O Conservadorismo que me interessa

Dias atrás um amigo me contava que descobrira que tínhamos outro amigo em comum e que este havia lhe dito sobre mim: “Agora ele virou escritor”. Espantei-me, embora não devesse, afinal, virei mesmo. É que quando passamos tantos anos buscando descobrir a vocação, brigando com as circunstâncias, inseguro das escolhas feitas, muitas à contra-gosto, e sentindo sempre faltar algo em tudo que faz, essas definições soam sempre equivocadas. No mínimo por parecerem provisórias em razão do hábito da incerteza

Mas fiquei a pensar nessas coisas, em como nos definimos e outros nos definem. Em boa parte da minha vida adulta fui advogado, sendo substituído pelo professor que agora aos poucos integra e faz par ao escritor, naquilo que o clichê das duas faces da mesma moeda bem expressa. Seria suficiente? Não.

Quando convidado a escrever uma coluna aqui para o Burke Instituto Conservador estava a pensar nessas coisas, em como nos definimos e outros nos definem. Se sempre tive dificuldade de aceitar uma definição profissional como sendo suficiente, quanto mais por demarcações como a de ser conservador ou progressista, de direita ou de esquerda. Para mim isso sempre valeu menos do que me identificar como torcedor do Atlético/Pr., por exemplo, o que de fato sou e sempre serei, ao contrário dessas outras coisas que me parecem relativas demais para darem identidade a quem quer que seja.

Já fui de esquerda, por exemplo. Só depois dos vinte e poucos anos é que me dei conta que estava sendo sem saber direito como nem por quê. No que comecei a pensar nisso não precisei de muito para abandonar o esquerdismo. Mas deixar de ser de esquerda torna alguém de direita? Não sei mesmo. O que sei é que na mesma época decidi deixar isso em suspenso até estudar melhor e se fosse para ser de direita que viesse a ser com conhecimento de causa. Mas quanto mais estudo, menos isso me interessa. De verdade.

Quando li a famosa resposta dada por Nelson Rodrigues à pergunta feita por Clarice Lispector – Nelson, você é da esquerda ou da direita? – identifiquei-me tanto que faria mais sentido eu me identificar como rodrigueano do que de direita: “Eu me recuso absolutamente a ser de esquerda ou de direita. Eu sou um sujeito que defende ferozmente a sua solidão. Cheguei a essa atitude diante de duas coisas, lendo dois volumes sobre a guerra civil na história. Verifiquei então, o óbvio ululante: de parte a parte todos eram canalhas. Rigorosamente todos. Eu não quero ser nem canalha da esquerda nem canalha da direita.” Também não quero. Restava-me entender que solidão é essa que valeria tanto a pena assim defender. Acho que hoje a entendo melhor.

Quanto ao conservadorismo e progressismo não foi diferente, embora sejam definições mais significativas do que esquerda e direita. Fui descobrir que ao ter suspendido essas decisões até entender melhor do que se tratavam as opções em jogo eu estava sendo prudente. Como a prudência, dizem, está na essência do conservadorismo, parecia que tinha encontrado minha turma. Mas se sou conservador o sou ao estilo brasileiro, mais por um certo instinto preguiçoso do que uma escolha consciente. Também porque pouco me interessei pela bibliografia conservadora desde o início de meus estudos solitários, preferindo muito mais conhecer melhor o que, no fim das contas, deveríamos conservar.

Por isso, se for fazer as contas, acho que do conservadorismo tenho por enquanto só o amor à prudência e o interesse mortal pelo guarda-roupa que me levou a algo muito maior e melhor do que “ser conservador”. E se você não entendeu de imediato a referência ao guarda-roupa, pare de fazer pose e vá ler as “Reflexões sobre a Revolução em França”, do pai fundador do conservadorismo, Edmund Burke, que ao perceber a desgraceira que viria em razão daquilo profetizou: “Toda a roupagem decente da vida deverá ser rudemente rasgada. Todas as ideias decorrentes disso, guarnecidas pelo guarda-roupa da imaginação moral, que vem do coração e que o entendimento ratifica como necessárias para dissimular os defeitos de nossa natureza nua e elevá-la à dignidade de nossa estima, deverão ser encostadas como moda ridícula, absurda e antiquada”.

Quando li isso fiquei com o guarda-roupa na cabeça. Do que ele está falando exatamente? Ao procurar saber mais notei que a maioria imensa dos conservadores se interessou e fala muito sobre imaginação moral, mas quase nada dizem sobre a analogia usada que me parece dizer muito mais e melhor do que essa expressão “imaginação moral”. Quem melhor falou sobre, o fez usando ainda mais fortemente a analogia, até abusando da alegoria. Faça o teste: leia tudo que já escreveram sobre imaginação moral e depois leia “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa”, de C. S. Lewis e perceba como a ficção de Lewis consegue ir muito mais direto ao ponto.

“Por isso, se for fazer as contas, acho que do conservadorismo tenho por enquanto só o amor à prudência e o interesse mortal pelo guarda-roupa que me levou a algo muito maior e melhor do que ‘ser conservador’”

No fim das contas, todos esses termos e expressões como “roupagem decente da vida”, “guarda-roupa da imaginação moral” ou mesmo “civilização ocidental”, “tradição”, “alta cultura”, “valores permanentes” e outros assim só ganham sentido e significado quando partem do e remetem ao coração da própria realidade da vida que nos conserva: Jesus Cristo, o leão nas crônicas de Nárnia criada por Lewis. E se você precisa de mais do que isso para aceitar que o ponto é este e somente este, abra um calendário e se recorde em razão de quem contamos o tempo da história humana.

Em suma, o cristianismo é o guarda-roupa da imaginação moral. Não se trata apenas de algo “importante” a ser conservado, algo que “faz parte” do conservadorismo etc., mas do próprio fundamento de toda e qualquer coisa que vale a pena ser conservada. Por isso, talvez um cristão não precise ser um conservador, mas um conservador que não seja cristão nem conservador é!

Enfim, essa primeira coluna já se estende mais do que deveria e só queria, no fim das contas, apresentar-me ao leitor. Espero que tenha conseguido me fazer entender, do por que nem advogado, professor, escritor ou qualquer outro ofício seriam suficientes para me definir, tampouco ser conservador, de direita ou coisa que o valha. Tudo isso me apresenta e representa em alguma medida, mas nada disso dá conta de quem sou. Só Jesus Cristo pode me definir por inteiro, ainda que seja um imenso bom combate permitir que Ele me defina. Em outras palavras, só me interessa conservar aquilo que é Jesus Cristo em mim. Assim como também me interessa tudo o que me faz progredir ainda mais à Ele. Talvez ainda não seja um sujeito que defenda ferozmente a sua solidão, mas ao menos sei que essa solidão só vale a pena ser defendida se for a ocasião para encontrá-Lo. Fora Dele somos todos canalhas.

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Francisco Escorsim

Francisco Escorsim

Formado em direito, professor do Instituto Borborema e colunista na Gazeta do Povo.

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