Testemunho de um terrorista

Ele deve morrer! Eu devo, você deve, leitor. E se a morte for considerada muito monótona, merecemos a prisão! Perdoe-me amigo leitor por ter entrado com o passo muito forte, talvez até rude, mas é necessário.

Ainda essa semana, lendo naturalmente as notícias, na realidade usando-as como incentivo ao cansaço para os meus olhos, intentando descansar, dei-me, ou melhor, meus olhos deram com uma notícia que os chocaram e que me despertou. Tal era a frase: “Por que torço para que Bolsonaro morra”. E, depois de minha incomodidade pelo erro infantil no uso das “regras dos porquês” – erro este que jornalista nenhum deveria cometer, mas que pelos ótimos manuais de redações atuais ou até mesmo pelo teor de baranguice linguística e embriaguez gramatical do atual jornalismo brasileiro não surpreendem – o que me espantou foi o crescimento do ódio dentro das redações (os gabinetes do amor).

Cabe aqui uma ressalva. Não exijo dos jornalistas a colocação pronominal de um Jânio Quadros, mas isso não significa caminho aberto para que eles livremente escrevam com a continuidade de um gago ou a entonação de um fanho.

A palavra que mais me espantou foi “morra” e não por sua novidade em meio ao debate público, porque através de uma facada já tentaram dar vida a interjeição “morra”, mas por estar explicitada e ser um desejo de quem defende a democracia. Anteontem aos terroristas a prisão já era o suficiente, ontem – pela saída da prisão – era aceitável a censura em todas as redes, o silêncio e a tornozeleira eletrônica e todos os adereços dos criminosos, mas hoje nada disso é suficiente, chega de prisão sem motivos, busca e apreensão, nada disso. Chega! “Se aos terroristas e ao Gabinete do Ódio não podemos desejar a morte [visto que são milhões], é justo desejar e canalizar tudo ao representante: Morra o Presidente!”.

Esse era o coro que se fazia na minha mente. Os compositores da máxima, os instrumentistas, o regente e a orquestra inteira era formada pela Mídia: o novo Sol, debaixo do qual, nada existe de novo. No gabinete do amor e nas redações democráticas, o ódio é sempre o mesmo.

Essa “notícia”, melhor, esse desejo, tanto me espantou que já sabia que a tentativa do descanso seria fadada ao fracasso. Fui à biblioteca modesta que tenho, e nada me chamou atenção, nesse processo de procurar obras que me pudessem ajudar passei trinta minutos, e no trigésimo primeiro minuto achei um livro de contos de Machado de Assis; livro este que merecia um bom café. Fui então à cozinha, abri o pote e deparei com uma cena tão decepcionante quanto aquela pela qual o texto foi iniciado: havia no pote menos de uma colher de pó.

Nem pensei duas vezes e me aprontei para ir comprar mais. Coloquei o chapéu, o casaco e todo o resto que importava. Caminhando lembrei que havia me esquecido do principal: A Máscara. Mas, por já situar-me para além da metade do caminho, preferi prosseguir. Em um curto espaço de tempo chegaria ao armazém compraria o pó de café e voltaria. Entretanto não contava eu com a intromissão de um outro personagem.

Eu ia e a polícia vinha. Avistaram-me de longe, tentei justificar o esquecimento do utensílio que eu deveria estar usando “para salvar vidas” – como eles disseram – afinal de contas, o leitor há de concordar comigo, era por uma causa nobre: Machado e café. Mas logo vi que os senhores não tinham simpatia, ao menos não demonstravam, pela literatura, e pela quentura do café; dado a frieza das algemas que colocaram em minhas mãos. E, com o mesmo tempo que levaria para chegar ao armazém, eles levaram até chegar à delegacia e me encaminharam para uma cela (mas tudo pela segurança, é claro).

Confesso que a cela estava mais vazia do que eu imaginei ao perguntar o motivo, um dos sujeitos fardados me respondeu:

– Estão vazias por hora. Nós já temos os nomes de quem ocupará esses lugares. Estamos esperando o dia para pegar eles.

– Mas vocês preveem os crimes que serão cometidos? Continuei eu, aproveitando a oportunidade do diálogo raro.

– Crime? Mas para que crime, rapaz? Isso a gente vê depois. Não precisa de crime, basta uma justificativa mequetrefe que os cara sempre arranjam.

– Os caras? Mas quem são esses? Interroguei.

– Os ministros, cacete. Agora chega de perguntas, e se quiser saber mais alguma coisa até a hora de ir embora, pergunte aos outros presos.

Obedeci e perguntei aos outros presos, ou melhor, para um deles, que estava na cela de frente com a minha, e cujo nome não sei até agora. Perguntei-lhe como funcionava o processo de comunicação, pois queria solicitar uma ligação, mas não sabia a logística do lugar.

