Considerações filosófico-morais sobre o aborto

Quem observa a posição conservadora sobre o aborto tende automaticamente a associá-la a alguma religião, certo? Demonstrarei o erro desse julgamento. A despeito dos incontáveis fundamentos religiosos sólidos para a sua rejeição, pretendo não abordá-los aqui. Fiz questão de traçar uma linha filosófica de ordem moral universal, evitando a degeneração do debate para aspectos religiosos, os quais normalmente são objetados pela mera rejeição à transcendência.

Até meus trinta e poucos anos, nunca fui contrário ao aborto. Como tenho grande apreço pela liberdade e autodeterminação humanas, sempre tendi a encarar como um legítimo direito de escolha da mulher. Mais tarde, percebi as falhas dessa concepção, retificando minha opinião. Farei algumas considerações a respeito dos argumentos comumente utilizados, refutando-os apenas com o raciocínio lógico-dedutivo.

1. Direito sobre o corpo. O corpo, todavia seja da mulher, carrega um ser totalmente diferente dela, tanto assim que muitas vezes tem tipo sanguíneo diverso e sequer herda necessariamente suas doenças. A soberania não é exercida sobre o próprio corpo, porquanto ela não sacrifica a própria vida, mas a de um terceiro. Pior: um terceiro inocente e sem a menor chance de defesa. Assim, a alegação sobre a disposição do próprio corpo é uma meia-verdade, pois a mulher funciona como locadora de um espaço, e não como sua proprietária. A gestante não é dona do bebê como é de um órgão seu, como o fígado por exemplo.

2. Autonomia. A mulher, embora geste, não faz um filho sozinha. O homem, a despeito da sua coadjuvância na concepção, é o pai daquela criança, tendo 50% do seu material genético nela. Logo, tendo sido uma relação livre e consentida, sua opinião não é desimportante. Curiosamente, as feministas defensoras da autonomia da mulher quanto à decisão de abortar são as mesmas que chamam de irresponsáveis aqueles homens que não assumem seus filhos, no que, diga-se, estão totalmente corretas.

A ampliação da permissão ao aborto retira da mulher o compromisso do dever de cuidado com seu próprio corpo e com a vida alheia. Considerando as dezenas de métodos contraceptivos ao alcance, esperar chegar ao último estágio para interromper a gravidez significa que a mulher rompeu todas as etapas do dever de cuidado, pois uma solução mais prática e simples está agora disponível. Essa é uma forma imoral de decidir, pois suprime sua responsabilidade pessoal, transferindo o ônus a um terceiro inocente, numa clara decisão utilitarista. Pior: um rígido princípio que governa as relações humanas é o binômio ação/responsabilidade. Ao conceder absoluta autonomia e irresponsabilidade à mulher, perde ela a noção sobre as consequências dos próprios atos, equiparando-a ao incapaz, que demanda uma tutela.

Facilitar o desfecho de uma gravidez indesejada não trará mais liberdade à mulher. A liberdade é um statu quo ante; ela só existe quando diferentes consequências podem advir a depender da escolha precedente. Já a responsabilidade é uma noção moral derivada da liberdade – em suma: não há responsabilidade sem liberdade. Isto posto, se sei de antemão que não terei responsabilidade, por que utilizarei minha liberdade para precaver? Se me valho do meio mais cômodo para a minha satisfação, abro mão da responsabilidade e mais ainda da liberdade.

O aborto é, sem dúvidas, uma relativização da vida. Tanto isso é verdade que vemos cada dia mais a permissividade avançar para um período de gestação mais adiantado. Já estamos permitindo aborto em estágios da gestação nas quais o nascimento com vida é totalmente viável, como vimos recém aprovado na Colômbia. Se analisarmos em essência, não há qualquer diferença entre o aborto no primeiro mês ou no nono, pois a vida já existe. Em verdade, sejamos honestos, a criação de marcos temporais legitimadores para a realização de abortos tem relação apenas com a quebra progressiva das barreiras culturais por meio da dessensibilização. Se há 20 anos falássemos em aborto aos 6 meses de gestação, todos ficariam indignados; hoje não choca mais! Se a tolerância aos absurdos continuar, logo acharão natural matar um recém nascido. Se a desculpa é a impossibilidade de criar, tudo é legítimo. Afinal, sempre poderá subsistir algum motivo econômico a justificar ações humanas imorais. O que hoje parece grotesco e monstruoso, logo é naturalizado. É assim que o progressismo avança.

3. Controle populacional. A tese é boa e até discutível, pois o crescimento desordenado de fato tende a criar pobreza. Ocorre que o mundo há muito tempo vem desacelerando seu crescimento, em todos os continentes. Ainda crescemos, é verdade, embora a desaceleração seja constante e, ao que parece, irreversível. Vários fatores estão envolvidos, como métodos contraceptivos altamente disseminados. Mas o principal deles é que há uma tomada de consciência universal, notadamente em razão do aumento do custo de vida e da saída da extrema pobreza por boa parte dos indivíduos, independentemente do povo, etnia, religião ou país. A população ainda cresce muito mais pelo aumento da expectativa de vida do que pelos novos nascimentos, senão vejamos: em 1965, a média mundial era de 5 nascimentos por mulher, a partir de quando iniciou uma redução constante, chegando, em 2017, aos 2,5 nascimentos e com tendência à queda segundo a própria ONU[1]. Desse modo, mantidos os atuais parâmetros, em breve a Terra experimentará um crescimento negativo, jogando por terra a desculpa do aborto como método salvador.

4. Racismo e eugenia velados. Um assunto convenientemente evitado pelos progressistas diz respeito com o estrato da população mais atingido com os abortos. O bastão da feminista eugenista abortista Margaret Sanger foi passado para entidades camufladas com denominações atraentes, como a Planned Parenthhood. Sim, talvez você não saiba, mas “cerca de 80% de suas clínicas abortistas estão localizadas em bairros negros e hispânicos (…) um bebê negro americano tem 3,75 vezes mais chance de ser abortado que um bebê branco”[2]. Mas é ainda pior: a população negra norte-americana é de apenas 12%, não obstante responda por 37% dos abortos no país. Isso vale também para o Brasil, sendo aqui potencializado pelo maior percentual de negros e pela maior pobreza. Ou seja, ao comprar a pauta do aborto, você leva o combo da eugenia, que nada mais é que controle da população negra.

5. Moralidade e cosmovisão. O escritor norte-americano Jonah Goldberg adverte sobre não utilizar argumentos morais contra quem não os compartilha. Mas existe um deles que entendo cabível, dada a sua universalidade, sobretudo por não ser religioso. Existem muitos homens e mulheres que dariam tudo para ter filhos e, ainda assim, por esterilidade ou outro motivo, jamais o terão. Diante desse infortúnio, é de se espantar que uma mulher opte por impedir o nascimento de uma vida que muito bem poderia dar em adoção, equilibrando essa desigualdade. Sendo mais específico: é, no mínimo, imoral abortar uma vida quando há tantos desejando um filho. Por que já compreendemos a imoralidade em jogar comida fora diante da fome alheia, mas relutamos a entender que, para cada aborto, há alguém sofrendo sem um filho?


[1] ROSLING, Hans, Factfulness – O hábito libertador de só ter opiniões baseadas em fatos, Record, pág. 94.

[2] CAMPAGNOLO, Ana Caroline, Feminismo – Perversão e subversão, Vide Editorial, págs. 148-150.

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