Hugo: um nome socialista!

O que é um nome próprio de uma pessoa? Um nome é um grito de identidade. Um nome é uma expressão de independência. Um nome é uma marca individual em meio a história comunitária que é escrita todos os dias. Um nome é a identificação da autonomia em respeito a tradição. Um nome é o peso do passado expressado no presente. Um nome é uma realidade que condensou uma diminuta face da história humana em um registro público.

Existem nomes que são motivo de orgulho, nomes que são alvo de brincadeiras maldosas (ou nem tanto assim), nomes que se referem a personalidades históricas, nomes que ganham o peso do escárnio em razão de um contexto histórico e nomes que se vinculam a infinitas possibilidades de elogios ou críticas. Nomes belos, comuns, extravagantes, horríveis ou até mesmo aqueles que passam despercebidos. O fato é que nomes são elos entre um indivíduo e a maneira com que o mundo exterior o identifica. E em qualquer processo de identificação social sempre há uma carga emocional que desperta paixões.

Conheço pessoas que amam seus nomes, outras que os rejeitam como um vampiro que foge do sol e outras que são absolutamente indiferentes. As razões não obedecem a nenhuma estrutura racional. Amar, odiar ou permanecer indiferente aos seus nomes é um ato emocional, tão somente. E isso começa na escolha de um nome, algo que é comumente realizado por pais ou avós diante de um novo ser que vem ao mundo. Da emoção da escolha dos adultos a emoção do peso afetivo que deverá suportar a criança e futuro adulto: um nome é um fardo.

Um nome estabelece uma ligação perene entre a história de um indivíduo e sua nova vida. Mesmo que alguém altere seu registro civil, seja por qualquer razão, nunca será possível apagar a escolha original. Um “Claudionor” pode vir a se chamar “Cláudio” ou até mesmo “Cláudia”, mas as suas memórias nunca apagarão “Claudionor”. Por esse motivo, a definição de um nome é um ato de extrema importância.

Lembro que entre o final dos anos 90 do século passado e início dos anos 2000, duas figuras folclóricas e com relativo destaque no futebol deixaram uma marca para além das quatro linhas. O ex-volante Capitão, de memorável passagem pelo time da Portuguesa, ficou conhecido pelo seu nome curioso: Oleúde. Segundo ele, seus pais desejaram fazer uma referência a Hollywood, distrito de Los Angeles que é um símbolo da indústria cinematográfica. Por outro lado, o ex-zagueiro Odvan, de trajetória vitoriosa no Vasco da Gama, afirma que seu nome foi dado por seu tio em homenagem a uma canção de Roberto Carlos: “O divã”. Dois exemplos de que o brasileiro é criativo na escolha de nomes.

Apesar de serem tentativas mal estruturadas de cópias que prestem homenagens, estes nomes mostram a famosa criatividade do brasileiro em um nível estratosférico. De toda forma, em razão do sucesso destes atletas, seus nomes, de gosto duvidoso, acabaram criando uma mística ainda maior em torno de suas figuras, o que lhes proporcionou mais destaque midiático. Digamos que é um mal que acabou gerando um bem, se é que tal afirmação pode ser feita…

Apesar disso, creio que os nomes podem ter duas características centrais. Uma delas vinculada ao passado, as tradições e aos valores que nos formaram, ao passo que outra tende ao desejo de um legado vindouro. Se um nome respeita algo tomado por valioso na história, seja ela familiar ou de reconhecimento público, isso demonstra o apego por uma tradição que deve ser respeitada e projetada no indivíduo que carrega aquela marca. No entanto, se a outorga de um nome estabelece um novo laço que não está necessariamente preocupado com um passado entendido como respeitável e simplesmente obedece, por exemplo, a um apelo estético que entende como belo um determinado nome, imagino que um nome nestas características se resguarde de maior autonomia para o indivíduo que o porta.

Não que nomes que homenageiam o passado não possam ter uma história própria ou criar uma boa dose de individualidade. É que, talvez, eles nasçam excessivamente vinculados a um mundo que não lhes pertence mais, em dívida com o passado. Sem criar uma espécie de metafísica dos nomes das pessoas, é importante lembrar que passado, presente e futuro podem estar ligados de uma maneira estranha com o nome de alguém.

