O CARNAVAL BRASILEIRO DE 2020 E A ÂNSIA POR OFENDER O SENTIMENTO RELIGIOSO

O CARNAVAL BRASILEIRO DE 2020 E A ÂNSIA POR OFENDER O SENTIMENTO RELIGIOSO

O carnaval brasileiro de 2020 ainda nem começou e já percebemos alguns sinais de um show de ofensas ao sentimento religioso. Conforme notícia do jornal O GLOBO Rio, a Mangueira terá Maria Madalena com estética LGBTI+ e Nossa Senhora de luto pela violência para falar sobre tolerância, segurando uma bandeira que chama o Brasil de “ESTADO ASSASSINO”.

Lógico, os pseudo-especialistas de plantão já trouxeram as mais variadas pseudo-explicações filosóficas, sociológicas, bajuladoras, periféricas, entre outras, tudo na “boa” e velha guarda intelectual progressista. Infelizmente, mesmo com o clamor social no carnaval deste ano com o caso da escola de samba paulista Gaviões da Fiel,  os criadores de enredo ainda não entenderam que devem ter muito cuidado ao manipular imagens importantes no seio sacro e confessional de uma religião. A intolerância religiosa não acontece apenas com palavras de ódio, mas também quando, materialmente, algo que faz parte de uma religião é alterado de tal forma que venha a sacralizar algo condenável ou, ao contrário, dessacralize aquilo que é muito valioso para determinada confissão ou crença.

As imagens divulgadas da Mangueira pelo O Globo: 1) atentam contra os dogmas da Igreja Católica Apostólica Romana – ao tentar elencar Maria Madalena como uma trans, complacente com os determinados pecados sexuais, que SIM são pecados sexuais e qualquer católico ou evangélico possui o direito de dizer isto – VIDE decisão da ADO 26; e 2) atenta quanto ao entendimento da Igreja sobre segurança pública, no qual  a Igreja compreende que as autoridades devem ser obedecidas e que o mal deve ser punido ou refreado. No livro Direito Religioso, nós tratamos sobre o tema da seguinte forma:

Assim, sempre que alguém solapar o sagrado, é necessário a sociedade civil se interpor, contrariar, não aceitar. Estamos falando de dignidade humana, estamos falando de vida. Sem dignidade não há vida plena, apenas um suspiro dela. Todos os meios que tivermos para tentar barrar ataques à dignidade devem ser usados: boicote, justiça etc. Por isso que os crimes contra a honra e contra o sentimento religioso são tutelados penalmente em qualquer lugar do mundo.
Não há liberdade que, ao colidir com a dignidade humana, resista, porque é a dignidade da pessoa humana que possui o condão de tornar um axioma em liberdade. Não se trata de pesar qual a liberdade é mais importante ou maior, se a de expressão ou religiosa. As duas liberdades, como todas as demais, existem para SERVIR. Servir o preceito fundamental da Dignidade da Pessoa Humana. Aquela que não a serve, ou pior, a ofende, não esta cumprindo seu propósito, em claro desvirtuamento. A dignidade da pessoa humana é base de todos os direitos, funda-se no próprio direito natural.[1]

Vamos desenhar, não que você precise, mas nós, precisamos: no art. 5º da Constituição brasileira encontraremos um rol de direitos e garantias fundamentais. Tais determinações também são conhecidas como liberdades fundamentais, visto que são segmentos cruciais para a civilização, como a liberdade religiosa e a liberdade de expressão, e estão ali elencados como uma expressão do Estado Democrático de Direito.

A liberdade artística é outro direito fundamental presente na Constituição, especificamente no art. 5º, inciso IX (“é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”) e no art. 220, §2º (“é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”). Contudo, nenhuma liberdade é ilimitada. Na linguagem popular, não se trata de uma autorização para libertinagem!

No caso em questão, temos a colisão de dois direitos fundamentais: a liberdade religiosa (art. 5º, inciso VI da CRFB/88) e a liberdade artística. E agora, como resolver? Resposta: a dignidade da pessoa humana será a balança que pesará as conclusões de tal confronto. Trata-se de uma ponderação a ser feita em cada caso específico, colocando para avaliação as pessoas envolvidas, os sentimentos, e sobretudo, o que foi objetivamente desrespeitado.

