezentos prisioneiros morreram em experiências médicas que visavam a investigação clínica da hipotermia, duzentos em experimentos com câmaras de baixa pressão e outros quinhentos inoculados com o protozoário da malária.

Este cenário mórbido fornecido pela experiência nazista, com o triste respaldo de boa parte da classe médica alemã, fez com que Robert Kennedy Jr., no prefácio da obra do Dr. Joseph Mercola, The Truth About COVID-19: Exposing the Great Reset, Lockdowns, Vaccine Passports, and the New Normal, traçasse as mais duras críticas ao espírito tecnocrático daqueles dias, sordidamente corroborado por aqueles que tinham como axioma profissional a defesa da vida:

A profissão médica não se mostrou uma defensora enérgica das instituições democráticas ou dos direitos civis. Praticamente todos os médicos na Alemanha assumiram papéis principais no projeto do Terceiro Reich para eliminar débeis mentais, homossexuais, cidadãos deficientes e judeus. Centenas de médicos alemães participaram das piores atrocidades de Hitler, incluindo o gerenciamento de assassinatos em massa e os experimentos indizíveis nos campos de extermínio, de tal sorte que os aliados tiveram que estabelecer “julgamentos médicos” separados em Nuremberg. Nem um único médico ou associação médica alemã proeminente alçou sua voz em oposição a tais projetos [naqueles dias].

A crítica de Kennedy é referendada por dados históricos. Desde os primórdios do movimento, mais da metade dos médicos alemães já havia formalmente aderido ao nacional-socialismo, tornando-se, assim, a categoria profissional com a maior representação no partido. Além de engajar-se com afinco no programa sanitário do Reich, por meio dos supracitados experimentos coercitivos de esterilização e eutanásia, pesa também sobre os membros da Sociedade Médica da Alemanha, a inacreditável cumplicidade com a marginalização e posterior extermínio de seus pares de origem judaica, que compunham um percentual significativo dos profissionais da área biológica naquele país.

Após uma extensa campanha política e midiática voltada para infundir, em larga escala e de forma implacável, o medo e a insegurança na população e cuja ênfase era demonstrar que o capitalismo, a democracia e – especialmente – os judeus eram bestas devoradoras da nação germânica, uma sofisticada campanha midiática de perfil racista, utilitarista e cientificista preparou o espírito do cidadão comum para consentir (ao ponto da cumplicidade) com as barbaridades que seriam perpetradas em escala social aos “indesejáveis”. Estabelecia-se no país, aos poucos, uma espécie de “novo normal” que justificaria qualquer atrocidade que supostamente garantisse a segurança, a saúde (em termos raciais) e a felicidade do povo alemão nos futuros e utópicos mil anos que se vislumbrava para o Reich.

Na tecnocracia nazista, a oposição política havia sido meticulosa e brutalmente silenciada. A literatura tida como subversiva era queimada em enormes piras e em meio a desfiles cênicos, ao mesmo tempo em que os meios de comunicação (jornais, revistas, panfletos, cinema e rádio) se empenhavam em consolidar um discurso único e incontestável, conforme a censura engendrada pelo mais graduado dos ministros nazistas, Herr Doktor Joseph Goebbels. O sistema de ensino, que havia expurgado os professores de linhagem judaica e cujo corpo docente, então, filiara-se em quase 97% ao sindicato Nacional-Socialista dos Professores, adotara cartilhas obrigatórias de matiz ideológico que pervertiam a mente infantil e juvenil com questões do tipo: “Se a construção de um manicômio custa 6 milhões de marcos, quantas casas de 15 mil marcos podem ser construídas com esse valor?”, ou ainda: “Os judeus são forasteiros na Alemanha. Em 1933, havia 66 milhões de habitantes no país. Deste total, 499.862 são judeus. Qual o percentual de forasteiros na sociedade alemã?”.

