Robin Hood à brasileira: primeiro a pobreza, depois os pobres

Tramita no Supremo Tribunal Federal ação proposta para analisar omissão do Congresso Nacional em criar o imposto sobre grandes fortunas (previsto no artigo 153, VII da Constituição Federal), ação esta que foi ajuizada pelo Partido Socialista, o PSoL (Partido Socialismo e Liberdade). Trata-se de ação que visa obrigar (é isso mesmo, obrigar!) o Congresso Nacional a criar o referido imposto, uma espécie de galinha dos ovos de ouro da União, ente federativo tributante que pode instituir a paga por meio do Congresso. 

Tudo começa pelo conceito de “justiça social”, “dívida social”, que parece impregnada em algumas mentes de gente muito rica e de outro tanto que não tem tanto dinheiro assim. Juntamente com este conceito abstrato, vem um outro, chamado “ganância”. Da tal da dívida com a tal da ganância surge um síntese que explica bem o fenômeno. Do conceito da primeira falo depois. 

O mundo está de cabeça para baixo. Na análise do conceito de ganância também parecer haver inversão. O espírito comum inverte o sentido de ganância para fazer parecer que aquele que toma o dinheiro dos outros para algum “bem maior” não é ganancioso, somente o sendo aquele que não se mostra solidário com a pobreza (ao menos, na forma de lidar com ela). Thomas Sowell já falava: “Nunca entendi por que é ganância você querer conservar o dinheiro que ganhou, mas não é ganância querer tomar o dinheiro dos outros”.

Para a elite do bem, escrevendo assim passo por criminoso, e a elite tem seu próprio Código Penal, seus tipos e suas respectivas penas. 

Acho melhor chamar Roger Scruton, o advogado do conservadorismo (para aquela elite, o advogado do diabo). Com o seu O que é conservadorismo, esclarece ao establishment cultural que o meio conservador não é formado, necessariamente, por gananciosos e rebeldes sem causa. Suas críticas vão além da mera crítica. Quem tem olhos que o leia. Logo, nem todo crime é crime.

Claro que todo mundo quer a eliminação da pobreza, mas, para alguns, a pobreza tem uma certa utilidade.

Os motivos para duvidar das virtudes modernas são significativos. Nem todo aquele que pensa na humanidade (mais uma abstração) pensa no homem em sua concretude, de carne e osso. Assim também ocorre com a pobreza. É mais fácil cuidar desta primeiro, procurando eliminá-la (sabendo-se de antemão que isso é impossível) do que tirar o podre do seu “quadrado de limpeza” (“sou pobre, mas sou limpo”). É que ela, a pobreza, não pega no seu pé depois de eleições, ela não cobra as promessas impossíveis que serviram de fundo para o charlatanismo eleitoreiro.

Mas, o mais importante, e este é o ponto fundamental, é que ela gera uma relação jurídica de credor e devedor. 

Que negócio é esse de “dívida social”? Indo mais além, se há injustiça social, quem são os seus culpados?

Nessa onda de arrumarem culpados para tudo quanto é mazela humana, necessariamente deve existir um coitado como bode expiatório para pagar esta conta. Nunca é o próprio indivíduo que sofre. Ele é credor. E existem mais credores do que devedores. A conta não fecha. Sempre tem algum culpado para alguma coisa, sendo esse um dos lemas do progresso.

A Constituição Federal brasileira fala em erradicação da pobreza, sendo esse um dos seus objetivos principais. O seu artigo 3º está assim escrito: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: … III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;”.

Mas o que significa erradicação senão eliminação total de algo? Para não dizerem que estou mentindo, vejam no dicionário. Embora nobre a intenção, é muita pretensão, não acham? É cacoete do Estado-Providência prometer coisas impossíveis, seus fantasmas ou demônios ideológicos. Onde existem fantasmas ou demônios devem existir os seus exorcistas ou heróis (em geral, e para abarcar todos num mesmo saco de farinha, personagens de Show Business). Pois bem.

Um dos meios de erradicação da pobreza é o imposto sobre grandes fortunas.

É nítida a violação à separação de poderes quando que se pretende, vai judicial, obrigar algum ente tributante, titular do poder de tributar, exercer esse munus. A Constituição Federal é clara ao dispor que “Compete à União instituir impostos sobre (…) grandes fortunas, nos termos de lei complementar”. Ela não impõe nenhuma obrigação à União neste sentido; apenas estabelece a competência – ou seja, tal imposto só pode ser instituído pelo poder público federal, jamais por Estados, Distrito Federal ou Municípios. O artigo 155 enumera os tributos que podem ser cobrados pelos Estados e o 156, pelos Municípios.