Existe um limitador para escolha do tema a ser explorado na tábula artística: a dignidade da pessoa humana e o respeito a sentimentos consagrados constitucionalmente, sob pena de retrocedermos a uma era que não existiam limites e o que valia era a opinião e a vontade do mais forte – “este” mais forte de hoje seria a classe artística? O constituinte, pensando no fato de que o sentimento religioso não deve ser objeto de escárnio, sobreavisa os cidadãos brasileiros com a determinação de que os locais de culto e suas liturgias são protegidos pela Carta Maior (art. 5º, inciso VI – CRFB/88). Por se tratar de um Estado Laico Colaborativo, a proteção se estende para o exercício da religião e para a estrutura religiosa – aquela pré-determinada nos documentos de fé da organização religiosa. Também podemos lembrar que os atos e objetos de culto religioso são protegidos contra o vilipêndio no Código Penal, em seu art. 208, com pena de um mês a um ano, ou multa.

O que os documentos de fé da Igreja Católica Apostólica Romana falam a respeito das situações engazopadas pelo carnaval da Mangueira? Vamos demonstrar um a um. Primeiro, o que Tomás de Aquino preleciona sobre Maria Madalena – que é o entendimento da Igreja Católica:

Deve-se reconhecer aqui um tríplice privilégio concedido a Madalena. Em virtude do primeiro, de caráter profética, ela mereceu ver os anjos; o profeta, com efeito, é quem serve de mediador entre os anjos e o povo. Em virtude do segundo, consistente na elevação angélica, ela viu a Cristo, a quem desejam contemplar os anjos. Em virtude do terceiro, que é o ofício apostólico, ela tornou-se apóstola dos Apóstolos, e por causa disso lhe foi confiada a tarefa de anunciar aos discípulos a Ressureição do Senhor, a fim de que, assim como no princípio a mulher levara ao homem palavras de morte, assim também uma mulher anunciasse agora palavras de vida.[2]

Primeiro ponto superado: Maria Madalena goza de um status importante para a Igreja Católica, o que é o primeiro componente do sentimento religioso para devida avaliação. Segundo ponto, mais especificamente aquele que explica a visão católica de sexualidade, podemos encontrar na exortação apostólica Familiaris Consortio do Papa João Paulo II, que disserta sobre a função da família cristã no mundo de hoje, assinalando o pensamento oficial da religião católica:

4.Uma vez que o desígnio de Deus sobre o matrimónio e sobre a família visa o homem e a mulher no concreto da sua existência quotidiana, em determinadas situações sociais e culturais, a Igreja, para cumprir a sua missão, deve esforçar-se por conhecer as situações em que o matrimónio e a família se encontram hoje.

Este conhecimento é, portanto, uma exigência imprescindível para a obra de evangelização. É na verdade, às famílias do nosso tempo que a Igreja deve levar o imutável e sempre novo Evangelho de Jesus Cristo, na forma em que as famílias se encontram envolvidas nas presentes condições do mundo, chamadas a acolher e a viver o projecto de Deus que lhes diz respeito. Não só, mas os pedidos e os apelos do Espírito ressoam também nos acontecimentos da história, e, portanto, a Igreja pode ser guiada para uma intelecção mais profunda do inexaurível mistério do matrimónio e da família a partir das situações, perguntas, ansiedades e esperanças dos jovens, dos esposos e dos pais de hoje.

Deve ainda juntar-se a isto uma reflexão ulterior de particular importância no tempo presente. Não raramente ao homem e à mulher de hoje, em sincera e profunda procura de uma resposta aos graves e diários problemas da sua vida matrimonial e familiar, são oferecidas visões e propostas mesmo sedutoras, mas que comprometem em medida diversa a verdade e a dignidade da pessoa humana. É uma oferta frequentemente sustentada pela potente e capilar organização dos meios de comunicação social, que põem subtilmente em perigo a liberdade e a capacidade de julgar com objectividade.