– Ligação? Você deve estar de brincadeira… deveria ter pedido para eles antes, porque agora não tem mais jeito. E nem me venha pedir celular, eu tenho, mas você não pode usá-lo. O Presidente Lula usava ele para mandar mensagens, ele respondeu.

O que me deixaram foi o terço que carregava no bolso, e como já havia me conformado com a ideia de que passaria ali muito tempo, comecei a rezar, mas não durou tempo significativo, uma vez que fui visto por outro preso que logo me acusou de “acusador” dizendo que o estava julgando e rezando para “que ele queimasse no inferno”, e outros nomes que não cito aqui para não ofender o leitor.

– Acusador? Perguntei eu para mim mesmo. Mas como se meus colegas de trabalho, assim como outros jornalistas, “ativistas” e manifestantes estão sofrendo nesse tribunal acusatório? Tribunal que deveria em essência ser inquisitório e questionar os seus acusados.

Compreendi ao guardar o terço no bolso que no Brasil os ministros que compõe o supremo estão demasiadamente embriagados com a ditadura judiciaria que capotaram o carro de uma das intuições democráticas e o veículo parou de cabeça para baixo. É uma Supremo às avessas. Avesso a qualquer manifestação contrária.

Ao final desse meu pensamento, já tinham se passado uns bons punhados de horas e enfim o guarda chegou para me “soltar e liberar”. Providenciaram-me uma máscara das mais vagabundas e deixaram-me ir para casa, mas “direto para casa”, porque eu ainda era “um terrorista e uma ameaça”.

No caminho de volta, ao passar por um pequeno bar, vi sentados à mesa um grupo de jovens, dos quais eu tinha a impressão de conhecer – não pessoalmente – então a única possibilidade plausível era a de que os conhecia pelo papel, e que para a tristeza dos desconstrucionistas, e para a minha também, os autores das ilustres matérias atuais e das manchetes desejando que alguém morra existiam fora do texto e eram reais: de carne, osso e ressentimento, com os diplomas de jornalista e livro da Manuela d’Ávila em cima da mesa. (E sem máscaras).

Já que o tempo e a pontualidade já não eram mais prioridade do meu dia, resolvi aproximar-me dos jovens “jornalistas” e ouvir a bela discussão democrática entre eles. Um deles, que estava com a barba pendente, escrevia no guardanapo uma Ode ao Supremo, posto que o título era: “Ode suprema” e a primeira frase… “Ódio à democracia e ao Olavo”.

Naquela mesa o gabinete do amor proseava sobre tudo que o leitor é capaz de imaginar. Ao falar do caso do recente e o suspeito de pedofilia, algumas moçam concordaram entre si dizendo:

– Ah, mas isso é relativo, não podemos generalizar todos os casos de pedofilia.

E o escritor da Ode interrompeu o escrito para dizer:

– Já estou escrevendo uma matéria endossando as ações de parlamentares e do STF para descriminalizar o aborto, pois se não existir bebês os pedófilos desaparecem!

– Essa é um ótimo pretexto para o aborto, meu amigo, disse o outro com a cara lisa.

– O chefe me pediu uma coluna para apoiar aquele caso da Hotmart, e eu farei com muito prazer, disse outro desligando o celular após a self que tirou para o namorado.

– Qualquer um teria prazer, se o G-Ê-N-I-O do Brasil, o Felipe Neto apoia, quem não apoia? Só os fascistas, disse nosso escritor.

Houve uma pausa no diálogo pois o garçom do bar chegava com os pedidos, mas por um descuido ele se esqueceu de uma das solicitações, e justamente o pedido esquecido foi o da moça ao lado esquerdo de nosso escritor, e dona do livro de Manuela d’Ávila.

– Seu machista horrendo, fascista-bolsonarista. Você não esqueceu nada; não trouxe porque eu sou mulher. Mulher! E é claro que você odeia essa palavra, seu misógino, é certo que ele bate na esposa, pessoal, não é?

Todos concordaram. O garçom ainda tentou se desculpar, mas de nada adiantou, uma vez que moça o exigiu que entrasse e que outro garçom a servisse. Quando todos estavam prontos para comer, o único que anda não tinha se manifestado, e o que me parecia o mais jovem perguntou ingenuamente:

– Nós rezaremos antes de comer?

Os outros, debochando do garoto disseram que não e “Só irão rezar com o consentimento de Leonardo Boff”.

E, após essa fala herética nem eu intoxicado pela curiosidade aguentei. Voltei para minha casa, encontrei Machado com a capa fechada, como quem havia se irritado com a demora, e então antes de ler com deleite os contos que tanto amo, resolvi escrever aqui, amigo leitor, esse testemunho de um terrorista que por enquanto vive, e cujo único crime é gostar de café, ter uma bandeira do Brasil e querer prender vagabundos.

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Yuri Ruiz

Yuri Ruiz

Um jovem conservador, antifeminista, antimarxista e cristão.

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