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Joaquim Nabuco, monarquista

Joaquim Nabuco não foi o primeiro nem será o último das grandes figuras da história pátria a ser objeto de incompreensão, já não digo em seu tempo, mas pela posteridade. Motivos não faltam, o principal dos quais, certamente, o ter sido um dos líderes do movimento abolicionista. Seria natural, no entendimento dos arautos da suposta evolução da história para a “liberdade” – de acordo com a falsa noção de filosofia da história de Benedeto Croce –, que um deputado pelo Partido Luzia, defensor acérrimo da extinção total do cativeiro fosse um ardoroso republicano…

Já em momento de maturidade, com o tribuno apaixonado tendo cedido lugar ao admirável escritor e diplomata, Joaquim Nabuco pontificava, seguro de si, sobre a superioridade da monarquia sobre a república: “A monarquia constitucional ficava sendo para mim a mais elevada das formas de governo: a ausência de unidade, de permanência, de continuidade no governo, que é a superioridade para muitos da forma republicana, convertia-se em sinal de inferioridade. Esse ideal republicano, de um Estado em que todos pudessem competir desde o colégio para a primeira dignidade, passava a ser a meus olhos uma utopia sem atrativo, o paraíso dos ambiciosos, espécie de hospício em que só se conhecesse a loucura das grandezas.” (Minha formação. Livraria José Olympio Editora, Coleção Documentos Brasileiros, 1976, pág. 71). Por fim – em frase que dá bem a medida de que o monarquista era, antes de tudo, um conservador, e só o era por sê-lo –, sintetiza, à mesma página: “O Universo é a monarquia por excelência”. O mais renhido ultramontano não diria melhor.

Mas aí vemos, como dito, o Nabuco amadurecido, primoroso estilista da língua portuguesa, historiador do Segundo Reinado, abalizado memorialista e biógrafo de seu pai, o velho senador Nabuco de Araújo. Constituirá, quem sabe, um interessante exercício de compreensão da mentalidade de um homem, ao mesmo tempo, representativo e, por assim dizer, destoante de uma época a leitura de seus pronunciamentos monárquicos feitos imediatamente após o golpe de 15 de novembro de 1889. O mais característico dessa luta, ou antes resistência, pela síntese que oferece, foi O dever dos monarquistas, resposta à carta do Almirante Arthur Jaceguai publicada no Jornal do Commercio de 15 de setembro de 1895.

Logo de início, Nabuco inventaria a sua atuação pelo regime deposto: “Em 1890, na Resposta às Mensagens do Recife e Nazaré e na carta ao Diário do Commercio: – Por que continuo monarquista; em 1891, no Agradecimento aos Pernambucanos e na colaboração para o Jornal do Brasil intitulada Ilusões Republicanas; em 1893, no discurso que pronunciei na Quermesse da Cruz Vermelha; em 1895, em Balmaceda e na Intervenção Estrangeira durante a Revolta, sem recordar a nossa campanha de 1888 e 1889, quando a escravidão respondeu ao ato de 13 de Maio desfraldando a bandeira da República, manifestei do melhor modo que me era possível o meu pensamento sobre a adaptação da forma republicana ao nosso país. Além daqueles fragmentos de opinião, há dois anos que me ocupo em reconstruir, sob o título – Um Estadista do Império, J. Th. Nabuco de Araújo, Sua Vida, Suas Opiniões, Sua Época (1813-1878), a individualidade de um dos vultos do antigo regímen com uma perspectiva do reinado de D. Pedro II, esboço que continuarei, se puder levar a efeito um plano talvez demasiado ambicioso, com a história do Movimento Abolicionista (1879-1888), à qual pertence o fim da grande era brasileira.” (O dever dos monarquistas – carta ao Almirante Jaceguai. Rio de Janeiro: Typografia Leuzinger, 1895, págs. 05 e 06).

Se, em suas memórias, ao analisar tanto o regime monárquico em abstrato quanto a nossa experiência imperial, Nabuco lança mão da ciência política e da publicística – que lhe renderia a seguinte crítica corrosiva e muito pertinente de um outro gigante, o jurista e filósofo José Pedro Galvão de Sousa: “(…) o que conta Joaquim Nabuco, nas páginas de Minha Formação, é bastante significativo. Na sua mocidade, o brilhante tribuno vacilou em suas convicções monárquicas. Esteve quase a aderir à república. O que o deteve – não foi o estudo da nossa história, não foram pesquisas em torno da sociologia brasileira, não foi uma reflexão sobre a política do Império, que ele tão admiravelmente descrevia nos três volumes de sua obra principal. Foi simplesmente a leitura de um autor inglês, Bagehot, descrevendo o funcionamento da monarquia constitucional na Grã-Bretanha e colocando diante do leitor extasiado o espetáculo de um regime no qual se refletiam horas, os minutos e os segundos da opinião pública.” (Raízes históricas da crise política brasileira, Editora Vozes, 1965, págs. 64 e 65) –, é n’ O dever dos monarquistas e nos outros pronunciamentos públicos aludidos pelo próprio Nabuco que o grande pernambucano elege a história mesma como a baliza fundamental de seu ideário, o que acaba por ser uma réplica ao notável jurista paulista.

