História Manchada

Em 1963, dia 1 de dezembro, exibia o Jornal do Brasil: Churchill chega a 89 anos e com saúde. Na data especial, o ex-primeiro ministro compareceu à janela de sua residência, com saúde boa e característico bom humor, para agradecer a manifestação dos populares por quem sempre lutou. O bolo de aniversário cercado com 89 velinhas pesava 10 quilos, todavia o seu detalhe principal era o ornamento fazendo alusão à cidadania norte-americana, com a frase histórica escrita pelo ex-presidente John Kennedy: “Nunca, no terreno das relações humanas, o mundo deveu tanto a um homem”. Ao ir à janela para a comemoração de seus 89 anos, o britânico não trazia entre os lábios o tradicional charuto, mas acalmou os presentes dizendo: “Não, não deixarei de fumar os meus charutos”.

Infelizmente dois anos depois, em 16 de janeiro de 1965, o mesmo jornal em uma de suas páginas, com tom de tristeza, anunciava: “Churchill Agoniza”. As pessoas, percebendo o agravado estado do veterano, desesperançosas na vitória de Churchill sobre a morte, reuniram-se em frente à residência do ex-primeiro ministro.

Pouco a pouco foi piorando, solidificando-se, sofrendo por ficar em estado de coma, aproximando-se da batalha que não sairia vitorioso. Certamente se Churchill tivesse acompanhado de seu charuto, baforaria a fumaça na face da morte e gargalharia, mas por seu estado desesperador, dez dias depois, Churchill perdeu a batalha entre a mortalidade e sua fraca saúde.

Churchill cintilou sempre como incomparável herói. “Nenhum de seus contemporâneos poderia jamais disputar-lhe o título de homem-símbolo”, dizem pessoas das quais não posso discordar. E de modo pertinente não posso discordar do termo “homem-símbolo”, compartilho este pensamento com o parlamento inglês – que inaugurou em 1973 a escultura de bronze, materializando o simbolismo do homem, criada por Ivor Roberts-Jones.

O mito não desumanizou o homem – símbolo de uma época conturbada, que rasgou à humanidade as perspectivas de uma nova fase da História, o ideal tradicional da Liberdade, rejeitando as falsas utopias sanguinárias –, ao convertê-lo em monumento, mas monumentalizou e congelou pelo frio de Londres, o homem que não somente defendeu a Civilização, mas dignificou-a.

O exemplo não se perde pela rigidez da escultura. De certo modo o exemplo de Churchill renova-se a cada nova manhã, a cada novo chá da tarde e a cada noite fria, justamente pelo fato de que está parado e não pode mais ter quem macule a sua história.

Perdoe-me leitor, esqueci-me de dizer que o “homem-símbolo” Churchill só não é maior do que o mito dos defensores da democracia. O mito é o nada que é tudo, como diz o poeta. Escorados no mito do racismo de Churchill, no último dia 7 de julho, manifestantes picharam a estátua do ex-primeiro ministro. Na obsessão juvenil de o mundo mudar, apagaram o nome do veterano e no lugar escreveram, com caligrafia péssima: “was a racist”, em dicção tupiniquim, era um racista. Além de demonstrar a total hipocrisia medida por escalas ideológicas, demonstrado foi que a estátua permaneceu em pé, Churchill permaneceu escorado em sua bengala, com a outra mão no bolso procurando um bom tabaco, seu beiço seco esperando por um charuto e o olhar arrepiante que seria capaz de fulminar os revoltosos. Ou seja, Winston Churchill permaneceu do lugar do qual sempre fará parte: na História. Mas e os jovens? Bem, os jovens voltaram para o lugar de onde nunca deveriam ter saído: o vazio de suas casas e a prisão de seus pensamentos, entristecidos com a notícia de que a estátua será blindada – como se já não bastasse o próprio ex-ministro para proteger-se a si mesmo – mas felizes por aparecerem na TV, pois terão aumento da mesada.

Shopenhauer sintetizou: “A cada trinta anos, desponta no mundo, uma nova geração, pessoas que não sabem nada e agora devoram os resultados do saber humano acumulado durante milênios, de modo sumário e apressado, depois querem ser mais espertas do que todo o passado”. A síntese adequa-se perfeitamente aos “anti” fascistas/racistas destruidores de esculturas.

Mas não fiquemos somente com o exemplo distante. No Brasil o que levaria os revoltosos a fazer diferente? Por que não entrar tradicionais planejando e destruindo os símbolos tradicionais brasileiros? O que os impediria?

I.

Manuel, jovem descendente de português e escravos, filiado ao Psol, chega tarde em sua casa acompanhado da namorada, abrindo a porta cuidadosamente para não acordar a avó. Atoa foi o esforço, a velhinha ainda estava acordada, esperando-o preocupada. Perguntou-lhe:

­- Onde estava, garoto? Isso são horas de chegar em casa?

– Estava na manifestação contra aquele fascista de merda em quem a senhora votou – retrucou Manuel.

A senhorinha que estava terminando de apagar as velas que há pouco acendia para o neto, já estava aprontada para ir deitar-se quando a namorada, deixando a máscara e a bandeira em cima da mesa, fez-lhe um questionamento:

– O que tem para comer? – isso perguntou pois não sabia nem ferver uma água. Estava mais preocupada em salvar o país.

