Nosso ordenamento jurídico contempla um conceito pouco utilizado, mas muito importante para a manutenção da legitimidade e da normalidade republicana: o de “ordem manifestamente legal/ilegal”.
A Lei n. 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Federais) prevê, no título que trata do regime disciplinar, mais especificamente no artigo 116, IV, que é dever do servidor cumprir as ordens superiores, salvo quando manifestamente ilegais.
Tal regramento contido no estatuto federal é replicado em inúmeras leis estaduais e municipais para que também se apliquem aos servidores das demais esferas federativas. Desconheço qualquer objeção jurídica ao instituto da ordem manifestamente legal/ilegal.
Trata-se de conceito relacionado ao Direito Administrativo, mas também tem reflexos na esfera penal: o artigo 22 do Código Penal estabelece que não é punível o ato praticado em estrita obediência hierárquica, exceto quando a ordem for manifestamente ilegal.
A ordem manifestamente ilegal e o dever de seu descumprimento pelo agente público é previsto até mesmo no Direito Penal Militar, que, ao contrário do que sustentam alguns, não adota a “teoria da obediência cega”. A diferença é que no CPM a ordem deve ser manifestamente criminosa.
Portanto, o cumprimento de ordens superiores manifestamente ilegais (ou criminosas, na hipótese militar) enseja a responsabilização não só do agente que as deu, mas também do agente público que as cumpriu.
Podemos exemplificar com mandados de busca e apreensão expedidos em inquérito manifestamente ilegal/inexistente. Nesse caso, cabe ao policial federal/civil/militar descumpri-los. Da mesma forma, o cumprimento de mandado de prisão oriundo de autoridade ilegítima.
O descumprimento de ordens manifestamente ilegais não é ato revolucionário, de rebeldia, de desrespeito às leis ou jacobinismo, ao contrário: é o estrito cumprimento do que manda o ordenamento jurídico. É a mais pura obediência ao que determina o Direito pátrio.