Mais uma vez o futebol pode ser um bom terreno para exemplificar essa questão. Pense no nome de Sócrates. O famoso filósofo ou o famoso jogador de futebol que encantou seus apreciadores com a camisa do Corinthians e da Seleção Brasileira? Reza a lenda que o pai do jogador estava lendo “A República”, de Platão, na época do nascimento de Sócrates. Outros dois irmãos receberam os nomes de Sóstenes e Sófocles. Lembrando que eles são irmãos de Raí, famoso jogador que brilhou com as camisas do São Paulo e PSG, nome dado em homenagem ao pai deles.

Bem, mas é possível que alguém que se chame Sócrates consiga se desvencilhar de algum legado que não desperte minimamente um ímpeto de aprimoramento intelectual? Nada é impossível na vida, mas imaginar um Sócrates qualquer que seja um completo ignorante soa ofensivo até mesmo para aqueles que detratam o filósofo Sócrates. Em outras palavras, o nome tem um peso na vida de uma pessoa. Mesmo que não seja determinante, há uma carga imemorial que envolve determinados nomes e que podem influenciar a vida de um cidadão.

Recentemente li uma reportagem no site da revista Marie Claire a respeito da “briga” que Sâmia Bomfim, deputada federal do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), trava para que sua licença-maternidade não seja lida como falta na Câmara dos Deputados. Como há pouco tempo deu à luz a seu filho Hugo, resultado da união com o também deputado federal Glauber Braga (PSOL), e se encontrando em situação de cuidados maternos, os painéis de votação da Câmara declaram que ela está ausente. O queixume é o seguinte: de acordo com Sâmia, se aparece “ausente” no momento de uma votação, subentende-se que ela não cumpriu suas obrigações. Nesse sentido, ela protocolou um requerimento à Mesa Diretora da Câmara para que esta sinalize que a parlamentar está com a respectiva licença, ao invés de ausente.

Bem, mesmo que ela esteja efetivamente ausente, creio que essa especificidade é razoável, na medida em que detalha a razão de sua ausência e que não é por motivo fútil ou desleixo com os eleitores, mas sim por uma nobre missão. Claro que Sâmia não perdeu a veia revolucionária e disse que a declaração de ausência do “jeito que está hoje é uma violência política contra a mulher”. Com isso já se pode ver que a deputada não é muito adepta da lógica, afinal, declarar a ausência de alguém é uma violência política?

Mas um dos momentos da extensa entrevista acabou fisgando demasiadamente minha atenção. Quando a revista pergunta se o nome do bebê de Sâmia e Glauber é uma homenagem ao presidente venezuelano, confesso que fiquei com a espinha gelada ao iniciar a leitura da resposta. Em caso negativo, ficaria aliviado com um peso desnecessário que criança alguma deve suportar. Mas pensei que para mentalidades revolucionárias que politizam tudo, muito provavelmente essa vinculação representaria um impulso familiar a causa ideológica. E assim, Sâmia respondeu: “Pensando em nomes a gente sempre voltava para Hugo, justamente pela admiração do Glauber ao Chávez, mas também pelo argentino Hugo Capacete, mais conhecido como Nahuel Moreno, um dirigente da quarta internacional. É um nome bonito, curtinho, mas também uma forma de vinculá-lo as nossas convicções políticas, ideológicas, e é uma homenagem a quem tem um importante legado de luta na América Latina”.

O progressismo é um aniquilador ideológico da racionalidade. Um progressista é um ladrão de mentes. Um progressista nunca se cansa em depredar a razão. Se para a causa revolucionária a mente de um inocente deve ser formatada desde tenra idade, nada mais justo do que destruí-la nos primeiros instantes de sua existência. Reparem que se não bastasse a idolatria a um Hugo ditador, ainda surgiu outro Hugo, igualmente revolucionário, que inspirou os genitores socialistas.