Severas medidas de controle foram se tornando parte de uma engenharia social que promovia um estado de crescente segregação da população judaica. Em agosto de 1938, promulgou-se uma lei exigindo que, até janeiro do ano seguinte, toda identificação de judeus cujos prenomes não evidenciassem a origem judaica, fosse alterada de forma a agregar a alcunha “Israel”, para os homens, ou “Sara”, para as mulheres. Evidentemente, todos os judeus alemães foram obrigados a carregar este infame passaporte de trânsito que estampava a sua origem racial, limitando o acesso a diversos tipos de serviços e estabelecimentos. Em 05 de outubro de 1938, um mês antes da violenta Kristallnacht, o Ministro de Interior do Reich, declarou inválidos tais documentos até que fossem atualizados, de forma a ostentarem uma vistosa letra “J” impressa na capa do documento.

Para reforçar ainda mais o medo na população, era tema recorrente na propaganda nazista a ideia de que os judeus, ademais de serem uma “raça impura”, eram criaturas imundas e que, por isso, espalhavam doenças infectocontagiosas, dentre as quais o temido tifo. As autoridades sanitárias postavam cartazes com aviso de quarentena na entrada dos guetos, alertando os curiosos sobre o perigo de se aventurarem naqueles espaços de segregação. Já que as condições sanitárias impostas aos confinados eram absolutamente degradantes, criava-se, assim, um ambiente apropriado para o rápido alastramento das doenças previamente anunciadas, transformando o alerta das autoridades nazistas numa profecia autorrealizável. A mentira mostrou-se eficiente para manter os não-judeus distantes dos guetos, evitando que o curioso pudesse constatar por si mesmo o que, de fato, o regime estava impondo àqueles pobres miseráveis.

Longe de limitar-se ao aliciamento ideológico de médicos e demais profissionais da saúde e ao controle da mídia de massa e do sistema de ensino, a tecnocracia nazista contou também com a participação imprescindível de engenheiros e técnicos de empresas que, por sua hegemonia no campo do processamento e gerenciamento da informação, costumamos chamar atualmente de Big Techs/Big Data. Nos anos 30, o cidadão comum ignorava o desenvolvimento, por parte de poderosas companhias como a IBM, de sistemas de coleta e classificação de informação em larga escala. Mais ainda, seria puro exercício de ficção científica imaginar que tais recursos acabariam nas mãos de sociopatas que os almejavam como meio de controle absoluto sobre a sociedade.

O projeto tecnocrático da máquina de destruição nazista contemplava necessariamente a identificação e o aniquilamento de quase 600 mil judeus alemães. Porém, é mister lembrar que, para Hitler e seus sequazes, judeu não era o mero praticante da religião judaica ou o adepto de certos costumes ancestrais. Ainda que fosse secularizado, cético, patriota, herói de guerra ou já houvesse sido, há muitas gerações, assimilado pela cultura e fé cristãs, ele devia agora ser visto, acima de tudo, como o portador de um elemento tóxico e ameaçador: o sangue judaico. O judeu era, portanto, um agente infectocontagioso. Se deixado livre para misturar-se aos demais cidadãos, ele contaminaria e desgraçaria a raça e a nação germânicas. O perigo do “contágio” judaico e de seus descendentes não estava, portanto, apenas nas sinagogas, bairros, associações e comunidades judaicas; achavam-se estes “infectados” também nas igrejas, nos clubes, nas cortes de justiça, no varejo, nas empresas, nas universidades, nos hospitais, nas forças armadas e nos órgãos de Estado. Rastreá-los e identificá-los devidamente, sondando os registros de suas gerações em associações comunitárias, igrejas, clubes e órgãos estatais, constituía trabalho tão necessário quanto hercúleo numa época em que os computadores eram apenas um sonho distante. Computadores, sim, mas não os tabuladores Hollerith da IBM! Usando apenas 2 mil destes dispositivos automáticos, o Terceiro Reich foi capaz de identificar, rastrear e classificar com eficiência judeus de todas as classes sociais, quer fossem da Alemanha ou dos territórios ocupados.

Precursores do universo digital que conhecemos hoje, a tecnologia dos antigos cartões perfurados desenvolvida pela IBM proporcionou ao regime nazista a compilação de dados necessária para os futuros passos do regime, ou seja, identificação, rastreamento, confisco, encarceramento, deportação e, finalmente, o extermínio dos “indesejados”. 

