Progressismo ou Conservadorismo? Uma questão de cosmovisão.

De intelectuais acadêmicos a leigos iletrados, cada um possui uma visão própria de mundo. Tecnicamente falando, isto é, do ponto de vista filosófico, isso pode ser chamado de cosmovisão. É por meio de uma cosmovisão própria que cada pessoa compreende a si mesma, a realidade que a cerca, bem como delibera sobre a melhor forma de interagir socialmente, a partir de seu modo de ver o mundo. Este modo peculiar de olhar para a realidade imediata, basicamente, ocorre levando em consideração um caráter binário ou, melhor dizendo, de oposição (de contradição). Se virmos à cor clara, nela está implícita a ideia de cor escura. Se experimentamos algo doce, o salgado nos ocupa a mente como o seu contrário. De certo modo, ainda resiste em nosso tempo a distinção de pensamentos, falas e ações a partir de um princípio filosófico antigo chamado de: principio da não-contradição. Em outras palavras, parece ser algo constitutivo da própria natureza humana pensar em algo e, quase simultânea e inconscientemente, formar uma imagem mental do seu contrário.

Diante disso, espreitemos a ideia de que algumas pessoas pensam a partir de teorias que, na prática, levaram a genocídios e sofrimentos inimagináveis, contudo, acreditando estarem pensando de forma correta. Concedamos o benefício da dúvida e sejamos benevolentes na avaliação de tais comportamentos. Pode-se dizer que muitas delas, como já dito, acreditem estar no caminho certo. Para quem pensa politicamente de forma similar aos ideais nazistas ou aos ideais comunistas, uma coisa há em comum entre eles: a ideia de que, pelos próprios esforços, ajudarão a tornar o mundo melhor, ou seja, mais justo. O objetivo de ambos é inegavelmente bonito. Porém, os meios de que tanto o Nazismo como o Comunismo se serviram para alcançar seus objetivos, estão miseravelmente banhados em sangue, sobretudo, do sangue de inocentes. À época em que estas ideologias nefastas estavam em vigor, suas lideranças talvez até atuassem sob a falsa ideia de agir corretamente, no entanto, o que sempre esteve em jogo em ambas às ideologias era a sede de poder. O progresso a partir de ações revolucionárias fazia parte de ambos os pensamentos.

Neste ponto, é possível observar em pleno século XXI que tais ideologias fracassaram em seu modus operandi, dado o saldo de horror e de sofrimento impostos a milhões de pessoas em boa parte do mundo. Se esta situação foi tão desumana, a ponto de a história do Nazismo e da tentativa de implementação do Comunismo, serem reconhecidas como tragédias históricas, é de se pensar que qualquer pessoa em sã consciência hoje, nem de longe, devesse assumir para si os pressupostos teóricos destas ideologias miseráveis. Contudo, basta observar atentamente as notícias políticas e, principalmente, os livros da área de Ciências Humanas para concluir que o Nazismo é sempre tido como vilão – o que está totalmente correto – e o Comunismo ou o Socialismo são mocinhos históricos que, no máximo, foram mal compreendidos e mal assimilados por ditadores como: Stálin, Lênin, Fidel Castro, Mao Tsé-tung, Pol Pot, etc. Ainda hoje, de forma tresloucada, algumas figuras bizarras insistem com tais pressupostos, como os líderes da Venezuela, Cuba, Coreia do Norte e afins. A explicação para isso? O Comunismo-Socialismo, desde o seu início, vestiu-se com uma roupagem de bom mocismo, de ajuda aos pobres, da luta pela igualdade e demais ações do gênero, além de esta roupagem ser cada vez mais sofisticada pelas mãos e mentes de intelectuais que se ocuparam em tornar essa ideologia epistemologicamente atrativa.

Como alguém que participa ativamente do ambiente acadêmico, posso dizer que, nas universidades, os cursos ligados à área de Ciências Humanas possuem majoritariamente uma chave de interpretação da realidade de viés progressista e revolucionário. O contrário disso reside no pensamento Conservador. Aqui, vale ressaltar que o termo Conservador não é aquele que habita nos discursos populares, entendido como algo retrógrado ligado ao fanatismo religioso. Como escreveu o filósofo Michael Oakeshott (1901-1990) em seu livro traduzido no Brasil com o título Conservadorismo: “Ser conservador é preferir o familiar ao desconhecido, preferir o tentado ao não tentado, o fato ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, a felicidade presente à utópica”. 

O problema é que a literatura utilizada nestes cursos oferece uma caricatura inverossímil do Conservadorismo, além de enaltecer estética e epistemologicamente o Progressismo como se este fosse a solução final para os anseios da humanidade. Os cursos, as conferências, os encontros, os simpósios, os congressos e afins, são sempre realizados sob a mesma chave interpretativa da realidade: a defesa de ideais progressistas em todas as esferas da sociedade. Não há espaço para literatura conservadora em tais cursos universitários. Como dito acima, se o imaginário humano funciona a partir de contradições, fica claro que se ideias progressistas travestem-se de verdade, então, as ideias conservadoras são tidas como falsas e atrasadas. Há uma cosmovisão progressista em oposição ferrenha à cosmovisão conservadora. A massa falante que detém a hegemonia dos meios de comunicação, em sua grande maioria, faz ecoar aos quatro cantos que as teorias progressistas (cuja implementação fracassou em todo o mundo) são a salvação da humanidade. Na prática, isso já provou ser falso. Porém, existe um encanto peculiar assentado em boas ações, que torna essa ideologia uma armadilha difícil de ser desarmada. Quem, do ponto de vista epistemológico, nela cai, acaba por ser enredado em falácias e contos de fada com promessa de final feliz. É por esta e outras razões que a cosmovisão progressista, pelo menos nos meios de cultura (a exemplo das universidades e das escolas), funciona quase como uma espiral inquebrável, uma vez que tanto a teoria disseminada nos livros, como a defesa de tal ideologia, são operadas majoritariamente desde o ensino médio até a formação de professores e demais profissionais de Humanas nas universidades.

Qual cosmovisão, afinal de contas, está certa? O Conservadorismo ou o Progressismo? Sugiro alguns autores consagrados como o já citado Michael Oakeshott, Roger Scruton, João Pereira Coutinho, Russel Kirk, G. K. Chesterton, Thomas Sowell, Eric Voegelin, Edmund Burke, etc. No Brasil, temos Luiz Felipe Pondé, Olavo de Carvalho, Bruno Garschagen, Rodrigo Constantino, etc. É evidente que há outros no Brasil e no mundo, contudo, estes já bastam para se ter uma noção do Conservadorismo. Conhecendo o pensamento conservador em sua essência e desenvolvimento histórico é possível ter um veredito sobre a questão acima. No final das contas, vê-se que o Conservadorismo constitui-se mais como uma forma de pensamento intrínseca à natureza humana (de cuidado acerca das mudanças) do que qualquer ação forçada de mudança de comportamento por meio de engenharia social. Se, enquanto seres humanos, é impossível fugirmos de certas oposições e binariedades, então que nos pautemos pelo lado correto. Certamente o desejo sincero e honesto de busca pela verdade conduzirá cada um à cosmovisão mais coerente e alinhada com a realidade.

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Jocinei Godoi

Jocinei Godoi

Mestrando em Ciências da Religião pela PUC-Campinas-SP. Formado em Teologia pelo Seminário Teológico Batista Independente de Campinas-SP e em Filosofia pela PUC-Campinas-SP

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