O Estado precisa de arrecadação, certamente. Mas a atividade tributária do Estado não pode ser arbitrária. Escolher variantes como o quê, quando, quanto, de quem e como são definições que vão para a lei implementadora do tributo (no caso, imposto).

Quem é do meio jurídico sabe disso.

Ou seja, competência para instituição do tributo não é obrigação tributária. É pura discricionariedade querer tributar, instituir o tributo. A Constituição dá os poderes tributários, o ente o usa se quiser, quando, como, contra quem, e define quantidade.

Na melhor das hipóteses, não sendo confisco, é expropriação indevida do patrimônio particular, sem razoabilidade ou proporcionalidade.

E quanto ao destino desse dinheiro? Juridicamente, a arrecadação do imposto, como um tributo, não tem destino certo. Serve para os gastos dos entes estatais, investimentos sociais gerais, não particulares. São os impostos gerais, como se diz.

Sim, existem indícios de socialismo em nossa Constituição. Com forte apelo emocional, vejam o que diz o artigo 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”… “III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;”. O socialismo sobre a propriedade a transforma em uma propriedade com sua função social.

Solidariedade quer dizer ajuda recíproca. Uns ajudam os outros. Não é aquele ditado que diz “cada por si e Deus para todos”. Além disso, a Constituição ainda encarregou todos os entes federativos. Vejam no artigo 23: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: … X – combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;”. E, por fim, o artigo 145, no seu § 1º, que trata mais exatamente sobre a atividade tributária do Estado: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”.

Não sejamos egoístas ou insensíveis. Aliás, é obrigação moral – esta sim, muito valiosa por sinal – para olharmos para o próximo como Jesus olhou. Sejamos caridosos, sim. Mas trata-se de uma obrigação individual, jamais institucionalizada. 

Mas fiquemos espertos. No Brasil existem muitos Robin Woods espalhados e disfarçados, principalmente no Supremo Tribunal Federal.

Pensem bem. Não é de estranhar quando se dá mais valor ao combate à desigualdade do que à própria liberdade individual? Isso cheira à pólvora. De que adianta uma sociedade igual (se é que isso seja possível) sem que seus membros sejam livres? A resposta me parece meio óbvia.

A liberdade é um dos maiores valores, mais até do que a própria vida. Ainda que não estejamos sendo forçados a nada pela boca de uma arma de fogo, o perigo ronda, está à espreita. Sejamos vigilantes! Como o foi John Locke, ao seu tempo. 

Segundo John Locke, para a passagem de um estado de natureza precário e incerto a sociedade deve ter três coisas: 1) uma lei fixada com base em um acordo geral; 2) um juiz competente e imparcial; 3) uma autoridade com força suficiente para fazer aplicar as leis. E, justificando este novo estado civil, fundamenta a necessidade “pela mútua conservação das suas vidas, liberdades e bens, coisas que eu denomino, com um termo geral, propriedade”. 

Não quero dizer que a pobreza não exista e não tenha que ser combatida. Só que entre combater e eliminar existe uma diferença gritante. Diferença não apenas de grau, mas de possibilidade e impossibilidade. 

Conservadores são realistas, céticos, enquanto progressistas são otimistas demais. Mas o otimismo deles tem uma causa útil e pessoal, a pobreza. Quanto maior a pobreza maior a injustiça social. E se existe injustiça existem seus culpados (no caso, os ricos, o capital, o trabalho, as habilidades pessoais de cada um, a aristocracia, a tradição, enfim, valores ocidentais).

Sou do tempo em que caridade, amor, afeto, não se ensinam ou se impõem.

O pão, que é o corpo do nosso Senhor, é da mesma substância do corpo. Se unirmos nossa fé com a de Jesus, suportaremos suas dores e teremos suas alegrias. Esta a mensagem da cruz. Logo, erraram feio os materialistas ao pensarem que o corpo de Cristo, o pão, é apenas matéria formada de trigo e outros ingredientes a ser dividida, um condomínio. Fariseus!

Moral de história, quer dizer, de Robin Hood à brasileira: primeiro erradicaremos a pobreza, depois ajudaremos os pobres.

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Sergio Renato de Mello

Sergio Renato de Mello

Sergio Renato de Mello, brasileiro, casado, Defensor Público de Santa Catarina, residente em Rio do Sul, Santa Catarina.

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