A IBM – assim como outras companhias ativas e influentes até hoje – jamais negou as acusações de envolvimento com o Terceiro Reich, conforme atesta Edwin Black em sua obra de 2001, IBM e o Holocausto: A Aliança Estratégica Entre a Alemanha nazista e a Mais Poderosa Empresa Americana, amplamente fundamentada por documentos coletados em diversos países. Segundo o autor, o censo demográfico alemão e a identificação da população judaica que o compunha, foi realizado sob os auspícios da IBM em Nova York, sendo mais tarde assumida por suas subsidiárias na Alemanha, Polônia, Holanda, França e Suíça.

Mais grave ainda é que, onze anos depois, em 2012, Black obteve acesso a correspondências que não apenas confirmaram o envolvimento de Thomas J. Watson, presidente da empresa, com o projeto hitlerista, mas revelaram a íntima coordenação entre a IBM e o regime nazista no que tange ao gerenciamento de dados nos campos de concentração. A empresa mantinha nestes lugares grupos constituídos de engenheiros e técnicos treinados para processar os cartões Hollerith com códigos de identificação e rastreamento de prisioneiros. Homossexuais, criminosos, ciganos, judeus e outras categorias de condenados eram representados por números específicos. Semelhante processo servia para identificar a causa mortis do prisioneiro; números distintos identificavam, por exemplo, se o miserando havia padecido de morte natural, execução, suicídio ou “tratamento especial” em câmaras de gás.

Além do controle da informação e da ampla censura, da cumplicidade de boa parte da classe médica e científica e do imprescindível suporte técnico da maior Big Tech/Big Data da época, a máquina tecnocrática do nazismo contou também, para seus fins genocidas, com o respaldo da mais poderosa Big Pharma de então: o conglomerado farmacêutico IG Farben. Formado em 1925, após a fusão de várias indústrias químicas e farmacêuticas, o grupo IG Farben chegou a ostentar uma vergonhosa instalação em Monowitz, o campo de trabalhos forçados inserido no complexo de Auschwitz. Ali, a controvertida farmacêutica valia-se da mão-de-obra escrava para o preparo de seus produtos, recorrendo ao sistema de tabulação de dados da IBM para identificar, selecionar e realocar trabalhadores com habilidades especiais. Além de desenvolverem o gás letal Zyklon-B, que seria usado para eliminar milhões de judeus nos campos de extermínio (e outros gases devastadores de uso militar que não chegaram a ser usados na Segunda Guerra), os químicos e farmacologistas do conglomerado testaram em prisioneiros do campo de concentração de Sachsenhausen uma droga conhecida pelo nome comercial de Pervitin (oficialmente, D-IX), um tipo de metanfetamina, fornecida em pastilhas e cristais, que visava maximizar o estado de alerta dos soldados da Wehrmacht, sobretudo dos combatentes no front russo, onde era premente a resistência aos rigores do frio extremo. Relatos de soldados sobreviventes e dependentes da droga afirmam que a Pervitin permitiu-lhes permanecer despertos e em ação de combate por até 50 horas! Calcula-se que cerca de 200 milhões de doses de Pervitin foram produzidas entre 1939 e 1945.

Ao cabo de 1946, o nazismo e muitos de seus líderes genocidas haviam sido, aos olhos do mundo, formalmente condenados em uma corte internacional improvisada nas dependências da única instalação pública ainda de pé em Nuremberg. Ironicamente, nesta mesma cidade bávara, poucos anos antes, paradas nazistas performáticas e semirreligiosas descortinavam as solenidades nas quais as leis de segregação racial do Reich foram proclamadas, leis aliás que abriram espaço para os abomináveis experimentos científicos mencionados anteriormente. A participação entusiástica de médicos e cientistas na experiência totalitária do nazismo ensejou, em Nuremberg, um julgamento à parte que contemplasse as barbaridades perpetradas pelos carrascos de branco. Em 9 de dezembro de 1946, vinte médicos começavam a ser julgados por crimes de guerra, à luz dos inomináveis experimentos que haviam conduzido com seres humanos sob os auspícios do Reich. Sete deles receberiam a pena capital e outros sete, a privação de liberdade. 