Contra as inventivas do Almirante Jaceguai, para quem – em argumento falacioso largamente usado pelos republicanos – não caberia uma monarquia nas Américas, Nabuco vai direto ao ponto: “Tenho por certo que a função benéfica da monarquia no Brasil foi esta: Descobrimento, conquista, povoamento, cristianização, edificação, plantio, organização, defesa do litoral, expulsão do estrangeiro, unificação e conservação do todo territorial; administração, estabilidade, ordem perfeita no Interior; Independência, unidade política, sistema parlamentar, sentimento da liberdade, altivez do caráter brasileiro, inviolabilidade da imprensa, força das oposições, direito das minorias; tirocínio, aptidão, moralidade administrativa; vocação política desinteressada; crédito, reputação, prestígio exterior; brandura e suavidade de costumes públicos, igualdade civil das raças, extinção pacífica da escravidão; glória militar, renúncia do direito de conquista, arbitramento internacional; cultura literária e científica a mais forte da América Latina; por último, — como o ideal realizado da democracia antiga, o governo do melhor homem — um reinado Pericleiano de meio século. (…) Pretender que uma instituição que teve todo esse papel em nossa história não tinha raízes no país é pretender que o criador não tem raízes na criatura.” (O dever dos monarquistas, págs. 14 e 15).

Mais adiante, o prodigioso autor de Um estadista do Império, tecendo importantíssimas considerações sobre o caráter do brasileiro, chega ao cerne de seu ideário monárquico, que também deve ser o dos monarquistas de hoje: “Já antes dos quarenta anos, o Brasileiro começa a inclinar a sua opinião diante das dos jovens de quinze a vinte e cinco. A abdicação dos pais nos filhos, da idade madura na adolescência, é um fenômeno exclusivamente nosso. (…). O resultado é uma prematuridade abortiva em todo o campo da inteligência, pelo que o talento nacional, que é incontestável, pronto, brilhante e imaginoso, está condenado a produzir obras sem fundo, e, portanto, também sem forma, porque o belo na literatura, como nas artes, não é outra cousa senão a força. Será difícil a um estudante nosso de mérito servir-se a primeira vez do microscópio sem logo descobrir um novo organismo que os sábios estejam procurando em vão, há anos, nos diversos laboratórios da Europa. A pressa é uma incapacidade para a ciência, como para a arte. (…). Qualquer jovem oficial que mandemos aos estaleiros da Europa sente-se com a capacidade de resolver uma dúvida entre dois grandes arquitetos navais. Tudo isso revela de certo uma qualidade – a iniciativa, que, corrigida e completada pela reflexão, é a primeira das qualidades do espírito, mas que movida pela imaginação somente é quase infantil. (…). Eu receio muito o dia em que tivermos um cardeal nosso. O representante no Sacro Colégio da nossa impulsiva mentalidade, se o Conclave não ceder às suas vistas superiores, ameaçará vir para a imprensa contar as irregularidades da apuração das cédulas, perturbando a eleição que há dois mil anos se faz tranquilamente do sucessor de S. Pedro. Se por acaso um nosso patrício recebesse um dia a tiara, então, sem blasfêmia, nem o Espírito Santo conseguiria contê-lo na reforma geral da Igreja. Certamente com papas brasileiros a infalibilidade não teria levado tantos séculos para ser proclamada dogma. (…). Nenhum terreno pode ser mais próprio do que esse para a cultura da anarquia.” (págs. 18, 19 e 20).

Depois desse arrazoado a respeito de certas tendências da nossa índole, só me restaria concluir que sobre uma tal “cultura da anarquia” é que a monarquia constituiria, como constituiu no passado, uma realidade absolutamente necessária, com uma Dinastia intimamente ligada, por laços de sangue e de temperamento, à nação e com interesses em comum aos do povo, sobre o qual possui o direito histórico de reinar – e “como seu remédio natural” (pág. 22).

Não faz muito, a convite do meu amigo e confrade Dídimo Mattos, tive a grata alegria de – com o também amigo e confrade Diogo Guagliardo – ministrar conferência sobre a monarquia aos alunos do tradicional Liceu Maranhense – que já não vive os tempos do latinista e gramático Sotero dos Reis… Mas, além da alegria, tive também a grata surpresa de perceber em vários alunos, inclusive entre aqueles que insistiram em envergar a capa do desprezo afetado, um interesse realmente autêntico e verdadeiramente jovial por aquelas extravagâncias de reis e rainhas apresentadas como contos de fadas absolutamente críveis…

A grande lição de resiliência de Joaquim Nabuco, monarquista porque patriota e patriota porque monarquista, é, ainda, um ato de fé na mesma posteridade que tanto distorce a história pátria – reconhecendo que “o Brasil, quanto mais civilizado, mais tenderá para a monarquia; quanto mais bárbaro, mais se desinteressará dela.” (pág. 28).

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José Lorêdo Filho

José Lorêdo Filho

Livreiro e editor da Livraria Resistência Cultural Editora, cavaleiro da Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém, sócio-correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP) e chanceler do Círculo Monárquico de São Luís.

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