– Não sobrou nada – respondeu Rosa. Mais cedo fiz arroz com bife, mas recebi visitas.

– Como assim, vó? – interrompeu o garoto. Eu não aguento mais viver nessa casa. Uma pessoa que apoia um genocida, nem minhas roupas passa direito, com esse olho enrugado. Saia da minha frente! Pegarei o dinheiro da mesada e comprarei uma comida vegana pelo aplicativo.

A namorada aliviada por não ter que mostrar os dotes culinários, apenas concordou com o homem desconstruído.

A velhinha, sem graça e sem forças para discutir com os jovens sagazes, perdeu o sono e sentou-se no sofá. Ao ligar a televisão, escandalizou-se. Deparou-se com uma notícia dizendo que a estátua do Pe. António Vieira havia sido vandalizada.

Imediatamente voltou os olhos para suas santinhas, viu entre elas, o pequenino busto do Padre que tinha ganhado de sua avó. Deixando ainda mais enrugada pelas lágrimas, não conseguiu atenuar o volume do choro e aumentou o volume do televisor para esconder-se, mas foi ouvida pelos revolucionários sentados a mesa, comendo um Big Mac e tomando milk-shake.

Quando ouvida pelo neto, Manuel grosseiramente disse a ela:

– Abaixe esta televisão, velha. Está surda?

– Típico comportamento de mulheres que se rendem ao patriarcado: sentam em frente a televisão e com dois minutos de novela mexicana já estão aos prantos. Judith Butler estava certa. – completou a menina com as axilas peludas.

A velhinha não ouviu os gritos. Estava vidrada na tela. Isso fez com que os jovens fossem até ela. Irritados por obrigatoriamente pararem de compartilhar as fotos da manifestação que fizeram parte, chegaram na sala e viram a manchete estampada: “Estátua do padre Vieira é vandalizada em Lisboa”.

Aquela manchete, aquelas poucas palavras, despertaram no jovem casal o impulso para fazer o mesmo, para seguir as tradições e destruir tudo e “descolonizar” com as próprias mãos. Manuel e a namorada trocaram olhares e se entenderam sem precisar dizer uma só palavra. Precisavam começar a destruir tudo, e imediatamente.

Manuel olhou para o lado e seu olhar democrático logo pendeu para a mesinha. Sim, a mesinha de madeira antiga que era limpa diariamente pela avó por conta do cheiro forte amadeirado. A mesinha que diariamente amparava a bengala surrada da velha. A mesinha com todos os santos e as velas apagadas pelo momento decisório de euforia dos jovens e tristeza de Rosa.

– Olha ele ali! – disse o neto. É aquele padre vagabundo colonizador, não é?

– Sim – respondeu a “menina”.

E num gesto rápido, fez-se o barulho do gesso caindo no chão. O jovem jogou a mesa para cima numa fração de segundo. A velha só se deu conta quando tudo estava ao chão. Todos os santos, toda tradição, o passado, todos quebrados, fragmentados por um ato de progresso de seu neto democrático.

– O que você fez? – perguntou Rosa soluçando.

– Eu fiz o que deveria ser feito! Esses fascistas não tem lugar na minha casa. Muito menos padre. Onde já se viu acreditar em Deus? Marx é suficiente, e se Marx me faltar… Fico com Marighella.

– É hora de acabar com o sistema – raivosamente completou a garota admirada pelo ato de Manuel, prometendo-lhe eterna submissão pelo ato revolucionário.

Os dois chutaram os cacos e foram para o quarto do jovem. Quarto este que foi construído pela associação de ajudantes voluntários da igreja. No caminho, entre os dois os questionamentos continuavam:

– Qual será o próximo monumento que destruiremos, Manuel?

– Não sei ainda, mas isso será decidido amanhã. Estou pensando na estatua da Princesa Isabel, ou de Duque de Caxias. Os dois merecem. Não podemos mais tolerar fascistas históricos e racistas como eles. Chega! O passado é nossa mácula histórica.

E foram dormir, prontos para despertar ao meio dia, aprontarem-se rapidamente e se perderem nos bandos de ataque, aniquilando a individualidade e a responsabilidade.

A velha ficou na sala, rejuntando os cacos que materialmente demonstravam o passado rico e a esperança. Tentou colar as peças e passou a noite inteira nesse árduo trabalho. Revivê-las.

– Eles precisam ficar – repetia. O que seria de nós sem eles? Como andaria eu sem o chão do passado? Como o amanhã poderia existir se o ontem não fosse real?

Ao amanhecer, tudo estava recomposto, escondido para o neto não ver. Ela terminou a oração matutina dizendo:

– Pai, tenha misericórdia de meu neto, faça-o entender o presente momento do passado.

Três horas depois os jovens acordaram descabelados, arrumaram-se e novamente tudo foi ao chão.

O passado é constantemente convidado ao esquecimento, mas sem ele não há progresso. Só progride o que permanece, o que se mantem. A revelação nos lembra que Cristo é o mesmo ontem, hoje e para sempre. Nele há progresso porque nEle há permanência. As trevas imputadas no passado são trevas de nossa mente. A história não será manchada com tintas diluídas na água imatura da juventude, pois foi escrita com caneta permanente.

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Yuri Ruiz

Yuri Ruiz

Um jovem conservador, antifeminista, antimarxista e cristão.

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