Sobre Chávez, qualquer palavra que relatasse os males do modelo ditatorial na Venezuela e seu projeto de expansão para a América Latina, seria insuficiente. Já sobre Hugo Capacete, ou Nahuel Moreno, é interessante lembrar que no artigo “A moral e a atividade revolucionária (moral Bolche ou moral Espontaneísta?)”, de 1969, ao tratar dos jovens da época que aderiam a sua causa partidária, declarou que eles são produto “de uma sociedade em falência, repugnante, com pais separados ou que traem um ao outro”. E quais as outras características dessa sociedade burguesa repulsiva? De acordo com Nahuel Moreno, a de pessoas que participam ou “relatam orgias sexuais reais ou imaginárias; com filmes que se divertem em descrever todas as variantes da perversão sexual, com a leitura diária sobre a quantidade de maconha ou ácido lisérgico que consome a juventude norte-americana ou europeia; com filmes pornográficos japoneses ou suecos que superam tudo o produzido no pré-guerra pelos franceses ou alemães; com pederastas ou lésbicas; com crimes ou assaltos vários; com delinquentes públicos transformados em grandes personagens que gozam de todos os favores e prestígio social; com uma escala aristocrática onde as artistas de cinema e televisão, rodeadas de playboys, são suprassumo da moda, dos costumes, da moral; com uma frieza entre os sexos nos países avançados, onde se está produzindo a liberação da mulher, que preocupa aos sociólogos; com a pílula como elemento fundamental na liberação da mulher”. E completou de forma acachapante: “Estes companheiros chegam ao partido vindo de uma sociedade totalmente corrompida, sem valores de nenhuma espécie, onde a família, a amizade e as relações entre os sexos estão totalmente em crise”. As palavras de Hugo Capacete, vulgo Nahuel Moreno, não estariam mais descompassadas das pautas do PSOL, mas cobrar coerência de socialistas é algo absurdo. É esse Hugo Capacete que Glauber e Sâmia desejam prestar homenagem? 

Aliás, é bem provável que boa parte do que Moreno tenha afirmado seja muito bem recebido por alas reacionárias. E muitos conservadores concordariam com algumas das razões apresentadas sobre a crise de valores contemporânea, algo que seria rechaçado por qualquer progressista, muito mais por membros do PSOL. É interessante destacar que a pederastia e o lesbianismo eram vistos como uma das causas da dissolução dos bons valores tradicionais, de acordo com Nahuel Moreno. Glauber e Sâmia conheciam este texto?

Além disso, será que o recém-nascido Hugo terá forças para não sucumbir diante da ideologia dos pais, ainda mais carregando um nome com aquela herança? Será que Glauber e Sâmia não puderam ter um ponto de inflexão que pudesse compreender que um indivíduo não é uma extensão de seus gabinetes políticos? Será que fanáticos progressistas não conseguem dissociar a independência de alguém sob seus cuidados de suas pautas ideológicas? Qual é mesmo o nome daquele movimento político que invade todas as áreas da vida, submetendo-a a uma vontade de um poder central? É totalitarismo? Ou fascismo? Ou um pouco dos dois?

Glauber e Sâmia poderiam homenagear o brilhante escritor Victor Hugo, o célebre jogador de futebol mexicano Hugo Sánchez ou até mesmo o famoso jurista Hugo Grotius. Ou simplesmente terem realizado a escolha a partir de seu senso estético. Ou por qualquer razão distinta da política. Mas eles optaram pelo caminho que sua ideologia determina. Optaram pelo caminho da politização da vida. Os defensores do partido socialismo e liberdade demonstraram que resta pouca liberdade no socialismo, afinal, o indivíduo já nasce com a “obrigação” de seguir um triste legado.

Sâmia não escondeu que a escolha do nome para seu filho é uma forma de “vinculá-lo as nossas convicções políticas, ideológicas […]”, conforme a sua resposta na entrevista. Sâmia não se furtou de deixar nas entrelinhas que desde cedo o socialismo cultiva um pequeno militante. Na sua fantasia materna, um filho deve ser um mero produto das vontades políticas ou ideológicas que estreitaram os laços amorosos dos pais? Será que o pequeno Hugo poderá, em breve, pensar diferente de seus pais? Ou as certezas ideológicas de seus pais são fatores limitadores do exercício de sua liberdade?

Por mais que isso pareça algo irrelevante, afinal, é só um nome, é inegável que a carga emocional e a origem de um nome podem afetar a vida de alguém. Crescer sob o estigma de um nome que tem suas raízes em homenagens a líderes esquerdistas revolucionários deve ter suas consequências.

Se Hugo vai seguir a herança de Chávez e Nahuel Moreno, é uma incógnita. Se Hugo vai aceitar ser guiado pelo controle remoto ideológico familiar, isso também é desconhecido. O importante, nesse caso, é reconhecer que nos desejos mais íntimos de um socialista, não há espaço para a liberdade. A propósito, meu pai se chama Hugo. Mas, graças a Deus, seu nome não deriva de nenhuma homenagem ideológica e permitiu com que construísse sua vida com independência e sem o peso do totalitarismo.

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João L. Roschildt

João L. Roschildt

Professor do curso de Direito do Centro Universitário da Região da Campanha (Urcamp). Além de articulista e ensaísta, é autor de “A grama era verde”. Site: www.joaoroschildt.com.br

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