Muitos, já cientes deste perigo em que se encontra a pessoa humana, empenham-se pela verdade. A Igreja, com o seu discernimento evangélico, une-se a esses, oferecendo-lhes o seu serviço em prol da verdade, da liberdade e da dignidade de cada homem e de cada mulher.[3]

O casamento monogâmico e heterossexual não apenas integra a confissão de fé, como também o Codex Canonum Ecclesiarum Orientalium da Religião Católica – portanto, tais questões não podem ser utilizadas ao bel prazer da produção artística, principalmente, quando manipulam tais pontos de maneira a contrariar uma confissão de fé, tratando como normal aquilo que, canonicamente, é pecado. E, ponto final.

No mesmo sentido, quando a Mangueira tenta retratar por meio de outra imagem Católica, que a autoridade civil (policial) é responsável pela matança de inocentes, atribuindo aos tais a responsabilidade pela morte de vidas inculpadas. Em sentido contrário, o Código de Direito Canônico da Igreja Católica mantém respeito a autoridade civil, conforme exemplos dispostos no Cân. 1344, aonde até a penitência poderá ser reduzida a depender da punição imposta pela autoridade civil, em observância ao que está disposto em Romanos 13:3.

Em suma, ao violentar componentes que fazem parte do sentimento religioso, o carnaval da Mangueira comete o mesmo erro da Gaviões da Fiel em Março de 2019. Conforme te avisamos, não é a primeira vez e não vai ser a última, que devemos escrever sobre os limites da liberdade de expressão e liberdade artística, entrando em choque com a liberdade religiosa e, principalmente, ferindo a Dignidade Humana.

[1] VIEIRA, Thiago Rafael. REGINA, Jean Marques. Direito religioso: questões práticas e teóricas. – 2. ed. rev. ampl. – Porto Alegre: Concórdia, 2019. p. 107.

[2] DE AQUINO, Tomás. Comentário ao Evangelho de São João, c. XX, 1. 3, n. 2519

[3] EXORTAÇÃO APOSTÓLICA | FAMILIARIS CONSORTIO | De sua santidade João Paulo II | Ao episcopado, ao clero e aos fiéis de toda a Igreja Católica sobre a função da família cristão no mundo de hoje. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_exhortations/documents/hf_jp-ii_exh_19811122_familiaris-consortio.html

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As posições expressas em artigos por nossos colunistas, revelam, a priori, as suas próprias crenças e opiniões; e não necessariamente as opiniões e crenças do Burke Instituto Conservador. Para conhecer as nossas opiniões se atente aos editoriais e vídeos institucionais

Thiago Rafael Vieira & Jean Marques Regina

Thiago Rafael Vieira & Jean Marques Regina

Co-autor da obra: Direito Religioso: questões práticas e teóricas e de outras obras em coletâneas. Advogado desde 2004, professor, escritor e ensaísta. Graduado pela Universidade Luterana do Brasil - ULBRA (2004). Membro da OAB/RS, inscrito sob o n.º 58.257 (2004), membro da OAB/SC inscrito sob o n.º 38.669-A e membro da OAB/PR inscrito sob o n.º 71.141, especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (2005). Pós-graduado em Estado Constitucional e Liberdade Religiosa pela Universidade Mackenzie, em parceria com a Universidade de Oxford (Regent’s Park College) e pela Universidade de Coimbra (Ius Gentium Conimbrigae/Centro de Direitos Humanos) (2017). Pós-graduado em Teologia e Bíblia pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Professor visitante da ULBRA e em diversos cursos de Dieito Religioso. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião – IBDR. Colunista dos blogs “Voltemos ao Evangelho” e “Gospel Prime”. Articulista na Revista de Teologia Brasileira / Vida Nova, Burke Instituto Conservador, Mensageiro Luterano e Instituto Liberal. Ensaísta colaborador da Gazeta do Povo. Vice-presidente do Instituto Cultural e Artístico Filadélfia – ICAF e atualmente é Conselheiro Fiscal da Igreja Batista Filadélfia de Canoas/RS. Esposa da Keilla e pai da Sophia Vieira.

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