O mais importante a se registrar aqui é o fato de que este processo contra os médicos nazistas ensejou a elaboração do documento conhecido como Código de Nuremberg, cujos dez princípios seriam referendados e incorporados à relação médico-paciente a partir da Declaração de Helsinque, de 1964. O documento trata, por exemplo, da essencialidade do consentimento e do direito de livre escolha para qualquer prática médica com seres humanos, condenando a coerção ou qualquer forma de restrição pela força que se possa exercer sobre o paciente. Mais ainda, ressalta a importância do esclarecimento sobre riscos, inconveniências ou efeitos indesejados potencialmente envolvidos no curso do experimento. Enfatizando a total responsabilidade do agente de saúde sobre a prática experimental, o documento conclui citando a necessidade de se interromper a experiência, em qualquer estágio, diante de razoável evidência de dano decorrente do experimento. Infelizmente, como se vê nestes dias pautados pelo “paradigma pandêmico”, a famosa frase atribuída à Ronald Reagan, de que a liberdade está a uma geração de ser extinta, parece expressar o que está a ocorrer com as diretrizes médicas consagradas há poucas décadas em Nuremberg.

Com efeito, nestes tempos de COVID-19, que Patrick Wood, autoridade em tecnocracia, considera fruto do “Grande Pânico de 2020”, o distante totalitarismo cientificista dos nazistas parece tentar ressurgir em meio às brumas que tenuamente o ocultaram no tempo. O terrível exemplo da história impõe ao leitor uma pergunta inescapável: quão livres e distantes estamos, de fato, de reviver uma nova e devastadora tecnocracia totalitária, aos moldes do cientificismo experimentado pelos incautos alemães dos anos trinta? Naturalmente que, nesta tecnocracia que alguns temem avizinhar-se, o elemento racial está descartado; a questão aqui alude ao aspecto sanitário. Ronnie Cummins, no texto How the Pandemic Plans Unfolded (que abre a supracitada obra do Dr. Joseph Mercola), é claro ao afirmar que “além de seus efeitos sobre a saúde e a indústria médica, a COVID-19 dotou, como nunca antes, a elite global de um poder de engendrar mentiras e meias-verdades. As poderosas corporações de Big Tech/Big Data do Vale do Silício (Facebook, Google, Microsoft e Amazon), as Big Pharma, a OMS e os gigantes da filantropia, como Bill Gates, amarraram contratualmente políticos e cientistas de todos os espectros políticos. O resultado é a promoção do medo [em larga escala], a polarização política e a engenharia social. Tudo isto envolto em um disfarce de proteção [social].”

De fato, com o advento do vírus de Wuhan – que se suspeita ser fruto de experiências laboratoriais de “ganhos de função” financiadas por globalistas – nota-se que as democracias ocidentais, como um todo, começaram a sofrer a ação planificada de elementos que visam a sua completa e rápida destruição. A paulatina censura nas redes sociais e a consequente perda da liberdade de expressão, o discurso homogêneo na grande mídia, a imposição de lockdowns horizontais prolongados que culminaram com a perda (total ou parcial) da liberdade de trânsito, de associação e de negócio, a demonização do contraditório no campo científico com a perseguição aberta a médicos não alinhados à retórica do Establishment (não raro por seus próprios pares), a obrigatoriedade da aplicação em massa e indiscriminada de vacinas ainda em fase experimental, a partir de uma campanha midiática incessante de pavor e insegurança, são alguns dos elementos que compõem a cena do “novo normal” que o Establishment tenta implementar. Com tudo isso, a intenção parece ser preparar o cidadão comum – semelhantemente ao que ocorreu com os incautos germânicos do passado – para uma dócil rendição de seus direitos civis mais elementares, sempre em nome de uma ação protetiva do divino Estado. Não há como negar, já se começa a respirar no outrora mundo livre ares semelhantes àqueles que intoxicaram outras nações do passado quando estas sucumbiram aos mais funestos projetos de engenharia social. A experiência não tão distante do totalitarismo nazista deixou para a posteridade o alerta aparentemente esquecido de que, em nome da ciência e em prol do “bem comum”, os tecnocratas habilitam-se a cometer de boamente as mais impensáveis e meticulosas perversidades.

