Páscoa cristã: perdão, compaixão e esperança

Não é novidade para ninguém no Ocidente que o cristianismo exerce, em menor ou maior grau, uma força cultural significativa capaz de moldar o imaginário mesmo daqueles que dizem não professar a fé cristã. Conceitos como perdão, compaixão e esperança estão eivados de pressupostos advindos da crença cristã desde a sua fase mais incipiente, ou seja, desde o século I.

Sempre quem escreve ou se propõe a ensinar alguma coisa está cheio de crenças, sejam de cunho espiritualistas e transcendentais, sejam de cunho materialistas e imanentes. Com isso, quero dizer que é improvável alguém dizer que escreve como se fizesse uso apenas da própria razão, como se o indivíduo não sofresse a ação daquilo que ele mesmo acredita, isto é, daquilo que está no mais íntimo do seu ser e que move suas reflexões e convicções acerca de tudo na vida.

Dito isso, ao refletir sobre a comemoração da Páscoa, não é preciso ser um fiel católico, protestante, anglicano, etc., para encontrar profundos aprendizados que fazem parte da beleza da fé cristã. Alguns acreditam que o material contido, por exemplo, no Novo Testamento cristão, foi forjado e é passível de demérito. Outros, o leem com certa desconfiança argumentando que pelo fato de “ter sido escrito por homens” não merece crédito algum. O interessante é que, os que assim dizem, defendem com unhas e dentes a veracidade de escritos históricos e filosóficos que endossam suas ideologias e filosofias, porém, esquecendo-se que, também, estes foram escritos por homens.

Mesmo um ateu que vive por bater na crença cristã (haja paciência para bater no nada!) ou um ateu que seja indiferente ao cristianismo (um ateu bem resolvido), podem facilmente, também, identificar pontos de suprema humanização nos eventos relativos à semana da Paixão. Talvez, para um niilista radical, situações como o sofrimento e morte voluntária do Cristo possam soar como uma fraqueza que devesse ser superada, dando lugar ao Übermensch super-homem ou além do homem – proposto por Nietzsche. Esta fraqueza se daria em situações como, por exemplo, em que o Cristo, em nome de um ente superior inexistente, ao ser escarnecido por seus algozes levanta a sua face ao céu e diz: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem”.

Apesar de este dito do Cristo ter sido algo que, para mim, realmente aconteceu, isso pouco importa diante do aprendizado que esta e outras expressões e ações do Cristo trazem a nós. Neste ponto, pelo menos três palavras tomam uma magnitude que está para além da nossa vã compreensão, quando olhamos mais atentamente, religiosamente ou não, para o enredo da Páscoa.

A primeira delas, já mencionada aqui é o perdão. Vários autores, cristãos ou não, tem falado sobre o valor do perdão, do seu caráter terapêutico, um curativo da alma. Mais do que isso, de que o perdão é sobre-humano, de que é uma característica procedente do divino, algo incapaz de brotar no coração humano apenas por seus próprios esforços. Até porque, quem nesta terra, sabendo da traição imposta por seu discípulo, que andou junto dele por aproximadamente três anos, pergunta com uma mansidão ensurdecedora da razão dizendo: “amigo, com um beijo me trai?” Como pode o mestre sabendo da traição ocorrida receber o seu traidor chamando-o de “amigo”? Aqui, o perdão assume uma dimensão tal nunca antes assumida em toda história.

A segunda palavra que podemos aprender com o Cristo é a compaixão. Quando Jesus falava sobre o perdão, quando fazia seus milagres, não poucas vezes os evangelhos registraram a expressão prévia “[…] e Jesus, movendo-se de íntima compaixão”. O próprio ato da crucificação foi um extremo ato de compaixão (do latim compassio que significa sofrer-com, sofrer-junto). Você pode até não acreditar que isso aconteceu de fato, mas não pode negar a beleza desse ato em que uma pessoa, crendo na missão dada por seu Pai, sofreu a mais alta pena romana de forma totalmente injusta, a morte de cruz, a fim de oferecer salvação ao mais vil ser humano da face dessa terra.

Por fim, a terceira palavra que edifica nossa mente e coração ao observarmos atentamente a Páscoa é esperança! A esperança de que mesmo os planos e projetos que tenham sido dados como mortos podem ainda reviver e dar fruto em abundância! Não somente isso, mas, no contexto de pandemia o qual vivemos e que tem assolado o mundo todo com milhões de mortes, a esperança cristã possui um significado todo especial que nos ajuda a lidar com os reveses da vida e intensas crises como essa. 

Não aquela falsa esperança que remete a barganha com o Sagrado, ou a esperança mesquinha de querer algo em troca, ou ainda de esperar por aspectos materiais que transitam na esfera da efemeridade. Mas, a esperança que nos ajuda na esburacada e espinhosa estrada da vida. Que nos ensina a pular os buracos e a desviar dos espinhos sempre tendo em vista o alvo no qual almejamos chegar. Às vezes a travessia não é fácil. Ora caímos, ora nos machucamos. Quem tem perdido algum ente querido ou passado por problemas financeiros decorrentes desta pandemia sabe do que estou falando. Contudo, não perca a esperança! A esperança cristã! É ela que além de oferecer serenidade ao mais angustiado coração, revela um caminho de verdadeira vida que só pode ser encontrado, para os que creem, no exemplo deixado por Cristo.

Então, crendo ou não, tome a Páscoa como um momento de reflexão acerca destas três palavras: perdão, compaixão e esperança. No mínimo, o modelo deixado pelo Cristo, lhe ajudará a ser um ser humano melhor. Uma coisa lhe garanto: pior você não vai ficar.

Feliz Páscoa.

 ¹A expressão “niilista radical” decorre do fato de ter sido o filósofo alemão do século XIX, Friedrich Nietzsche (1844-1900), quem revigorou o conceito de niilismo tendo como lema o dito “Deus está morto”, presente em sua obra A Gaia Ciência de 1882. Um niilista, portanto, seria alguém que admite a existência do nada como uma doutrina ou estilo de vida e de que os valores cristãos já não mais direcionam a vida do homem ocidental, uma vez que “Deus morreu” e com ele, os valores que sustentavam a crença n’Ele.

² O sofrimento e compaixão propositais do Cristo, segundo o conceito de super-homem ou além-do-homem, seriam situações negadoras da vida na tentativa de afirmar valores oriundos da esfera sobrenatural. Para Nietzsche, a humanidade deve-se afirmar a cada instante, abandonando a posição ressentida e reativa na forma de remorsos, fraquezas e arrependimentos.

³Lucas 23.24.

 4 Mateus 26.50

Gostou desse artigo? Apoie o trabalho do Burke Instituto Conservador virando um assinante da nossa plataforma de cursos online.

As posições expressas em artigos por nossos colunistas, revelam, a priori, as suas próprias crenças e opiniões; e não necessariamente as opiniões e crenças do Burke Instituto Conservador. Para conhecer as nossas opiniões se atente aos editoriais e vídeos institucionais

Jocinei Godoi

Jocinei Godoi

Mestrando em Ciências da Religião pela PUC-Campinas-SP. Formado em Teologia pelo Seminário Teológico Batista Independente de Campinas-SP e em Filosofia pela PUC-Campinas-SP

Compartilhe

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp
Compartilhar no email
Email

Comentários

Relacionados