Mais uma vez na história, infelizmente, uma porção significativa da classe médica e de outros profissionais da área biológica não se apresentam como defensores das instituições democráticas e dos direitos civis. Dignas de nota são as exceções manifestas, por exemplo, na coragem de alguns médicos e enfermeiros franceses que, em protesto contra a tirania sanitária, queimaram seus diplomas aos olhos do público e das câmeras, e de um certo número de profissionais da saúde americanos que simplesmente abandonaram sua profissão pela mesma causa. Exceto por estes e alguns outros casos pontuais de resistência, inclusive de louváveis médicos e pesquisadores brasileiros, boa parte da categoria alinhou-se aos discursos políticos que tentam cercear o debate científico e comprometer a liberdade da prática médica, banindo de forma desavergonhada o emprego terapêutico de drogas já consagradas pelo tempo, enquanto consentem com o uso indiscriminado de imunizantes experimentais cujas consequências a médio e longo prazos são ainda desconhecidas. Tecnocratas da saúde encarregados de gerenciar a crise pandêmica ao redor do planeta, não apenas desencorajaram o debate honesto e responsável sobre os limites éticos da medicina e da ciência, como adotaram o discurso mirabolante e economicamente destrutivo do “fique em casa” e a retórica politicamente correta do “consenso científico”. Sempre genuflexos ante os interesses colossais do lobby farmacêutico e desprezando o livre fluxo de informação e a liberdade de expressão como elementos que oxigenam a democracia representativa, estes arautos do medo e tarados do controle social amplificam o discurso homogêneo capitaneado por um conluio maligno entre Big Techs, Big Media e Big Government, enraizando um tipo de censura que, de tão ampla e irresistível, pode ser o prelúdio da chegada de um regime que a todos oprimirá e do qual será praticamente impossível escapar.

À luz de toda a manipulação maquiavélica que os menos confiados têm notado nestes dias, permanecem algumas indagações perturbadoras. Afinal, há que se preocupar com as bilionárias parceiras que ora se desdobram entre agentes estatais, Big Techs e farmacêuticas produtoras de vacinas mRNA, visando a implementação de passaportes sanitários obrigatórios? Existe uma real necessidade de se implementar Apps de rastreio nos smartphones, com os dados biométricos e sanitários do cidadão comum, tornando as suas informações cada vez mais acessíveis a governos, empresas de saúde e sistema financeiro? O que pretende, afinal, a grande imprensa (notadamente nos EUA) quando propaga aos quatro ventos expressões tão irresponsáveis quanto assustadoras, como “a pandemia dos não-vacinados”? Haveria aí alguma intenção deliberada de provocar conflito entre a população em geral e aqueles que simplesmente exercem sua liberdade de escolha, rejeitando a inoculação forçada com substâncias que merecem desconfiança? Que tipo de segregação social essa elite semidivina, que financia com tanto afinco o discurso da suprema igualdade, do “meu corpo, minhas regras” e dos direitos humanos, está cozendo para o porvir em seu caldeirão político, ao insuflar a implementação de passaportes sanitários que terão o potencial de promover, se lavados a cabo, o maior projeto de controle e segregação da história humana? Por fim, que papel exerce a agenda pandêmica da COVID-19 no esquema tecnocrático global e assustadoramente transumanista conhecido como Grande Reset?

Com o intuito de promover uma profunda reflexão sobre estas e outras questões que perturbam o mundo nestes dias de COVID-19, o Burke Instituto Conservador publicará em breve no Brasil, conforme a generosidade do emérito Dr. Augusto Zimmermann, a obra Direitos Fundamentais em Tempos de COVID-19. O texto compila os relatos de alguns destacados juristas da Europa, Oceania e América do Norte os quais, à luz do conservadorismo e sob o escrutínio da longa experiência profissional, mostram, amparados por dados oficiais e norteados pelo bom-senso, as ameaças e os reais perigos que assolam o aturdido cidadão ocidental nestes dias pandêmicos.

Soli Deo gloria.

Gostou desse artigo? Apoie o trabalho do Burke Instituto Conservador virando um assinante da nossa plataforma de cursos online.

As posições expressas em artigos por nossos colunistas, revelam, a priori, as suas próprias crenças e opiniões; e não necessariamente as opiniões e crenças do Burke Instituto Conservador. Para conhecer as nossas opiniões se atente aos editoriais e vídeos institucionais

Compartilhe

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp
Compartilhar no email
Email

Comentários

Relacionados